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Heróis de Simba!

Heróis de Simba!

Escutámos The Heroes, o novo trabalho discográfico do rapper moçambicano, Nelson Ângelo Sitoi (Simba). No entanto, a complexidade musical que a obra possui refreou a nossa intenção comentarista. Por isso, acabámos por conversar com o artista que nos garantiu o seguinte: “Deus deu-nos um talento. Deus zanga-se quando não usamos esse dom”. Na verdade, este álbum é uma manifestação de génios…

The Heroes, trabalho discográfico chancelado pela editora britânica BBE, é um tributo ao conceituado colectivo norte-americano, Tribe Called Quest, que inspirou Simba a seguir a sua carreira artística como rapper. E é a respeito destes jovens que o músico elabora o seu primeiro comentário: “Honra-me bastante esta possibilidade de fazer uma homenagem ao grupo Tribe Called Quest, tendo em conta que os seus membros é que activaram a minha paixão pelo Hip Hop. Vejo este conjunto a partir da televisão já há bastante tempo. Na época existia na televisão moçambicana o programa apresentado por MC Roger, na altura em que se identificava como Rogério Dinis, intitulado Espaço Aberto? em que se exibia uma grande variedade de estilos musicais, incluindo o Rap”.

Can I Quick It? foi a música cujo vídeo – uma vez transmitido na televisão – encantou Simba: “Para mim, esta obra foi muito importante porque nós não tínhamos a facilidade de ver artistas negros na televisão, sobretudo os internacionais. Na altura, os músicos estrangeiros mais promovidos eram Lionel Richie, Phil Collins, entre outros”.

De todos os modos, “quando se introduz na camada jovem moçambicana o que se escutava nos Estados Unidos da América, em termos musicais, o Hip Hop em particular, aparece o grupo Tribe Called Quest que me chama à atenção por causa da sua forma de vestir”. Além do mais, nessa altura, “nós, os jovens moçambicanos, não tínhamos muita informação porque éramos desprovidos de fontes alternativas. Dependíamos muito dos programas da televisão pública”. Mas o que atraiu – na verdade – o interesse de Simba por esta colectividade, olhando para a sua manifestação artística e a sua repercussão na periferia norte-americana, incluindo Moçambique?

Simba diz que os Tribe Called Quest aparecem como jovens, norte-americanos, que se identificavam com África. Eles queriam ser africanos. Em contra-senso, nessa altura, “nós queríamos ser tudo o que víamos na televisão – americanos e/ou brasileiros. Chamaram muito a minha atenção porque se apresentavam com uma roupa constituída por uma camisa e calças feitas a partir da capulana, incluindo colares com o mapa de África”. Muito importante ainda, “tinham uma maneira interessante de abordar os seus temas porque não usavam palavrões, nem colocam a mulher em posição de vulnerabilidade nos seus vídeos”.

Á luz do que Simba afirma, a actividade artística eiva-se de uma grande força, com o poder de transformar mentes ao mesmo tempo que forma a personalidade de um ser humano. Naquela altura, “apesar de as pessoas pensarem que nasci num berço de ouro, eu não era uma criança privilegiada, muito em particular porque, a partir das calças do meu pai, a minha a minha mãe produzia as minhas e as dos meus irmãos. Eu não tinha muitas das coisas que os meus primos possuíam: roupas bonitas a as sapatilhas que todos queríamos ter. Portanto, a partir dos Tribe Called Quest, percebi que podia estar bem vestido sem me apresentar como os meus primos se vestiam”.

Celebração étnica e linguística

Tendo em conta a multiplicidade das línguas empregues nas músicas – português, inglês, macua, swati, xironga e xichangana – The Heroes acaba por ser também um espaço em que se faz a celebração da diversidade étnica e linguística. A par disso, questionámos ao artista sobre o que encontra nesses idiomas que o inspira.

“A verdade é que – diz Simba – embora eu seja um poeta lírico, acho que a música é baseada na emoção e não na lírica, porque nós, quando pequenos, começamos a gostar de música não, necessariamente, porque entendemos o seu conteúdo. Por exemplo, a nossa mãe canta para que possamos dormir, ou para nos acalmar da apreensão que nos faz chorar e, muitas vezes, escutamos o que a mãe diz, no entanto, não percebemos”.

Por isso, “a música é mais baseada no feeli¬ng e não nas palavras que se dizem. Acho que isso também explica a razão de eu gostar de muita música moçambicana, mesmo sem perceber o que o artista diz na sua língua. Por exemplo, aprecio os Massuku, a Zena Bakar, o Stewart Sukuma, não obstante o facto de eles cantarem em idiomas que não conheço”.

