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José Barata: “Os músicos são maltrapilhos”

José Barata: “Os músicos são maltrapilhos”

Quase uma década depois de o conceituado músico moçambicano, José Barata, ter feito uma pausa no que toca à gravação de novos trabalhos discográficos, recentemente, publicou O Melhor de José Barata, uma obra em que – sob o ponto de vista temático – se debate sobre o amor, a tristeza e a alegria experimentada pelos moçambicanos.

Nesta edição, o @Verdade acompanha este acontecimento particular da cultura moçambicana – o retorno de uma figura ilustre à cena da nossa música – revivendo a história, com base numa conversa mantida com o compositor e intérprete, de forma descontraída.

@Verdade: Afinal, como e quando é que o autor da célebre composição Xonguile – reinventada pela coqueluche da nossa música, Isabel Novella, no seu primeiro álbum cujo título é o próprio nome – descobre a paixão pela música?

José Barata: Comecei a relacionar-me com a música tocando uma guitarra, ao 13 anos, influenciado pela banda Os Ibéricos cujos ensaios se realizavam numa casa vizinha. Recordo-me de que, na altura, entre 1972 e 1973, por causa do sistema colonial vigente, os nomes das colectividades artísticas tinham que ser portugueses.

Éramos miúdos e, sempre que os artistas se ausentassem da sala dos ensaios, invadíamos o local a fim de tocarmos os instrumentos. Foi assim que, de forma clandestina, aprendi as primeiras notas musicais, não obstante o facto de que tudo não passava de uma mera brincadeira infantil.

Ou, pelo menos, não imaginava que um dia me ia tornar músico. Passado algum tempo, a música tornou-se uma espécie de vírus que me infectou de tal sorte que, no bairro, eu e os meus amigos actuámos numa festa que nos valeu – em remuneração – uns 50 escudos.

Na altura, tal quantia era muito dinheiro. Receando que os meus pais me perguntassem onde encontrei o montante, tive medo de levá-lo. Além do mais, não queria assumir que andava, por aí, a tocar guitarras, uma vez que tal comportamento tinha uma conotação pejorativa. Portanto, fiz disso um segredo pessoal.

@Verdade: Que outros constrangimentos se associaram ao seu envolvimento na música, tendo em conta que era miúdo?

José Barata: O facto é que, passado algum tempo, comecei a ter um mau aproveitamento pedagógico. Quando os meus pais descobriram o facto, suspeitaram de que houvesse algum problema além das (minhas) brincadeiras habituais. Certo dia, aos 16 anos, emprestada por um amigo, levei uma guitarra para casa, na esperança de que iam aceitar que eu coabitasse com o instrumento – afinal de contas, eu já era grandinho. Tinha que se respeitar as minhas escolhas. Perguntaram-me de quem era o instrumento e, assim que lhes respondi, mandaram-me devolver o instrumento imediatamente, ameaçando danificá-lo caso eu o trouxesse novamente.

@Verdade: Por quanto tempo a realidade se manteve assim?

José Barata: O casamento da minha irmã modicou a realidade. É que ela convidou uma banda para tocar – por sinal, a mesma em que actuavam os meus amigos. Pedimos para tocar um tema e, em resultado de termos sido bem-sucedidos, acabámos por apresentar três temas. Terminadas as actuações, os meus pais chamaram-me, mas eu – imaginando que eles fossem criticar-me – recusei. Depois de alguma insistência, acabei por ir. Entretanto, contrariamente ao que esperava, elogiaram-me e nunca mais me proibiram de fazer música, muito em particular, porque perceberam que ela é uma actividade apreciada pela maioria das pessoas.

@Verdade: E como é que era a sua performance na escola?

José Barata: Contrariamente aos triunfos que eu obtinha na arte, na escola os resultados pioravam. Quando ganhámos algum destaque na música, viajávamos constantemente para alguns distritos – Moamba e Ressano Garcia, por exemplo – e províncias do país a fim de realizarmos concertos. Sempre éramos convidados a realizar concertos.

