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“Guerra” pelas terras agrícolas na costa do sol

Num caso que promete gerar muita polémica, dois grupos de agricultores disputam o controlo de 37 hectares de terra, no bairro da Costa do Sol, arredores da cidade de Maputo. O litígio envolve duas facções da Associação dos Produtores Agrícolas de Maguiguane (APAM), uma agremiação que, estranhamente, possui dois presidentes e igual número de secretários.

A AIM visitou, na sexta-feira, as “duas associações”, tendo dialogado com os seus dirigentes e associados que trocam graves acusações entre si, considerando uma a outra parte de “bandidos”, “traidores”, “mentirosos” e “vândalos”. A AIM conheceu a APAM em 2010, quando esta agremiação era dirigida por Joaquim Tinga Muando (presidente) e Albino Nuvunga (secretário). Na altura, a APAM queixava-se do problema da salinidade dos solos naquela zona, situação que obrigou os agricultores a trocar de actividade naquela zona e procurar novas áreas em Gaza para prosseguir com a actividade agrícola.

Na altura, Albino Nuvunga disse que a maioria dos 37 hectares de terra controlada pela APAM estava afectada pela intrusão salina, sendo ainda possível praticar agricultura numa área de apenas três hectares e, mesmo assim, em condições não muito rentáveis. Esta semana, a AIM conheceu um outro grupo de agricultores que reivindicam serem os representantes legais da APAM e refutam a gravidade da intrusão salina naquela zona, afirmando que esse problema afecta apenas uma pequena área dos 37 hectares.

A APAM dirigida por Pinto Bernardo (presidente) e Salvador Balate (secretário) diz que apenas uma pequena parte dos 37 hectares está afectada pela intrusão salina, mas a maioria desta área ainda tem um elevado potencial agrícola, facto testemunhado pela presença de agricultores desenvolvendo a suas actividades naquele local.

Troca de acusações

A existência de dois grupos reivindicando a titularidade da APAM é uma indicação de que esta organização de agricultores está mergulhada numa crise. Aliás, cada uma das facções possui os seus próprios dirigentes, “associados”, estatutos e carimbos, e ambas reivindicam o controlo da mesma área de 37 hectares, onde ainda se pratica agricultura numa parte, enquanto que noutra observa-se a construção de casas luxuosas.

Aparentemente, a crise é já antiga, mas só agora está a tomar dimensões preocupantes e tudo indica que o caso poderá terminar em processos judiciais, ou mesmo cenas de pugilato. O secretário da APAM, Salvador Balate, que se encontrava com um grupo de cerca de 30 agricultores, acusa o secretário Albino Nuvunga de traição, uma vez que alega a salinidade dos solos como pretexto para vender a terra dos agricultores em benefício de um pequeno grupo de pessoas.

“De facto, existe uma zona salubre, mas a maioria não está afectada e as pessoas estão a praticar a agricultura”, disse Balate, acrescentando que “por isso, nós aceitamos que se pratique a pecuária na zona salubre ou a implantação de projectos de desenvolvimento comercial que possam ajudar no sustento dos nossos filhos, mas essas coisas de condomínios de que estão a falar, não vai beneficiar ninguém”.

Balate acusa o elenco de Nuvunga de ter violado os estatutos da APAM e uma deliberação do Município de Maputo que estabelece o desenvolvimento da agricultura na zona ainda fértil da área dos 37 hectares e a pecuária na parte afectada pela intrusão salina. “Eles estão a aterrorizar a associação. Estão a mentir dizendo que os associados da APAM estão a praticar agricultura em Dzonguene, distrito de Xai-Xai. Eu só oiço dizer isso. Isso é mentira, ninguém está a abandonar as suas terras”, disse ele.

Igualmente, Balate acusa o outro secretário da APAM de não respeitar os estatutos por, alegadamente, ter usado as terras da associação para o benefício próprio e pelo facto de negar sair do poder, mesmo depois de ter sido suspenso do cargo. Balate reivindica ser o novo secretário da organização, com Pinto Bernardo assumindo as funções de presidente. Contudo, Nuvunga e Joaquim Tinga Muando recusam-se a abandonar os cargos de secretário e presidente, respectivamente. “Até agora, os estatutos e o carimbo estão com Nuvunga, mas para não pararmos com a associação, nós acabamos produzindo um novo carimbo”, disse Balate, quando questionado pela AIM sobre o paradeiro dos símbolos da agremiação.

