O problema de violação de direitos humanos por empresas que actuam em Moçambique, principalmente na área mineira, tem sido constantemente denunciado pelas organizações não-governamentais (ONG) existentes no país. O Governo, através da ministra da Justiça, Maria Benvida Levi, veio a público, mais uma vez, reconhecer a existência dessa contenda, mas ainda não tem soluções urgentes à vista.
Um estudo recente realizado pela Liga dos Direitos Humanos (LDH), por encomenda do próprio Governo que pretendia aferir o nível de violação que ocorre nas empresas, demonstrou o que já se sabia: a grave violação dos direitos humanos. Segundo explicou a presidente da Liga, Alice Mabota, na apresentação do relatório, a violação daqueles direitos ocorre em “todas as vertentes”, sendo que em algumas áreas há mais evidências que noutras.
Para elucidar sobre a situação no sector extractivo, Mabota trouxe à luz um exemplo que constitui uma frequente reclamação dos trabalhadores das empresas de exploração mineira no país: o tratamento desigual. “Quando olhamos para as grandes empresas, há pessoas que se queixam, pois, tendo a mesma qualificação, uns têm melhores condições do que outros, por serem de raças diferentes,” afirmou.
No sector da mineração, prossegue, há graves problemas de reassentamentos, segurança dos trabalhadores, entre outros. Na verdade, a “promessa” de um crescimento económico notável, resultante da descoberta de importantes recursos naturais no país e que fazem com que Moçambique mereça destaque a nível mundial, tem servido de véu que esconde uma realidade triste, designadamente o aumento das violações aos direitos humanos e laborais. Relativamente ao estudo apresentado pela LDH, a ministra da Justiça reconhece que há empresas que violam os direitos humanos no país.
“A constatação do consultor é a de que temos empresas, negócios no país, que, em alguns casos, violam os direitos humanos,” disse Levi para em seguida afirmar, em jeito de apelo, que “é importante conciliar o respeito pelos direitos humanos e os investimentos que estão a ser feitos em Moçambique”. As mensagens do Governo sobre essa matéria têm sido no sentido de “não se admitir que as empresas operem para capitalizar lucros pondo em causa os Direitos Humanos mais elementares”.
O vice-ministro da Justiça, Alberto Nkutumula, em Setembro de 2013, ou seja, há cerca de um ano, defendeu que os lucros e a exploração de actividades económicas não devem prejudicar os cidadãos e que os trabalhadores não devem ser discriminados por causa de sua raça ou procedência. No entanto, esse discurso ainda não se reflecte no dia-a-dia dos trabalhadores.
O sector dos recursos minerais mereceu maior atenção na realização do estudo sobre o qual a titular da pasta da Justiça disse: “Nesta área, como se sabe, para se fazer um investimento, é preciso movimentar as populações, envolvendo também outros recursos humanos mais qualificados; portanto, todas estas questões e outras podem ir contra os Direitos Humanos das pessoas que lá estão”, disse, referindo-se a uma das questões centrais nos grandes investimentos que envolvem o reassentamento dos afectados.
Sabe-se, contudo, que com a realização deste estudo, a expectativa é que, em 2015, seja criada uma legislação específica para as actividades dos megaprojetos agrícolas, minerais e industriais em Moçambique. Por sua vez, a representante da Diakonia, uma organização da sociedade civil, Iraé Lundim, afirmou que os negócios e os direitos humanos tornaram-se num problema para os Estados e para o mundo e não devem ser ignorados.
“No âmbito da iniciativa das Nações Unidas, as empresas comerciais devem contribuir para a realização dos direitos humanos, incluindo o acesso ao trabalho digno para a obtenção de melhores padrões de vida. Importa aqui salientar que as actividades de negócios podem ocasionar impactos negativos sobre os direitos humanos”.
