A Plataforma da Sociedade Civil para Recursos Naturais e Indústria Extractiva reitera a sua enorme preocupação face à persistência de zonas de penumbra e de sérios indícios de atropelos à lei, no processo atinente à implementação do projecto da fábrica de gás natural liquefeito (GNL), na Península de Afungi, Distrito de Palma, Província de Cabo Delgado.
No espírito de obter esclarecimentos e, com base neles, contribuir para a implementação célere e socialmente harmoniosa do projecto, a Plataforma manteve dois encontros separados com o Governo e as empresas Anadarko e Eni, em Fevereiro e Abril do corrente ano, respectivamente, durante os quais a Plataforma indicou um conjunto de assuntos contenciosos exigindo esclarecimento. Contudo, na sua essência, e até ao presente momento as questões que originaram tais encontros mantêm-se sem qualquer progresso assinalável.
Neste contexto e, em resposta à solicitação feita por alguns participantes da audiência pública realizada no dia 3 de Abril de 2014, no sentido de a Sociedade Civil apresentar propostas de solução, as ONG’s filiadas à Plataforma defendem a tomada das seguintes acções, como medidas incontornáveis:
1. Delimitação de todas as áreas ocupadas pelas comunidades da península de Afungi, e emissão do subsequente certificado, uma exigência que se fundamenta no Artigo 7 do Anexo Técnico ao Regulamento da Lei de Terras. De acordo com este dispositivo legal, a delimitação das áreas das comunidades locais faz-se prioritariamente nos seguintes casos:
(i) Onde há conflitos sobre o uso da terra e/ou dos recursos naturais; (ii) Nas áreas das comunidades locais onde o Estado e/ou outros investidores pretendem lançar novas actividades económicas e/ou projectos e planos de desenvolvimento; e (iii) A pedido das comunidades locais.
2. Revisão do DUAT atribuído à ENH-Logistics, a fim de se aferir a sua legalidade. Com efeito, a Lei de Petróleos determina que em locais onde se implantam infra-estruturas de petróleo e gás, o Estado deve criar uma zona de protecção parcial que fica sujeita ao regime estabelecido na legislação de terras (artigo 20, Nº 3, da Lei de Petróleos). Por sua vez, o Artigo 9 da Lei de Terras determina que “nas zonas de Protecção total e parcial não podem ser adquiridos direitos de uso e aproveitamento da terra, podendo, no entanto, ser emitidas licenças especiais para o exercício de actividades determinadas”.
Considerando estes dispositivos legais, o investidor apenas deveria ter recebido uma licença especial para a ocupação da terra destinada à implantação de infra-estruturas e não necessariamente um DUAT.
2.1. Processo de expropriação e compensações às comunidades locais: Por outro lado, ainda que a lei permitisse a atribuição de DUAT’s em áreas onde são implantadas infra-estruturas petrolíferas e de gás, esta atribuição deveria ter sido antecedida por um processo de expropriação e pagamento das indemnizações e compensações devidas às pessoas afectadas.
Nesse sentido, incumbia ao Ministério da Agricultura emitir uma declaração de extinção do direito das comunidades, antecipando a autorização do uso da terra na área do projecto. Para além disto, a Plataforma chamou à atenção para a obrigação legal da realização de consultas comunitárias, cujas actas o Governo se mostra incapaz de apresentar, levando à conclusão de que as alegações das comunidades de que não foram consultadas são verdadeiras.
3. Esclarecimento da legalidade do contrato de cessão de DUAT: No role das questões controvertidas e esperando esclarecimentos do governo, inclui-se a questão de se esclarecer a base legal por meio da qual foi firmado um contrato de cessão do DUAT, por parte da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH) à Anadarko (AMA 1), uma vez que o regulamento sobre esta matéria está ainda a ser produzido.
4. Submissão da Planta das Infra-estruturas da GNL: A Plataforma defende, de igual modo, que nos termos impostos pelo Regulamento da Lei da Terra o Governo deveria ter exigido ao investidor (Anadarko) a submissão da planta das infra-estruturas da futura fábrica e o Plano Geral de Urbanização de Afungi, estranhando que se tenham iniciado os processos de licenciamento ambiental e do uso da terra, sem o objecto sobre o qual os referidos processos devem recair.
A ausência deste dado fundamental (Planta das Infra-estruturas) impede que tanto o Governo, como as comunidades afectadas e o público em geral tenham informação detalhada que demonstre a inevitabilidade da deslocação permanente das populações para novas zonas de habitação.
Conclusão
Apesar de reconhecer alguma abertura, por parte do Governo, para responder à estas inquietações, a lentidão ou mesmo relutância em prestar esclarecimentos cabais e conclusivos às questões acima resumidas, suscitam séria preocupação às 35 ONGs nacionais que integram a Plataforma.
No entender destas organizações, os processos de ocupação de terras por investimentos, quer sejam de capitais nacionais, quer sejam de capitais estrangeiros, devem obedecer rigorosamente, a legislação, salvaguardando o pleno exercício dos direitos pré-existentes das comunidades e dos cidadãos residentes em tais áreas.
Para a Plataforma, constitui motivo de séria e legitima preocupação, a emergência de um discurso oficial segundo o qual, exigir-se que a Administração Pública e os investidores cumpram escrupulosamente o estatuído na lei é “bloquear o desenvolvimento”.
A provisão de informação clara e abrangente junto de todas as partes interessadas, e a calendarização transparente dos processos, são factores fundamentais, para mitigar incertezas e riscos, a instabilidade das comunidades locais e a imprevisibilidade do seu futuro.
A Plataforma da Sociedade Civil para Recursos Naturais e Industria Extractiva, encarando com natural expectativa a promessa de desenvolvimento representada pela exploração do gás natural da Bacia do Rovuma, reitera contudo que só com estrito respeito à lei, tal promessa poderá realizar-se em pleno.