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Gospel jaz na insensibilidade dos mecenas

Gospel jaz na insensibilidade dos mecenas

Em Nampula, os católicos têm atribuído a autoria da música Gospel – por, supostamente, contradizer a fé professada por aquela religião – aos protestantes. No entanto, o católico Felizardo Daniel esforça-se a fim de torná-lo mais acessível a todas as religiões. É nisso que investe o seu tempo e energia. Falta-lhe, porém, o apoio dos mecenas.

Felizardo Daniel, de 26 anos, pai de dois filhos, natural da Vila Municipal de Monapo, distrito com o mesmo nome, província de Nampula, actualmente desempregado, é maestro há mais de 10 anos. Já formou dezenas de discípulos, com destaque para os crentes da Igreja Católica. O trabalho que desenvolve tem um valor sublime na construção social do país. O drama é que o mesmo não é reconhecido pelos mecenas culturais. É que, de acordo com o maestro, “faltam pessoas de boa-fé para apoiar o desenvolvimento da música Gospel”.

Ao longo da sua carreira, Felizardo Daniel já gravou 10 trabalhos discográficos dedicados especialmente a eventos festivos como, por exemplo, casamentos, baptismos e graduações. Além do mais, nessa vida de maestro, Felizardo conquistou uma série de prémios em certames da especialidade, onde participaram grupos corais de igrejas protestantes, sendo que a única colectividade católica presente era a liderada por si.

Quando, em 1994, os seus pais abandonaram o bairro suburbano de Monapo a fim de passarem a viver no centro da cidade de Nampula, Felizardo passou a sonhar com a possibilidade de se tornar um grande engenheiro. No entanto, a sua saída da terra natal fê-lo mudar completamento de ideia, de tal sorte que a ideia de ser construtor civil desapareceu lentamente.

Felizardo Daniel professa o catolicismo desde os seus sete anos. A partir dessa época teve o privilégio de participar no Grupo Coral da Paróquia de São Pedro como simples membro e um dos mais dedicados aos ensaios. O seu acentuado empenho garantiu-lhe uma evolução rápida que moveu os missionários da Igreja Católica a levá-lo a uma formação de especialidade como forma de investir na sua carreira.

Depois de alguns meses, o grupo coral de que era membro foi convidado a actuar numa Igreja Protestante, onde apreciou a forma como os intérpretes preparavam as suas vozes. Em parte, foi por isso que Felizardo investiu na sua carreira como maestro, para além do facto de os missionários o terem levado a Malawi onde participou numa formação intensiva sobre a música Gospel.

Quando regressou a Moçambique, Felizardo foi nomeado maestro do grupo coral que o viu nascer, ainda na infância. “Nunca pensei que um dia me tornaria maestro, mas a ironia do destino fez com que eu acreditasse naquilo que fazia para evoluir. Passar a formar coristas daquele grupo onde ensaiava como um simples membro foi um desafio que consegui encarar com muitas dificuldades porque acabava de ser formado”, refere.

Entretanto, apesar de possuir uma capacitação de especialidade, realizada em Malawi, Felizardo sentia que ainda era preciso que se fizesse algo para que ele se tornasse num bom formador. Confrontou-se com um novo desafio na altura em que à luz de um arranjo – para intercambiar experiências – visitou a Igreja Presbiteriana, na qual solicitou ao maestro Elias Gabriel que lhe ensinasse aspectos peculiares das melodias. Essa foi uma experiência inolvidável para o maestro recém-formado.

“Depois desse encontro, a minha vida tornou-se mais fácil e os meus discípulos mostravam-se bem capacitados na arena do Gospel, onde gravámos dois álbuns bem-sucedidos no mercado, o que contribuiu significativamente para a evolução da nossa colectividade”, diz Felizardo reconhecendo o papel de Elias Gabriel na consolidação da sua carreira. Entretanto, mais pessoas interessavam-se pelas actividades desenvolvidas pela referida colectividade, muito em particular no que diz respeito à necessidade de aprenderem a música Gospel.

Foi nesse sentido que Felizardo Daniel fundou uma espécie de ‘escola de formação’ em ritmos relacionados com aquele género musical, sem fins lucrativos. As pessoas – muitas das quais crianças e adolescentes – acorriam em massa ao centro. O problema é que, muito cedo, o mesmo se debateu com o problema de espaço adequado para o efeito, incluindo a falta de instrumentos musicais. É isso o que retarda a materialização dos grandes planos de Felizardo. “A minha vida tomou um novo rumo. A música Gospel penetrou nas minhas veias e não posso realizar qualquer actividade sem o ritmo protestante – como os católicos o chamam – devido aos hábitos e características típicas daquele género musical que deixam as pessoas animadas”, explica Daniel.

As pessoas formadas pelo maestro Felizardo Daniel têm sido alvo de elogios por parte do público. Alfício Paulino, um dos seus discípulos, bem-sucedido, ultimamente exerce a função de maestro num grupo coral fundado no bairro de Mutauanha. Actualmente trabalham juntos na capacitação de outros coristas, tendo formado outra colectividade de jovens católicos. Muito recentemente, Felizardo Daniel participou noutra formação de maestros em Malawi juntamente com outros confrades das igrejas protestantes para a consolidação e actualização dos conhecimentos relacionados com a música Gospel.

Maestro pela eternidade

Felizardo Daniel tem um forte vínculo com a música Gospel. “Não posso viver sem o Gospel porque já está inserido na minha vida e, embora seja cansativa, não pretendo abandonar esta vocação. Apesar de não possuir um emprego que complemente esta actividade, penso que vou superar a crise em que me encontro”, afirma. Dentre as dificuldades por ele enfrentadas, a construção de uma escola de formação de coristas constitui uma das prioridades na sua carreira profissional, sendo que a falta de financiamento para esse projecto é o que retarda a sua materialização.

“Se estivesse numa cidade onde existe motivação por parte do público ou ainda pelo governo, eu não estaria a experimentar as dificuldades que ultimamente tenho vivido – a falta de emprego e financiamento para a abertura de um centro de formação, onde pessoas interessadas poderiam ingressar a frequentar os cursos. O problema é que na não há incentivo nesse sentido”, lamenta Felizardo que passa a maior parte do seu tempo instruindo coristas.

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