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Jogos tradicionais ganham terreno em Nampula

Os jogos tradicionais tornaram-se em Moçambique e na província de Nampula, em particular, um desporto de massas que, a pouco e pouco, vai conquistando mais praticantes. Apesar da insuficiente intervenção do Governo, seja a nível central, seja localmente, estes vêm ganhando força em Nampula e os seus intervenientes lutam, a qualquer custo, por uma organização interna.

Juma Ernestino é praticante dos jogos tradicionais, concretamente o Npale, há mais de 20 anos. Em conversa com o @Verdade comentou que, que apesar da pouca valorização deste género de jogos, a prática já está a ser popularizada não só na cidade de Nampula, mas em todos os distritos, mas com maior incidência na região costeira, como é o caso da Ilha de Moçambique, Moma e Angoche, onde a sua prática é quase que tradicional.

No ano passado, um grupo de praticantes do seu núcleo com sede no bairro de Napipine na cidade de Nampula, em número de sete, deslocou-se à cidade da Ilha de Moçambique a convite dum dos grupos daquele ponto do país, para uma disputa de carácter amigável.

“Pelo menos na Ilha de Moçambique, nos anos já idos, havia muita movimentação de grupos praticantes do Npale, para a zona continental, de forma coordenada e alternada, onde todas as tardes se realizavam disputas de grande nível, envolvendo jovens e adultos, mas aos poucos este cenário foi desaparecendo. Alegra-me saber que já está em curso o processo de resgate dos jogos”, sublinhou.

Ernestino conta que os jogos tradicionais são praticados maioritariamente por indivíduos de poucas posses e iletrados, que fazem desta actividade um passatempo. “Nos anos passados, muitos que aderiam a este tipo de jogo eram oriundos do litoral, porque o Npale era praticado nas tardes, enquanto se aguardava pelo pessoal que estava na pesca; por outro lado, muitas pessoas que não têm emprego fazem disto um dos principais divertimentos para esquecer algumas dificuldades”, disse.

Um dos mais antigos praticantes de Npale em Nampula afirma que as pessoas ganharam o hábito de jogar durante as tardes, porque ao longo do período da manhã a maioria dedica-se aos seus afazeres ou actividades de auto-sustento. “Ao longo da semana, cada núcleo fica no seu próprio campo que serve, em parte, como forma de preparação e descobrirmos os melhores atletas, e, com base neste processo, são seleccionados os mais destacados que são enviados para as disputas com outros núcleos”, explica.

Ernestino, tendo acrescentado que ele e o seu grupo praticam os Jogos Tradicionais por gosto e não para obter ganhos financeiros. Ernestino fez saber que a adesão de mulheres aos jogos tradicionais só começou a ser efectiva nos últimos cinco anos, devido aos hábitos e costumes da região que vedavam à mulher a partilha do mesmo espaço com o homem.

O Npale: uma modalidade de massas

O Npale é a modalidade mais praticada em Nampula. “Existem alguns núcleos que disputam o Npale com base em apostas monetárias, que variam entre cem a mil meticais, mas pela minha experiência este tipo de partidas não têm terminado bem, pois os perdedores nunca acreditam nos resultados, e em algumas vezes tem havido agressões físicas”, anotou Ernestino.

Quando se trata de uma competição provincial, todos os núcleos são convidados a participar, e, por sua vez, seleccionam os seus melhores atletas para a prova. Nos jogos é usado um tabuleiro de madeira, covas feitas sobre a terra ou no cimento, com quatro filas de 4, 8, 16 ou 32 cada uma, e as pedras, os berlindes e até mesmo os caroços são usados como instrumentos de jogo.

O campo é um espaço livre, sobretudo por baixo de uma árvore por preferência dos praticantes e devido às condições climatéricas. Os adversários defrontam-se de cócoras ou sentados. Na disposição inicial, cada cova contempla duas pedras.

O sistema de confronto pode ser individual mas, quando é em equipa, aceitam-se no máximo dois participantes. Cada um controla duas filas de covas – as mais próximas a si – onde o objectivo final é eliminar todas as pedras do adversário. Como ponto de partida, o praticante escolhe uma cova para retirar as pedras e deixá-las nas covas subsequentes, uma a uma, no sentido anti-horário e a formar grupos de três até sobrar uma.

