Para além de ser filha da casa, radicada em Portugal, ela é cantora e toca violino com um gosto imensurável. Veio a Moçambique, sua terra natal, para participar na IV Temporada de Música Clássica de Maputo, denominada Xiquitsi, cuja 1ª série decorreu em Maio último, devendo estender-se até Novembro próximo. Iliane Simão é uma mulher de poucas palavras e julga que tem duas nacionalidades.
A artista partiu para Portugal, concretamente para a cidade de Évora, aos 14 anos de idade, para estudar música. E são raras as vezes que ela repisou o solo pátrio para, entre outros motivos, visitar familiares. Alguns lembrar-se-ão, mas outros não, de que foi em 1995 que Iliane Simão, agora com 31 anos de idade, e outras raparigas – Eldivina Materule, Adnilda Munguambe, Linda Paulino, Ofélia Madeira e Justina Zaqueu – da Escola Nacional de Música, ganharam umas bolsas de estudo para continuarem os seus cursos na Escola Profissional de Música de Évora. Desde essa altura, ela perdeu o interesse em continuar a viver em Moçambique, supostamente por causa das dificuldades que enfrentava.
Ao contrário do que acontece com um número considerável de compatriotas, que, quando partem para o estrangeiro à procura de soluções para diversos problemas das suas vidas, depois regressam a Moçambique, Iliane Simão não sentiu e não tem essa vontade. E ela explica-se: “Tenho muitos amigos em Portugal. Habituei- me a viver longe da família e tenho outra parentela lá. Se nunca voltei (ao seu país de origem) é devido a dificuldades para arranjar emprego”.
“Em Portugal é mais fácil dar aulas de música. As pessoas têm o hábito de comprar instrumentos e aprender. Nunca fui convidado a dar aulas em Moçambique; por isso, não posso vir ficar para nada…”, desabafou a nossa entrevistada, que está naquele país, também, pelo facto de se ter apaixonado por alguém com quem já tem afinidades. Sobre Iliane Simão há muitas coisas para narrar e de viva voz ela declarou que a sua paixão pelos instrumentos musicais, principalmente pelo piano, nasceu e desenvolveu-se na Escola Nacional de Música.
“Na altura, eu tinha sete ou oito anos de idade e a minha mãe trabalhava naquela escola como secretária do antigo director-geral, Tiago Langa. Todos os meus irmãos estudavam de manhã e para que eu não ficasse sozinha em casa ia ao trabalho com ela”. Enquanto a sua progenitora trabalhava – para não atrapalhar e impedir o decurso normal de actividades – a nossa interlocutora ficava numa sala desocupada a aprender a tocar instrumentos musicais.
“Foi nessa altura que me apaixonei pelo piano. E por causa do gosto que eu tinha por aquele aparelho, a minha mãe matriculou- me na mesma escola onde era funcionária e comecei a ter aulas de piano”. Depois de seis anos de aprendizagem, em 1995, Iliane viajou para Portugal, onde deu continuidade aos estudos. Na verdade, estava-se a concretizar um plano existente desde o ano anterior. É que os directores da Escola Profissional de Música de Évora e da Escola Nacional de Musica já se tinham apercebido do talento da miúda que hoje se tornou uma estrela da música e desenvolveu uma paixão pelo piano.
As dificuldades em Portugal
Não é apenas uma planta que murcha quando é arrancada de uma terra para outra. Iliane e as outras meninas com quem partiu para a Europa tiveram uma vida completamente transformada em quase todos os aspectos e marcada por obstáculos. Para além das dificuldades que incluem hábitos e regras de convivência, as compatriotas tinham de lidar com uma nova realidade no curso que seguiam: a pormenorização do estilo e dos instrumentos musicais.
“Essa especialização era feita de acordo com a estrutura física e as habilidades da pessoa. Eu, por possuir braços compridos, fui escolhida para, definitivamente, aprender e tocar violino”. A jovem explicou que a ida a Portugal visava, em parte, a profissionalização em diferentes áreas da música com o propósito de, posteriormente, formar uma orquestra de música clássica em Moçambique, o que nunca mais aconteceu porque, infelizmente, algumas colegas não seguiram o mesmo curso.
“Falo, por exemplo, de Ofélia Madeira. Enquanto eu ainda frequentava Viola de Artes, comecei a dar aulas de música aos petizes do ensino primário”. Volvidos dois anos, após a sua licenciatura em música, Iliane começou a dar aulas de piano e violino e a cantar em vários eventos na cidade na Évora. “Em 2012, realizámos uma tourné de música acústica com a banda portuguesa “Santos e Pecadores”, em Angola”.
A missão em Moçambique
Mais do que visitar o país delas, Iliane e Eldivina Materula têm um plano em Moçambique. As artistas são patronas do projecto Xiquitsi, uma iniciativa cujo propósito é formar crianças, adolescentes e jovens na arte musical. Elas pretendem, também, partilhar as suas experiências adquiridas naquele país lusitano para que os moçambicanos, incluindo os cantores, abracem a diversidade e não se limitem apenas ao Pandza e à Marrabenta. Entretanto, segundo a nossa entrevistada, o projecto Xiquitsi enfrenta percalços no seu caminho, dentre eles a falta de espaço e de instrumentos musicais com vista a ensinar os petizes.
“A Escola Nacional de Música ajudou-nos disponibilizando uma das suas salas mas, devido à afluência das crianças, tornou-se pequena e não podemos continuar a usá-la. A outra dificuldade é a de transporte. O nosso grupo é na sua maioria composto por crianças que, muitas das vezes, senão sempre, não conseguem chegar a tempo à escola para os ensaios. E quando chove o problema agrava-se”.