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Governo “recusa-se” a legalizar associação das minorias sexuais

A Associação para a Defesa das Minorias Sexuais, Lambda, aguarda, desde 2008, por uma resposta a um pedido submetido à Conservatória dos Registos das Entidades Legais, em Maputo. Neste momento, o expediente jaz no Ministério da Justiça e este, num flagrante acto que viola a legislação em vigor no país, recusa-se, sem nenhum argumento plausível, a conceder o registo.

A Lambda diz ter já recorrido a todas as instâncias legais para exigir a reposição do direito que lhe está a ser amputado, mas as respostas têm sido invariavelmente iguais, consubstanciadas no silêncio. No Ministério da Justiça ninguém se predispõe a falar oficialmente do assunto, mas, pelos corredores do edifício, os funcionários comentam, em surdina, que esse expediente já foi arquivado, mesmo sem o conhecimento da parte interessada.

Tudo iniciou em 2007

Em 2007, um grupo de cidadãos decidiu juntar-se para criar a Associação Lambda (AL) com o objectivo de defender os interesses das minorias sexuais, grupo social que engloba homossexuais, lésbicas, bissexuais, transsexuais, entre outros. A agremiação tem em vista a defesa e promoção dos direitos e interesses dos seus associados, bem como a garantia dos direitos humanos e sexuais dos cidadãos, especialmente os relativos à orientação sexual e identidade de género.

Com efeito, após a sua criação, como forma de estar em conformidade com a lei, submeteu à Conservatória dos Registos das Entidades Legais, em Maputo, um pedido de registo da recém- formada agremiação. Na ocasião, ficou a promessa de que resposta seria dada dentro de 15 dias. Efectivamente, depois do referido prazo, o seu pedido mereceu uma refutação.

O conservador em serviço, embora os seus colegas juristas se mostrassem a favor da legalização, negou-se a conceder o registo, argumentando verbalmente, num encontro que veio a ter com o representante da AL, nos seguintes termos: “Não estou certo da legalidade da associação tendo em atenção o artigo 1 da Lei 8/91 de 18 de Julho que regula o direito à livre associação”.

O referido articulado reza que “poderão constituir-se associações de natureza não lucrativa cujo fim esteja conforme os princípios constitucionais em que assenta a ordem moral, económica e social do país e não ofendam direitos de terceiros ou do bem público”. Na óptica daquele funcionário, a Lambda é uma entidade cujo objecto tem um “carácter imoral”. Diante desse impasse, entendeu-se remeter os estatutos da agremiação a uma instância superior, no caso, o Ministério da Justiça, que tutela a área de registos, por forma a obter-se o devido parecer.

Nessa altura, abriu-se uma nova página na história desse processo que até o presente não conheceu desfecho. A Lambda manteve igualmente reuniões com a então ministra da Justiça, Esperança Machavela, na tentativa de perceber desta as reais razões por detrás da “recusa” em registar-se a associação.

A resposta dada foi que ainda se estava a “estudar o caso”. Segundo relata o director para a área de pesquisa, formação e direitos humanos na Lambda, Dário de Sousa, a ministra chegou a propor que se alterasse alguns artigos nos estatutos da agremiação.

O pedido foi aceite, mas não na totalidade, pois embora tenha alterado algumas disposições, foi mantido inalterado o ponto que constitui o “nó de estrangulamento” entre as partes, que é o objecto da associação. Perante essa situação, a governante, mesmo sem se justificar, não chegou a conceder aos visados o direito a registo.

Após a exoneração de Esperança Machavele, o processo passou para a actual ministra, Benvida Levi, com quem a AL também já conferenciou algumas veze, mas ninguém do Governo, até hoje, apareceu a esclarecer as causas desta recusa.

Levi, pronunciando-se em público sobre o assunto, alegou, citada pela Rádio França Internacional, “questões culturais e religiosas” para manter refém da sua decisão a Associação Moçambicana para a Defesa das Minorias Sexuais, que aguarda sem notícias a sua legalização.

Comissão de Petições não intervém

Ainda na tentativa de ver repostos os seus direitos violados, a Lambda recorreu à Comissão de Petições da Assembleia da República (AR), em 2012, em que submeteu uma petição no sentido de esta intervir no caso.

Após a apreciação do documento, que segundo Sousa, estava claro, a AR, através da Comissão de Petições chamou a associação para uma audição na qual informou que não era da sua competência dirimir o assunto e que não havia entendido a razão da “discórdia” entre o Governo e a Associação. Na altura, a AR prometeu submeter o processo ao Provedor da Justiça, uma vez tratar-se de uma questão administrativa.

No entanto, contactado o Gabinete do Provedor, este garante não ter recebido da parte do Parlamento o expediente da Lambda. “A Assembleia da República não enviou esse ofício para este Gabinete. Nós temos conhecimento deste caso porque o advogado da Lambda nos enviou, mas apenas para conhecimento”, disse um funcionário do Gabinete do Provedor da Justiça.

Assim, esta instituição não pode ainda intervir, esclareceu um colega deste. Outra entidade a que a Lambda recorreu foi a Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), logo que esta foi fundada, em 2012. A CNDH, estranhamente, não respondeu ao pedido de intervenção.

Nenhuma lei impede o registo da Lambda

Juristas ouvidos pelo @Verdade garantem que não existe, em termos legais, nenhum argumento que justifique a recusa do Governo em legalizar aquele associação. Aliás, isso explica a razão de não haver uma recusa oficial.

O jurista e presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, Leopoldo Amaral, disse ao @Verdade que a postura do Governo em relação em esse caso viola alguns dispositivos legais em vigor no país.

“Não vejo nenhum argumento para que o Ministério se recuse a registar a Lambda. Nós também estranhamos essa posição. Não existe uma lei, tanto na Constituição assim como noutra lei, um dispositivo para se recusar o registo. Até porque a Lei do Trabalho já previne a descriminação sexual”, apontou Leopoldo Amaral.

Ministério não se pronuncia

No Ministério da Justiça, em que foi submetido, em 2008, o recurso sobre o processo de registo da Lambda, ninguém se predispõe a falar do assunto. Pelos corredores daquele edifício, alguns funcionários comentam, em surdina, que esse expediente foi arquivado sem resposta.

O Departamento Jurídico, responsável por tramitar essa matéria, também escusa-se a fornecer informações sobre o assunto. Uma das funcionárias responsáveis por esse sector disse desconhecer a matéria por a mesma ter dado entrada numa altura em que ela não trabalhava no Ministério. Ainda segundo a nossa citada, o director do Gabinete, a quem cabe responder sobre o processo de registo da Lambda, não mostra interesse em fazê-lo.

Governo está a violar a lei

A postura do Governo em relação e esta matéria fere algumas leis em vigor.O facto de o Governo não estar a dar nenhuma resposta à Lambda há mais de oito anos viola o artigo 10 (Princípio da decisão) do decreto que estabelece as Normas de Funcionamento da Administração Pública que no seu ponto número um determina que “Os órgãos da Administração Pública devem decidir sobre todos os actos que lhes sejam apresentados pelos particulares”.Na mesma lei, o artigo 11 sobre o Princípio da Celeridade do Procedimento Administrativo prevê que “O procedimento administrativo deve ser célere, de modo a assegurar a economia e a eficácia das decisões”.

A lei obriga ainda a que as decisões tomadas pelas entidades da administração pública sejam fundamentadas. Segundo o artigo 12 – Princípio da Fundamentação dos Actos Administrativos -, “A Administração Pública deve fundamentar os seus actos administrativos que impliquem designadamente o indeferimento do pedido ou a revogação, alteração ou suspensão de outros actos administrativos.

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