Quando a última pedra encontra uma cova também com pedras, o praticante tem de dar continuidade ao processo até achar um local vazio. Se esse vazio for encontrado na fila frontal à do adversário, cujo buraco tem pedras, essas são automaticamente eliminadas; porém, se o buraco do adversário estiver vazio, o jogo é entregue ao oponente para, com o seu talento e malabarismo, tentar eliminar as pedras do primeiro.

Dá-se o caso, porém, de que um praticante fica com uma pedra no seu tabuleiro. Assim sendo, terá de a girar até ser eliminado ou encontrar, a partir das suas covas, as pedras do adversário para eliminá-las. O vencedor, conforme se referiu acima, é aquele que eliminar na totalidade as pedras do adversário.

No que à sua história diz respeito, o Npale é um jogo tradicional que submete o atleta a um esforço mental, em que a aritmética é fundamental. Segundo narrações de alguns praticantes, os mais adultos de Nampula, esta modalidade pertença dos jogos tradicionais era usada como esboço de estratégias para a defesa bem como para o ataque durante as guerras tribais, em que as pedras eram tratadas como guerrilheiros durante a batalha.

Por outro lado, segundo outras fontes, era usado como um jogo para a escolha do chefe tribal, condecoração que era cedida ao vencedor. Na zona sul do país, esta modalidade tomou o nome de Ntxuva.

Um exemplo de reabilitação através do Npale

Na sequência da ronda efectuada pela nossa equipa de reportagem, escalámos as celas da Penitenciária Industrial de Nampula, local de referência, onde vários reclusos praticam esta modalidade dos Jogos Tradicionais. Conhecemos, na ocasião, Malfo Luís, jovem condenado a nove anos de prisão, um verdadeiro craque do Npale.

Segundo este recluso, apesar de se encontrar encarcerado nas celas daquela penitenciária, ele sente-se livre psicologicamente quando pratica esta modalidade. Foi, por isso, quando menos se esperava, que integrou em Setembro último a comitiva da província de Nampula que participou no segundo Festival Nacional dos Jogos Tradicionais, prova que decorreu na cidade de Lichinga, província de Niassa.

Aliás, só para que conste, Malfo Luís sagrou-se naquele evento campeão nacional de Npale. “Muitos pensaram que o estar fora das celas para competir em Lichinga seria uma oportunidade para fugir da cadeia” confessou Malfo, para a seguir acrescentar que não importa o período em que estiver na cadeia, “só me sentirei verdadeiramente enclausurado no dia em que disserem para deixar de praticar o Npale”.

O Campeonato Provincial

Ainda não há datas para a realização do Campeonato Provincial dos Jogos Tradicionais de Nampula. Porém, sabe-se que, em princípio, o mesmo terá lugar ainda neste ano. Neste momento estão a decorrer os campeonatos locais entre os núcleos, para serem apurados os vencedores que farão parte do certame a nível desta província nortenha do país.

Os distritos de Angoche, da Ilha de Moçambique, Nacala-a-Velha, Nampula-Rapale, Mongicual, Malema e Ribáuè são os que no presente rodam os seus atletas na busca dos seus representantes para a fase provincial.

Segundo o @Verdade apurou, junto do presidente da Associação Provincial dos Jogos Tradicionais, existe, para já, uma comissão técnica que tem efectuado o acompanhamento das provas locais, incluindo os aspectos relacionados com a pontuação. O Npale é a única modalidade em actividade.

A Associação Provincial de Jogos Tradicionais de Nampula (APJTN) divulgou, na última semana, que esta região do país conta com um pouco mais de 3000 praticantes desta modalidade, distribuídos por vários núcleos a nível dos distritos. No entanto, o grande desafio desta agremiação neste momento, que tem tirado o sono aos seus dirigentes é, única e simplesmente, o reconhecimento jurídico – ainda que se esteja numa fase bastante avançada para o efeito.