Em resultado disso, acumulávamos muitas faltas e o desempenho na escola fraquejava. Depois decidi estudar mais – para passar de classe – colocando a música em segundo plano. Em 1980, comecei a trabalhar na Rádio Moçambique, onde, logo que cheguei, fundei a banda Micro-ondas. Tratou-se de um de uma extensão da colectividade-mãe que já existia. A minha profissionalização artística começa no grupo em referência. No Microondas

@Verdade: Como é que foi a sua experiência no Microondas?

José Barata: Como já trabalha, na Rádio Moçambique, a música configurava uma espécie de hobby. No entanto, era praticada seriamente de tal sorte que actuávamos em diversas parcelas do país, incluindo no programa Ngoma Moçambique. Infelizmente, a maior parte dos membros emigrou para a África do Sul, onde ia trabalhar nas minas. Foi isso que determinou o fim do grupo Microondas.

Em 1985, a par do falecido Fernando Azevedo, Hélio Sarmento e Pacha Viegas – irmão de Elvira Viegas – fundei a banda M2 cujo objectivo era acompanhar os artistas que gravavam as suas obras na Rádio Moçambique. Recordo-me de que, em 1982, gravámos uma música com o baterista Isac Tovela, agora radicado na África do Sul. O objectivo era participar num concurso musical em que ficámos na terceira posição.

@Verdade: E quando começa a sua carreira a solo?

José Barata: Na época da banda Microondas. É uma história estranha, mas, certa vez, tínhamos um concerto em que faltaram os coristas. No entanto, dentre os presentes ninguém sabia cantar. Então, escolheram-me para fazer os coros. Acho que fui bem-sucedido porque recebi uma crítica favorável, tendo sido aconselhado a continuar a cantar.

A partir daí comecei a trabalhar arduamente sozinho – e compus a música Criança Sem Pai, gravada em fita magnética. Depois do desaparecimento da banda, lancei as músicas Magaíssa, SIDA Malume e Xonguile – que também compõem o álbum “O Melhor de José Barata”. Esta obra – com nove faixas – resulta da pressão do público que queria consumir estas músicas.

A temática e o drama de ser músico

@Verdade: O que versa nas suas músicas?

José Barata: Sempre fui um homem de linhagem única. Portanto, falo sobre o amor e da vida social. Tenho um tema intitulado Adriana, em que alerto as adolescentes para a necessidade de se cuidarem. Daí o desafio de os pais e encarregados de educação redobrem a vigilância para protegerem as crianças.

@Verdade: Que expectativas tem em relação ao futuro?

José Barata: Se tudo correr bem, vou investir os lucros obtidos na venda desta obra na produção do terceiro disco. Entretanto, continuo a realizar concertos nalgumas casas de pasto.

@Verdade: Que dificuldades tem enfrentado na sua carreira?

José Barata: Seguir uma carreira artística não é fácil, sobretudo porque a condição dos músicos é deplorável no país. Se, por um lado, a pessoa quando cultura a terra conta com o auxílio de adubos e inseticidas, por outro, em sentido metafórico, nós os artistas só temos enxadas e confiamos unicamente na bondade do solo. Muitas vezes, no solo que constitui o nosso mercado artístico não chove. Por isso, as dificuldades multiplicam-se.

Sem adubar o terreno, é quase impossível colher os resultados do plantio. É isso o que sucede na música – nós trabalhamos sem as mínimas condições. Sem dinheiro. Além disso, enfrentamos todo o tipo de dificuldades sociais. Por exemplo, certa vez namorei uma moça a quem prometi apresentar-me aos seus pais. Entretanto, numa sociedade em que os músicos são malvistos, ela ficou surpreendida com a minha postura. Logo, ficou satisfeita.

Embora os pais tenham ficado felizes com a ideia, quando souberam que eu, o namorado, era um músico, ficaram estupefactos com o facto e decidiram não me receber supostamente porque – uma vez que os músicos são maltrapilhos – eu seria um péssimo esposo para ela. Portanto, as pessoas ainda interpretam mal os cantores, em resultado de ter existido pessoas que – usando o estatuto de artista – desgraçaram a vida das pessoas. Fui vítima desse estereótipo e perdi a moça.

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