A taxa de lixo vai conhecer um incremento de trinta por cento, medida recentemente anunciada pelo Município de Maputo, numa medida que, de acordo com a justificação adiantada, tem em vista o melhoramento dos serviços. Mas, bem vistas as coisas, o problema do lixo não tem como causa fundamental a falta de meios materiais. Trata-se de uma questão cultural, a que se acrescenta a própria qualidade do lixo que produzimos.
Quando nos acercarmos de qualquer contentor para depósito de lixo na nossa cidade, o mais certo é identificar o local mais pelos detritos acumulados naquele espaço do que pela utilidade do objecto onde o lixo deve ser deixado. As coisas estão ordenadas de modo que, a jeito de convenção, surgam espaços onde a desordem parece autorizada. A tendência das pessoas é transformar estes locais em verdadeiras lixeiras.
Tem sido assim que podemos estabelecer uma geografia dos maus cheiros da cidade de Maputo, que,
estranhamente, tem relação com aqueles lugares em que é mais exigível a higiene para protecção da saúde pública. Quando entramos na cidade de Maputo o acolhimento fétido começa no Benfica, à beira da estrada, exactamente a Avenida de Moçambique. Aqui estamos perante uma falta de higiene que não apenas a dos lugares muito frequentados, mas a de lugares onde a cultura de conservar o espaço comum
não existe.
Podemos esquecer toda uma caminhada de falta de limpeza ou de sujeira de gente desleixada, durante um certo percurso, mas quando já vamos entrar na exacta zona de cimento, o mau cheiro e a porcaria voltam a marcar a sua presença. No mercado que vai teimando em ser grossista da Malanga, uma carroçaria que poderá ter sido de um tractor ocupa o passeio e parte de estrada. É neste recipiente que as pessoas próximas devem depositar os resíduos sólidos.
Acontece, porém, que o local todo em redor se transformou numa verdadeira lixeira, num sítio fedorento, onde matérias putrefactas se espalham em torno do lugar, chegando alguns a serem esmagados pelas viaturas em circulação. Portanto, estáse perante uma situação em que os cidadãos concebem o local como sendo o palco autorizado para a falta de higiene, que tem de se identificar por estar sujo. Neste contexto, todo o esforço do município em manter o espaço limpo não vai surtir efeitos enquanto os utentes não tiverem ganho a consciência de que o lixo deve ser manuseado de forma higiénica. Do ponto de vista de quem lida directamente com os resíduos sólidos, se mantiver a ideia de que esvaziar o contentor é quanto basta, nada terão resolvido para a saúde pública. Com efeito, manter o chão em redor cheio de papas de lixo, é o mesmo que nada fazer no que toca à higiene. Trata-se apenas de uma remoção do entulho e mais nada.
Este mercado da Malanga tem uma particularidade de estender o seu lixo em pedaços e extractos que acompanham o passeio até chegar ao Fajardo, onde encontra uma mais viva expressão de existência. Aqui, entre a comida que se pode comprar para consumo, vai o cheiro nauseabundo do local, tão pronunciado que não se pode ignorar e aumenta a sensação de que se está a lidar com o risco. Por mais que as verduras sejam laváveis, bem como outros alimentos, não deixa de lá ficar a sensação de que transportamos doenças quando por ali passamos.
Do outro lado, já na Avenida 24 de Julho, o lixo e o mau cheiro têm uma trajectória que começa no mercado da Nwankakana e vem encontrar um reforço significativo em contentores extremamente mal cheirosos situados de fronte da pastelaria Versalhes, no Alto-Maé. Por ironia do destino, trata-se de uma paragem dos transportes semi-colectivos de passageiros. Aliás, todas as lixeiras da Avenida 24 de Julho
tiveram o cuidado de se implantar nas paragens dos semi-colectivos, por uma destas tristes coincidências que não parecem preocupar quem quer que seja.
Estes são dois dos pontos por onde a pessoa entra na nossa cidade capital e, como se pode ver, o acolhimento é sujo e mal cheiroso. Na outra extremidade da urbe, na longa Julius Nyerere, outrora entrada orgulhosa para a cidade, para quem acabasse de aterrar no aeroporto internacional do Maputo, a imundície está homenageada na Praça dos Combatentes, Xikhelene. Com ou sem chuva, este mercado representa o que há de amais grave em matéria de saneamento, falta de cuidados básicos pela higiene e saúde das pessoas.
Para este caso concreto, naturalmente extensivo a alguns pontos do Xipamanine, a solução passa por uma atitude disciplinadora das populações, a quem deveria ser imposta uma obrigação de procedimentos mínimos em relação ao seu espaço. Ao Conselho Municipal caberia a tarefa de recolha de
um lixo devidamente condicionado. Mas para que haja esta cultura de higiene tem de haver normas de cumprimento obrigatório com pesadas multas para os infractores.
Na Avenida Eduardo Mondlane, de fronte do Hospital Central do Maputo, um conjunto de contentores planta ali o seu mau cheiro. Só de por ali passar nos fica aquele cheiro que irá connosco de forma tão pronunciada, que mal distinguiremos se será memória se estas próprias palavras e o gesto de pensar
cheiram também.
Sem questionar a viabilidade do projecto de incrementar a taxa de lixo, que incide sobre o já debilitado bolso do cidadão, vale a pena prever, desde já, que não há-de ser por este lado que a limpeza da nossa cidade vai melhorar. Por enquanto, temos de admitir, só uma mão autoritária do município pode
melhorar o comportamento dos cidadãos, porque aqui o medo constrói os melhores comportamentos. Foi assim que as outras cidades se tornaram limpas, aqui em Moçambique.