Por seu turno, Albino Nuvunga, que na altura da visita da AIM se encontrava com um grupo de cerca de 70 agricultores, desvaloriza todas as acusações de Balate e seus companheiros a quem considera de “um grupo de marginais”. “Aqueles são bandidos, enquanto nós somos unidos, como podem ver”, disse Nuvunga, acrescentando que Balate nem sequer tem machamba, sabendo-se apenas da sua esposa que é camponesa e, por sinal, já recebeu a sua recompensa pela cedência da sua machamba a um projecto de construção.

Nuvunga nega que haja talhões a venda e reitera que o projecto da APAM consiste na prática da agricultura numa área de 100 hectares identificados em Dzonguene, província de Gaza, e desenvolvimento de projectos de rendimento naquela zona da Costa do Sol. Um dos projectos, actualmente na fase de implementação, é a montagem de um centro para o processamento de vegetais e outros produtos a serem trazidos de Dzonguene.

Outro projecto consiste na cedência de espaços para a construção de condomínios, na condição de a APAM beneficiar de apartamentos para garantir a sua rentabilidade e a atribuição de pensões aos seus associados. “Os nossos projectos continuam em pé. Em Dzonguene já fizemos as parcelas em porções que cada associado pode conseguir administrar. Este ano vai começar a lavoura. Aqui, as obras do centro de processamento de vegetais estão em curso e também está a decorrer a implantação de casas para a reforma dos nossos associados”, disse Nuvunga.

Ele e seus companheiros acusam Salvador Balate e Pinto Bernardo de ambição de poder, numa organização que já tem o seu presidente e secretário. “A intenção deles é vandalizar as acções da associação. Outro dia, eles queriam queimar a viatura da associação… aqueles são bandidos. Não existe nenhuma outra associação. Esta é a associação proprietária dos 37 hectares”, disse Nuvunga, acrescentando que “os documentos que eles têm são falsos, vai lá procurar ver, vais notar que tem assinaturas forjadas”.

Fim da agricultura?

Enquanto as duas facções da APM se digladiam, nota-se o desaparecimento, cada vez mais rápido, da agricultura na zona da Costa do Sol, uma das poucas áreas verdes onde ainda se pratica essa actividade na cidade de Maputo. Dados do Conselho Municipal da Cidade de Maputo (CMCM) indicam que a capital moçambicana conta com cerca de 15 mil camponeses que dependem da agricultura para a sua sobrevivência.

Apesar de ser uma área salubre e com sérios problemas ambientais, a Costa do Sol é um dos bairros de Maputo que tem vindo a registar uma forte concorrência pelas terras nos últimos anos, impulsionado pelo grande crescimento na construção de residências e mansões luxuosas. Muitas vezes, é praticamente impossível evitar a troca das machambas pelas pedras de construção devido a venda ilegal de terra, problema agravado pela super valorização do valor económico deste recurso, pelo qual algumas pessoas pagam somas exorbitantes a troco de um pedaço de terra.

“Neste lugar tiraram milho ainda a florir para construir esta casa”, disse Pinto Bernardo, um dos “presidentes” da APAM, apontando para uma luxuosa mansão ainda em construção a escassos metros de machambas onde também existem diversos marcos de redimensionamento de talhões. “Alguns agricultores saíram daqui a troco de um saco de arroz, e outros a troco de nada. Dizem que o Conselho Municipal é quem autorizou o uso de parte da área da associação”, acrescentou Pinto.

Na verdade, o CMCM já autorizou a mudança de actividade naquela zona de uso agrícola para uso habitacional, segundo confirma o documento da Direcção de Serviços Municipais de Planeamento Urbano e Ambiente apresentado a AIM pelo secretário Albino Nuvunga. Esta decisão resulta da aprovação de uma resolução nesse sentido pela Assembleia Municipal de Maputo que ostenta o número 22/AM/10 de 23 de Junho.

Contudo, o documento, datado de 17 de Março corrente e que se refere a parcela número 660E/559, não apresenta detalhes relacionados com as dimensões do talhão e o local preciso do bairro da Costa do Sol onde se encontra a referida parcela. Eventualmente, este será o fim da crise na APAM que por sinal tem implicações não só na vida das duas partes em confronto, mas também na de todos os que dependem da agricultura na cidade de Maputo.

Portanto, esta decisão municipal representa mais um revés para agricultura urbana na cidade de Maputo, abalando uma actividade que, apesar de constituir base de sobrevivência e sustento de muitas pessoas, ainda carece de um programa e compromisso claros para o seu desenvolvimento.

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