Tínhamos ganho na Machava por um memorável 3-0, a uma Selecção camaronesa recém-glorificada no Mundial de Itália. A “fera” jogava agora em casa e sentia-se ferida. O ambiente em Yaoundé tornou-se um inferno. Em volta do campo havia fogueiras. Dava a impressão que era onde pretendiam assar os moçambicanos. Antes do jogo, Joaquim João, o famoso JJ, foi duas vezes à casa-de-banho, “mas não saía nada”. No final dos 90 minutos, Moçambique perdeu por 4-0, afinal o resultado que nos eliminava. Foi um dos momentos mais dramáticos da vida do “crónico” capitão do Ferroviário e da Selecção Nacional, um dos maiores e mais carismáticos defesas-centrais de todos os tempos da nossa Pátria Amada. Faleceu na passada sexta-feira(09), vítima de doença, no hospital provincial de Inhambane.
A grossa braçadeira de capitão, o estilo e a “souplesse” com que se antecipava para os desarmes, eram as suas imagens de marca. Nos momentos difíceis era a ele que competia erguer o astral dos colegas. Ao longo cerca de 20 anos de carreira, as suas qualidades de atleta íntegro e cidadão dedicado, valeram-lhe a medalha Nachingweia, que guarda com muito carinho. Uma vez penduradas as botas, Joaquim João abraçou a carreira de treinador, exercendo com a mesma entrega as novas funções a que se propôs. Já foi adjunto nos “Mambas” e treinador principal em diversos clubes, da capital e do resto país. Actualmente orienta o Ferroviário de Inhambane. Não considera que houve alguma despromoção, pois… “O que importa é levar as ricas experiências acumuladas, a todos os cantos do país onde se jogue futebol” vai dizendo, a gracejar. Mas o que ele não entende mesmo, é como no seu tempo ficava, nos dias que antecediam os grandes jogos, totalmente em estado de tensão, absorvido a pensar no que poderia acontecer na partida em questão. Hoje, muitos dos seus jogadores até descem ao relvado para o aquecimento, munidos de fones para ouvirem música! Sinais dos novos tempos…
“Bana estilo”
Marcou uma época e um estilo. Um regalo para quem o viu jogar. O “manachuabo” estiloso, diz com orgulho que a Selecção Nacional, no seu tempo, era formada, maioritariamente, por “chingondos”(nortenhos). E vai enumerando: Nuro Americano, José Luís, Chababe, Filipe, Orlando Conde, Rui Marcos, Sábado, Djão, Ângelo e outros. Quem assim fala, não é gago. Só que o eterno problema das assimetrias, obrigou-os a virem para o Sul para se afirmarem. Jóta-Jóta, conhecido por homem elástico, é um central que ainda está na retina de muitos dos que acompanharam os períodos áureos do nosso futebol pós-independência. A sua arma principal? A antecipação e a “adivinhação” dos lances. Mas tudo feito com estilo e elegância, evitando sujar os calções…
De atacante falhado, a estrela do desarme
Foi difícil a sua iniciação, na Zambézia, com uma perna partida de permeio, facto que quase o fazia abandonar o futebol de vez. Ouçamo-lo: “Parti a perna num jogo e a minha mãe, depois de todos os tratamentos para eu ficar bom, proibiu-me de jogar. Estive para seguir a carreira da pintura, até tinha muito jeito, mas o «bichinho» do futebol falou mais alto”.
Tempos volvidos, foi numa deslocação do então Ferroviário de Lourenço Marques a Quelimane, recheado das suas estrelas, que permitiram a Joaquim João dar nas vistas. Depois… foi chegar à capital, ver e vencer? Nada disso. O então jovem Joaquim João, em 1969 com 19 anos chegou à capital recheado de sonhos e ambições. Mas, atenção: o JJ jogava a ponta-de-lança. E como pelas bandas do Sul as coisas eram bem diferentes, teve que “comer banco” até ao dia em que… “O treinador Francisco Pontes viu que as minhas aptidões não eram para avançado e mandou-me jogar a defesa central, numa partida em que vencemos o Benfica por 4 a 2. Contra mim jogava o meu irmão Afonso João. A partir daí, nunca mais «comi banco» e até ascendi à Selecção, na nova posição que me foi confiada”.
Longe da família, com saudades da terra um episódio o marcou de inicio: “A questão da língua. Uma tortura nos primeiros tempos. É que, enquanto em Quelimane toda a gente na cidade se comunicava em português, aqui não. Alguns levavam a mal por eu não saber ronga. Jambane, Nelson Mafambane, Baltazar, Gafur e outros, encorajaram-me a vencer. Mas não foi fácil”.
Com ficha assinada e tudo… Falhou o Benfica por “culpa” da tropa
Em 1973, gorou-se a oportunidade de dar um novo rumo à sua carreira. Após uma deslocação do Ferroviário a Portugal, treinou no Benfica, sob as ordens do inglês Jimmy Hagan e agradou. Chegou a acordo para a transferência, assinou a ficha mas… “A tropa inviabilizou tudo. Nem o Benfica conseguiu remover esse obstáculo. Creio que passei ao lado de uma grande carreira. O meu empresário era o senhor Armando Silva. Ficou a mágoa. Felizmente, na tropa, nunca fui para o mato, estive sempre na secretaria, também graças ao futebol”.
O começo: Trabalho de manhã treinos à tarde
Nasceu em Mopeia, já lá vão 64 anos. Pertence a uma família de desportistas: Mário João, irmão mas velho, defesa, notabilizou-se no Setúbal e no Boavista. Vive actualmente no Porto; Afonso João, avançado, jogou no Benfica de LM. Só o Luís não deu muita atenção ao futebol, pois desde cedo apostou na Marinha Mercante. A sua carreira começou em Quelimane, no Ferroviário, sob o comando de Humberto Nazaré.
Veio para a capital em 69, contratado como futebolista, mas profissionalmente como auxiliar de secretaria. Vivia no Lar dos CFM, trabalhava de manhã e treinava à tarde, mas só era dispensado nas vésperas dos jogos. Fora disso, os treinos eram depois das 17 horas. “Uma coisa curiosa é que, se saíssemos do serviço e não fôssemos treinar, automaticamente apanhávamos falta. O esquema estava montado e a disciplina era rigorosa”.
* Artigo originalmente publicado no @Verdade de 22 de Outubro de 2008