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Toma que te dou: Carta não publicada em homenagem a Tsungu Thsoni*

Homenagear Tsungu Thsoni é evocar um tempo. Uma época em que a alma era colocada em primeiro lugar, acima de tudo. Tsungu Thsoni é um personagem. E os personagens estão para além de nós. Estas palavras podem parecer um exagero. Mas só o serão para aqueles que não conhecem esta figura que, mesmo querendo ser discreta, nunca o vai conseguir porque todos a querem cumprimentar. Todos querem ouvir o seu riso franco e brincalhão.

E Tsungi Thsoni vai ser engrandecido por isso, pelo lado de criança que ele transporta. Tsungi Thsoni passou a maior parte da sua vida enterrando mortos. Ele recebeu a missão divina de orientar funerais no cemitério de Inhambane. Foi Deus que ordenou ao filho desta terra, agora vivendo na levitação do Céu. Foi Deus que apôs um coraçãozinho frágil em Tsungu Thsoni, um homem que saberá valorizar a vida dos outros, mais do que a sua própria. E ele cumpriu tudo isso, sem questionar. Sem se importar com o tempo. Sem se preocupar com o que há-de vir amanhã. Pois, para ele, o que conta é a celebração da vida. É o cântico.

E Deus não ficou por aqui. Do Seu castiçal fez descer ainda para Tsungu Thsoni o som das trompetas e as próprias trompetas. A cidade de Inhambane vai dobrar-se perante a banda musical regida por este homem sem fim. Amado na sua terra. Lembrado hoje com carinho. Ou seja, quem não se lembra do instrumento de sopro de Tsungu Thsoni, tocado com todo o sangue de um homem que só queria cantar a vida? Que só queria estar com as pessoas? Que queria fazer coisas para as pessoas? Quem não se lembra de tudo isto? Pois é. Tsungu Thsoni é um homem capaz de transformar o cemitério num lugar de festa. Para ele a morte será sempre uma festa.

A morte é uma partida para a própria vida. E Tsungu Thsoni sabe bem de tudo isso. Por isso fez da sua vida e da vida dos outros uma festa sem fim. Todos os dias para Tsungu Thsoni eram uma festa. Os dias para ele foram feitos para ser celebrados. E nós viemos hoje aqui para homenagearmos um personagem, em celebração à vida. Não viemos chorar. Mas se as lágrimas quiserem descer, deixem-nas descer com amor Há vinte e um anos que ele partiu. Mas está aqui. Aqui neste lugar onde sentimos o seu cheiro impregnando as nossas lembranças.

Será que importa o seu ano de nascimento? Tsungu Thsoni é intemporal, mesmo tendo nascido em 1919. Nasceu aqui, neste chão. Foi parar em Mónguè onde começa a lidar com os instrumentos musicais de sopro que passou a hastear como sua bandeira e do universo – partindo do princípio de que a música pertence ao universo. Desde então nunca mais largou a dádiva que Deus lhe anunciava. Hoje é o momento também de festejar a banda municipal que passou por muitas vicissitudes e que, se não fosse a persistência de alguns dos seus membros, poderia ter desaparecido para sempre.

Depois da Independência, e depois da partida de Tsungu Thsoni, que chegou a tirar o dinheiro do seu bolso para dar mahewu aos companheiros e, desta forma, terem a energia para continuarem a soprar, a banda também parecia ter partido. Mas este homem não queria que o grupo morresse. “Apertava” o pescoço dos seus filhos e dizia: “Façam tudo ao vosso alcance para manterem este legado, que é vosso também”.

Ensaiava com os seus camaradas na sua própria casa. E Tsungu Thsoni adoecia quando a banda não tocasse. Foram momentos difíceis, passando pelo tempo em que a banda foi integrada na Guarda-Fronteira, no tempo do abastecimento, em que as refeições eram confeccionadas com base em farinha de milho e ervilha. O bombo, pelas carências desse tempo, teve que ser feito de pele de boi e, quando chovesse, o bombo não tocava. E isso aconteceu até 1992, quando Tsungu Thsoni partiu. Deixando saudades em inúmeras almas.

* Excerto do discurso de homenagem a Tsungu Thsoni (pai do saxofonista Otis), falecido há 21 anos

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