Em tempos já havia dito, com muito entusiasmo, que Inhambane era a cidade mais sossegada do mundo. Tinha propalado também, com palavras desenfreadas – em homenagem aos espítiros lembrados e não lembrados – que a “Terra da Boa Gente” seria assim eternamente. Qual!
Aquele pequeno enclave cresce hoje a um ritmo galopante, com construções e sonhos por todo lado, notando-se ainda o regresso de almas que tinham embarcado no êxodo para terras longínquas. Aliás, este regresso será, concerteza, o jus que se faz – ou que se deve fazer – à história, porque, na verdade, estamos agora perante uma nova cidade de Inhambane: também com crime violento no lombo.
Mas este lado assombroso não vai constituir novidade para ninguém – dirão muitos – porque onde há desenvolvimento, há também erosão social. Obviamente! Só que aquele sossego, aquela tranquilidade, a levitação, tudo isso, que constituía algo arrebatador desde que Inhambane existe, nunca se pensou que um dia poderia fazer parte do passado da história.
Itai Meque, (governador da província), é um grande adepto do desenvolvimento. Ele olha de forma atenta para todas as arestas do espaço territorial que está sob sua batuta e, depois da visualização que fez, “sentiu” que a construção de uma ponte que ligasse Inhambane a Maxixe (que fica do outro lado da baía), traria um desenvolvimento ainda mais célere, ainda mais projectado para um futuro sólido e, tendo pensando deste forma, Meque foi contra o próprio tempo – que não existe muito se não quisermos embarcar na última carruagem.
Pois é, Itai Meque, como um bisonte, voou para a China, onde convenceu aqueles “tigres” a irem a Inhambane aperceber-se de um sonho que não é propriamente deste dirigente (o projecto vem desde o tempo colonial). Os “tigres” foram e agora há um estudo feito, estando-se neste momento, segundo se sabe, numa fase de busca de fundos.
Na verdade, a ponte sobre a baía de Inhambane – como todas as pontes do mundo – será um grande veículo de desenvolvimento, será um meio de transporte que também pode ajudar a movimentar facilmente os criminosos. Contudo, qual é a culpa do governador de Inhambane se a ponte for a conduzir também criminosos?
Muitos manhambanas não querem a ponte porque, se sem a ponte “a nossa cidade já está assaltada por bandidos, imagina quando vier essa infraestrutura!” Mas o pensamento não pode ser direccionado apenas nessa perespectiva pois, a “Terra da boa gente” tem a possibilidade de continuar a crescer de forma ordeira, trazendo emprego, preservando-se, mesmo assim, a parte velha da cidade, que é um autêntico museu construído pelas mãos, como hino à arquitetura.
ASSALTANTES ARMADOS
Até a poucos anos não se falava de assaltos a mão armada em Inhambane, mas hoje é quase o “pão de cada dia”. Era natural alguém chegar com o seu carro, estacioná-lo num lugar qualquer, deixar a chave na ingnição, ir tratar dos seus assuntos e voltar a encontrar a sua viatura no mesmo lugar e nas mesmas condições em que a deixou. Também podia-se caminhar nos atalhos dos subúrbios, à altas horas da noite e nas madrugadas, sem que houvesse importúnio. Mas fazer isso hoje, é sonhar com o diabo. Isto é, qualquer indivíduo que o tente fazer, corre todos os riscos, inclusivamente de ser esfaqueado ou baleado, ou ainda violado sexualmente.
Mas todo esse temor não impede que as pessoas continuem a trabalhar e a fundamentar os seus projectos. Há construções institucionais e privadas por todo o lado. Os mercados estão abarrotados. A azáfama é imensa e, para quem saíu de lá há cerca de cinco anos, pode não reconhecer a “cidade mais sossegada do mundo”. Vai ficar assustado se lhe disserem que pode levar uma facada a qualquer momento e em qualquer parte do corpo e em qualquer lugar da cidade. Quer dizer, é a paga do desenvolvimento. Da circulação do dinheiro.
É isso: o hangar dos Caminhos de Ferro de Moçambique naquele canto do nosso país, já era. No seu lugar ficaram enormes sucatas que nos fazem lembrar as épocas sáfaras dos machopes que iam de Inharrime e dos bitongas que saiam de Nhacoongo, Cumbana, Jangamo, para venderem seus produtos na cidade. E hoje, em determinados troços dessa linha férrea, os carris foram substituidos pela area, ou pelas construções que invadem tudo. Avidamente.
CAMPO DE CONCENTRAÇÃO
Inhambane é uma cidade muito linda demais, e não será redundante dizer isso. Mas para quem a conhece bem desde os tempos, não ficará feliz quando, ao entrar nela, vindo de Maputo e depois de passar o hospital provincial, a cadeia e o cemitério, deparar-se com um enorme muro à direita, carecendo de pintura e outras motivasões relaxantes. Pior ainda, esse muro mais parece um campo de concentração do que propriamente a vedação de uma pista de atletismo.
Aquele cerco – todos são unânimes nisso – deve ser derrubado porque só está ali para homenagear a feiura. Tira-nos o oxigénio. O muro deve ser retirado e no seu lugar colocada uma rede de tubarão. Porque isso vai arejar o lugar e dará mais saúde aos atletas e aos espectadores. Quem passar por ali terá o mar de um lado e pessoas praticando o atletismo do outro lado. O lugar tornar-se-á mais atraente. Mais amoroso. Será uma espécie de catarse passar por ali e nós já dissemos isso mais do que uma vez e, como água mole… esperemos que o bom do governador de Inhambane procure saber o que está a acontecer. Até porque nós pensamos que uma das pessoas com quem se devia conversar, senhor governador, é o professor Mário dos Santos, que é o “dono” daquela pista baptizada “Sete de Setembro”.
Pois é, a cidade de Inhambane é isto: desenvolve com crime na garupa.