A realização pela primeira vez de um Campeonato do Mundo de futebol em solo africano criou a expectativa de que alguma selecção do continente pudesse, para além de um bom desempenho, surpreender e fazer um brilharete, afinal neste Mundial da FIFA regista-se o maior número de presenças africanas nos relvados e nas bancadas. África do Sul, Argélia, Camarões, Costa do Marfim e Nigéria não passaram da fase de grupos. Apenas o Gana salvou a honra do continente de um fracasso total.
Não fosse a mão do atacante uruguaio Luis Suarez a parar a cabeçada do jogador ganense Dominc Addiya, no último minuto do prolongamento do jogo dos quartos-de-final, que estava empatado a uma bola, a selecção do Gana teria superado as melhores campanhas africanas na história dos Mundiais da FIFA (Camarões em ´90, e Senegal em 2002). Será o sucesso das Estrelas Negras uma obra do acaso? Terão tido sorte os ganenses?
A resposta é NÃO.
O facto é que há muitos anos o Gana desenvolve um trabalho nas camadas infantis, que começa nos campos de terra batida, envolve crianças de todo o país, passa por academias de formação e culmina com uma selecção nacional de respeito que brilha como nunca num Campeonato do Mundo de futebol, e com muitas estrelas nas principais equipas de futebol europeu – Essien no Chelsea, Muntari na Inter de Milão, Appiah no Bologna, Gyan no Rennes, entre outros. Consciente da dificuldade dos clubes Ganenses para revelar jogadores, a federação espalhou escolinhas de futebol por todo o país. De lá os meninos mais talentosos vão para as academias dos clubes locais, facto que não escapou aos clubes estrangeiros que montaram também as suas na terra de Abedi Pelé.
O Feyenoord da Holanda, por exemplo, tem uma academia na cidade de Gomoa Fetteh, a cerca e uma hora da capital Acra, numa parceria com o Unicef. Aí cerca de 60 adolescentes ganenses e de outros países africanos, com idades entre 12 e 17 anos, têm acesso a bons campos de treino, alimentação, alojamento confortável, academia e aulas, inclusive de informática. Não se fazem testes para a admissão nesta academia; os garotos são escolhidos por olheiros experientes, e os adolescentes que são aprovados perdem a companhia da família, mas ganham a preciosa oportunidade de ter um futuro. Ainda com 12 ou 13 anos, eles já mostram muita habilidade e noção de posicionamento; o talento é todo moldado por vários treinadores, incluindo Sam Arday, um dos mais vitoriosos do país, que comandou a selecção de Gana nas conquistas da medalha de bronze em Barcelona-92 e do Mundial Sub-17 de 1995.
Os melhores jogadores da academia, quando completam 18 anos, têm grandes hipóteses de conseguir uma transferência para o futebol europeu. Em academias como estas um remate certeiro pode ser o bilhete para uma mudança brusca de vida. Todos os jogadores campeões mundiais sub-20 receberam, no ano passado, como prémio um carro novo e mais 10 mil dólares do governo. Uma quantia ainda incalculável para meninos que vêm de países onde cerca de metade da população vive com menos de 1 dólar americano por dia.
E o trabalho continua com a formação de selecções praticamente permanentes nas categorias de base. Essien e Muntari, por exemplo, jogam juntos desde o Mundial Sub-20 de 2001. Sendo quase uma excepção no meio da desorganização que existe na maioria das federações africanas, o Gana tem, naturalmente, colhido resultados significativos:
* Tem uma medalha olímpica
* Conquistou dois títulos Mundiais de sub-17
* Conquistou um título Mundial de sub-20
* Esteve nos oitavos-de-final do Mundial de 2006
* Esteve na final da Copa Africana de Nações de Angola e perdeu contra o heptacampeão Egito.
NOTA (*) Só há três países no planeta que se orgulham-se de ter títulos mundiais sub-17 e sub-20 no currículo, designadamente o Brasil e a antiga União Soviética. A equipa base que eliminou o Brasil do Mundial Sub-17 em 2007 também foi a que conquistou o Mundial de Sub-20, novamente contra o Brasil.
O ganense Dominic Adiyiah, melhor marcador do Mundial e Bola de Ouro, juntamente com o guarda-redes Agyei, o lateral Inkoom, os médios Agyemang-Badu e Ayew e o atacante Osei foram incorporados na selecção principal que disputou o Campeonato do Mundo da África do Sul 2010. Ao contrário de outras selecções africanas que apostaram em treinadores famosos e com salários chorudos – Costa do Marfim e Nigéria contrataram técnicos a três meses do Mundial – o Gana apostou num sérvio quase desconhecido. Milovan Rajevac, de 56 anos, assumiu o comando das Estrelas Negras em Agosto de 2008, e conseguiu mesclar a experiência com a juventude e preencher sem problemas a vaga aberta pela lesão do craque Michael Essien.
Vimos nos cinco jogos disputados na terra de Nelson Mandela um Gana forte fisicamente e tacticamente evoluído, explosivo quando foi necessário. Sem grandes malabarismos, poucos golos marcados e poucos golos sofridos, mas com uma força mental e confiança extraordinárias, que falhou apenas no penalti que Gyan, em cima do último minuto do prolongamento dos quartos-de- final, não converteu.
“A equipa, definitivamente, tem um futuro animador e brilhante pela frente, e isso é o mais importante para o futebol ganês”, disse o treinador sérvio, que incluiu 16 atletas abaixo de 26 anos no seu plantel. “O país conta com vários bons jovens jogadores, então a selecção já tem uma base para 2014. Embora a forma como perdemos tenha sido dolorosa e traumática, esta será uma importante experiência para os jogadores, e eles têm muito potencial para alcançar grandes feitos.” Concluiu Rajevac na despedida da África do Sul.