No disco há músicas cantadas na língua macua que, “apesar de não ser minha, é a mais bonita de Moçambique e que expressa a beleza das muthiana orera. Depois temos o xironga, a língua da minha mãe, o xichangana, a língua do meu pai. Depois temos o português e o inglês, na maioria das músicas, e o swati, porque no princípio que eu queria utilizar uma língua popular africana que não fosse o swahili, mas, ao mesmo tempo, parecida com o tlhoza”.

Uma ideia sobre os heróis

De acordo com Simba, relativamente à ideia da heroicidade que se discute, “estamos a dizer que todos aqueles que, musicalmente, nos influenciaram tendo contribuído para que se produzisse este álbum são heróis. Mas, na perspectiva de Thobile, intérprete swazi que participa no disco, heróis são todos os cidadãos que – diariamente – trabalham para sustentar as suas famílias”. E é a par do mesmo conceito que se exaltam os Tribe Called Quest, afinal “criámos este projecto sob o ponto de vista dos admiradores. Achámos que o que deveria estar a tocar nas Rádio era algo similar ao que fizemos”.

Além do mais, particularmente, “tenho a mania de dizer que faço os vídeos que quero ver na televisão – o mesmo se aplica nas músicas. Ao produzir este álbum queríamos resgatar algo que falta no Hip Hop, porque a Tribe Called Quest já não existe. Os seus membros separaram-se por volta de 1990. Portanto, com este álbum, estamos a dizer que eles são tão grandes de tal sorte que conseguiram tocar corações em África. Por isso, deviam resolver os seus problemas a fim de que possam voltar a fazer o que fez com que nós nos apaixonássemos pela sua música”.

Um tributo diferente

The Heroes, enquanto uma obra em tributo aos Tribe Called Quest, é uma homenagem diferente: normalmente, trabalhos similares a estes implicam a existência de artistas que cantam as músicas do homenageado, produzindo o que se chama Cover.

“Esta é uma homenagem à moda moçambicana, porque fizemos algo totalmente distinto: produzimos novos coros e composições. Novas maneiras de abordar a música. Melhorámos algumas melodias que também foram africanizadas. Por isso dizemos que se está diante de um tributo a todos aqueles que contribuíram para que nós nos tornássemos músicos, porque algumas experiências da época em que o Milton Gulli cresceu a escutar a Bossa Nova, bem como as que dizem respeito à minha vivência em relação às trilhas sonoras de algumas novelas brasileiras, também são reflectidas neste disco”.

Diz Simba que “o amor que tenho pela música moçambicana incluindo as suas línguas, aparece reflectido neste disco. Eu acho que isso faz com que o álbum seja único e interessante”.

O rapper Simba afirma que faz a música que gostaria de ouvir na rádio. Trata-se de uma ideia que nos induz a perguntar-lhe se está feliz com as músicas – dos outros artistas – que se transmitem nesse mesmo meio no país: “Estou feliz mas também sinto que há muitos artistas moçambicanos que têm um grande potencial para fazerem trabalhos bonitos e que, por isso, não se deviam limitar ao mercado nacional. Deus deu-nos um talento. Deus zanga-se quando não usamos esse dom”. E não lhe falta argumentos: “Eu gosto muito de ouvir a Gabriela a cantar, mas acho que ela tem potencial para estar noutro nível. Ela não devia limitar-se unicamente ao espaço nacional. Esta intérprete é um exemplo, mas existem muitos outros”.

Simba, rapper de 34 anos de idade, é um artista com uma experiência de internacionalização da qual vale a pena aprender algo: “Quanto mais ganhamos a consciência de que a nossa música não é feita apenas para os nossos amigos, vizinhos e o nosso país, percebemos que há muito mais gente exigente que nos acompanha. Essa consciência apela-nos a melhorar a nossa produção e a actuação. Recordo-me de uma vez que fui a MTV, a fim de deixar o meu vídeo. A primeira coisa que notei é que eles não vêm o vídeo. Desligam o ecrã e ouvem a música. A partir disso, apuram se a composição possui uma palavra que não devia ser proferida e se a musicalidade é aceitável”.

Por outro lado, “recordo-me de que o DJ Marcel teria submetido – à estação televisiva MTV – vídeos por si produzidos que foram reprovados porque as músicas não haviam sido bem masterizadas. E os grandes canais de televisão são muito exigentes, de tal sorte que só transmitem as músicas que têm um determinado padrão de qualidade. O mesmo acontece nas rádios: os artistas entregam as suas músicas na esperança de que elas sejam tocadas – o que, não acontecendo, acabam por pensar que a obra foi rejeitada porque os locutores não foram subornados, o que não é verdade”. Com 11 faixas musicais, The Heroes é um álbum que resulta de uma parceria inteligente entre o rapper moçambicano, Nelson Ângelo Sitoi (Simba) e o seu confrade português, Milton Gulli.

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