MITRAB fomenta conflitos laborais
No entanto, outro sector no qual a violação de direitos humanos é apontada como preocupante é o da construção. Os constantes conflitos laborais que ocorrem nas diversas empresas do sector da construção civil nacional resultam da acção parcial da equipa da inspecção do Ministério do Trabalho (MITRAB), que protege a classe trabalhadora de forma exagerada, visto que apenas prioriza as violações do patronato em detrimento do empregado.
Esta posição foi defendida pelo presidente da Federação Moçambicana de Empreiteiros (FME), Agostinho Vuma, em resposta ao relatório em referência. O documento aponta como causas que propiciam o conflito laboral o incumprimento da lei de trabalho, com enfoque para a falta de condições de trabalho e de equipamentos de segurança, encargos sociais e salários em atraso, entre outras formas de desrespeito pelos direitos básicos dos trabalhadores.
O empresário disse que outro aspecto que pode estar por detrás da ocorrência de conflitos laborais é a contratação de mão-de-obra não profissionalizada por causa da natureza da actividade, e o crescimento do sector que criou mais oportunidades para as empresas nacionais, como resultado da entrada massiva do investimento estrangeiro.
O incremento de investimentos estrangeiros, na óptica de Vuma, apresenta desafios para o sector, caso das empresas chinesas e europeias que trazem consigo uma cultura de trabalho diferente da nossa, que se preocupa apenas com a produção e não com a criação de condições adequadas no meio laboral.
“O MITRAB não deve preocupar-se apenas em encontrar irregularidades do lado do empregador, ou seja, apenas proteger o trabalhador mesmo quando este viola de forma sistemática a lei do trabalho, quer por incumprimento da sua tarefa, quer por exigências descabidas de algum cunho legal”, acrescentou.
Este organismo, segundo o presidente do FME, tornou-se um centro de queixas da classe trabalhadora, porque a acção fiscalizadora deve centrar-se nos dois lados, ou seja, o empregado e o empregador, mas tal não está a acontecer porque a inspecção preocupa-se apenas em detectar problemas, impor sanções às empresas e vezes sem conta tirar dividendos financeiros.
“Temos que nos preocupar com a produtividade dos trabalhadores e não cingir- -nos apenas na actuação do empregador, mas também deixar recados sobre a responsabilidade do trabalhador na obra, para não fomentar a promiscuidade laboral e sim a cultura de trabalho”, realçou Vuma.
Governo deve garantir igualdade entre nacionais e estrangeiros
Na visão de Vuma é necessário que o Governo deixe de discriminar as empresas de construção e aposte em critérios igualitários entre nacionais e estrangeiros, bem como na criação de uma indústria associativa forte, por via do fortalecimento de parcerias. A não observância por parte dos governantes da legislação tem contribuído para o incremento de casos de exclusão e discriminação das empresas nacionais nos empreendimentos de grande envergadura.
“Para inverter este cenário é necessário que o decreto 15/2010, de 24 de Maio, seja revisto para se assegurar que mais empresas nacionais participem em obras de grande dimensão e remover- -se assim a grande carga burocrática que ainda persiste e penaliza o sector privado, que fomenta a concorrência desleal”, explicou Vuma.
“A criação de um órgão regulador da construção envolvendo os sectores público e privado para avaliar os elementos perniciosos, conceder alvarás, criar um banco de dados e monitorar a actividade é crucial para acabar com a desvalorização e discriminação do sector privado, para além de que a formação deve constar em todos os sectores estruturantes da economia nacional, introduzindo currículos nas universidades sobre o funcionamento da actividade nas componentes da legislação, administração e do funcionamento do sector”, concluiu Vuma.
De referir que o relatório foi produzido pela Liga Moçambicana dos Direitos Humanos (LDH) em parceria com o Ministério da Justiça, e assenta em três pilares, nomeadamente o dever do Estado de proteger os direitos humanos; a responsabilidade das empresas no respeito dos direitos humanos; e os mecanismos de acesso à reparação dos danos causados pela violação desses direitos por parte das empresas.