O @Verdade visitou nesta semana aquela agremiação de modo a perceber o seu grau de funcionamento, bem como para se inteirar acerca do Npale, a modalidade dos jogos tradicionais mais praticada a nível da província. Na ocasião, a nossa equipa de reportagem manteve um encontro com Carlos Muapanco, presidente da APJTN, que disse, em primeiro plano, que esta prática desportiva, nos últimos dias, tem registado um número crescente de novos participantes, facto que se acontece desde 2008 quando se decidiu instituir a associação.

Aquele dirigente confirmou, ainda, que o Npale é a modalidade mais praticada a nível da província e que arrasta multidões nos dias de competições. As outras, porém de menor expressão e ainda em fase de divulgação, são: Maquini, Ethika, Npelele e Chapeue.

O nosso entrevistado disse que os jogos tradicionais a nível desta província nortenha do país começaram a ganhar terreno de forma invulgar em 2000, todavia, eram levados a cabo de forma desorganizada, visto que serviam apenas para diversão dos praticantes, maioritariamente adultos.

Falando concretamente da cidade de Nampula, a mesma fonte revelou que, de uma forma geral, nos dias que correm os jogos tradicionais têm sido realizados com muita frequência nos bairros periféricos de Namicopo, de Muhala, de Namutequeliua, de Mutomote, de Muatala e de Natiquiri.

“Neste momento estamos a negociar com a empresa Telecomunicações de Moçambique (TDM) e com o Fundo de Investimento e Património de Abastecimento de Água (FIPAG) de forma a garantirmos núcleos em cada um dos bairros e nas escolas da cidade de Nampula. Queremos com este acção garantir competições regulares e ver os jogos tradicionais tornarem-se um desporto de massas” disse Muapanco, acrescentando que, para além das instituições prisionais, já foram criados núcleos em quase todas as escolas secundárias da cidade de Nampula e alocados os respectivos tabuleiros, com excepção da Escola Secundária de Nampula.

Soubemos ainda daquele dirigente que, face à evolução organizacional da agremiação de que é gestor neste ponto do país, decorrem neste momento alguns torneios, quer a nível da cidade capital, Nampula, quer a nível de alguns distritos tais como Angoche.

Questionado sobre as dificuldades encontradas para se formar uma associação provincial, Carlos Muapanco afirmou que “tudo tinha de partir dos núcleos. Foi através destes que conseguiram unir-se para formar a associação. Portanto, não foi difícil, senão a componente da legalização jurídica que ainda constitui um obstáculo para nós”.

“Foi nossa estratégia dialogar com os fazedores dos jogos tradicionais a nível desta província de modo a, primeiro, transformar os locais onde competiam por lazer em campos oficiais de jogos; segundo, transformar os grupos existentes em núcleos e, deste modo, divulgar estes jogos um pouco por todos os bairros da cidade de Nampula, uma vez que a sua prática já é tradição em Nampula” sublinhou a fonte.

Dados estatísticos cedidos por aquele dirigente associativo dão conta de que, presentemente, pelo menos na cidade de Nampula, funcionam 15 núcleos com uma média de 25 membros, alguns dos quais reclusos de alguns estabelecimentos prisionais, como é o caso das cadeias Provincial, Feminina e Penitenciária Industrial. No que diz respeito ao género, só a Cadeia Feminina de Nampula conta com cerca de 70 mulheres, subdivididas em núcleos de competição interna.

Em jeito de desfecho, Carlos Muapanco frisou que, para tornar os jogos tradicionais mais competitivos e organizados, a sua agremiação decidiu introduzir neste ano o sistema de cobrança de uma taxa de inscrição estimada em 250 meticais para cada núcleo e mil meticais por cada distrito. Os mesmos valores serão, a posteriori, usados para premiar os primeiros três destacados durante o Campeonato Provincial de Jogos Tradicionais, prova que vai arrancar dentro de dias na cidade de Nampula.

Governo provincial abraça a causa

Pese embora os dirigentes do governo de Nampula não se façam presentes nos dias de competições, Carlos Muapanco confirmou ao @Verdade que a AJTPN tem beneficiado de apoio financeiro por parte da Direcção Provincial da Juventude e Desportos de Nampula, da qual, no primeiro ano, 2010, aquela agremiação recebeu 30 mil meticais para, já em 2012, receber 13 mil, valores usados na aquisição de tabuleiros que foram distribuídos pelos núcleos espalhados um pouco por toda a província de Nampula.

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