Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

ISTO É: Foi horrível!

Na 12ª esquadra da Polícia da República de Moçambique (PRM), no gabinete do Oficial de Permanência, em Maputo, encontram-se três cadeiras interligadas onde (supostamente) se sentam os infractores da Lei e Ordem. Defronte delas há uma secretária sobre a qual se visualiza uma máquina de dactilografar de marca Godrej PRIMA. Entre outros objectos, na verdade documentos, há também um exemplar fotocopiado do Código Penal – a PRM também pratica a pirataria, fotocopiando documentos oficiais – incluindo um exemplar do semanário @Verdade com o qual colaboro.

 

A cadeira onde o Oficial de Permanência – que também é um agente da Lei e Ordem – se senta para trabalhar é uma poltrona, cansada, de cor preta. A sala com um formato rectangular, com cerca de quatro metros de largura e seis a oito metros de comprimento (valores estimados), foi pintada de duas cores essenciais, cinzenta e creme, que nos recordam o fardamento dos agentes. No tecto, branquejado, é possível visualizar um conjunto de teias de arranhas – esses bichos curiosos que, além de fecundar uma série de teorias nas ciências sociais, naquele caso nos revelaram outras informações.

 

Foi para aquele local onde, naquele dia da paz, do XX aniversário da assinatura dos AGP, fui arrastado pela Polícia da República de Moçambique, altamente vigiado por dois agentes da Lei e Ordem armados como se eu fosse um criminoso, simplesmente, porque não portava o cartão profissional que me identifica como trabalhador do hebdomadário @Verdade.

Desprovido da identidade do @Verdade, sem o cartão profissional de jornalista – porque apesar dos mais de 20 anos que a (nossa) Lei de Imprensa existe, no país, ninguém está preocupado em criar o dito documento – eu, repórter sociocultural, era um Zé-ninguém, banal, banalizando a profissão dos jornalistas sempre que insistia em apresentar-me como jornalista.

Aliás, ainda que o assunto não seja esse, quero comentar que se calhar é por essa razão que neste país ninguém move palha para que se crie a carteira profissional para o sector da actividade jornalística. O documento iria definir quem efectivamente é jornalista e eu não teria banalizado a profissão porque – com o dito instrumento – já teria sido excluído há muito tempo do ramo. Mas, que fazer, há quem se alegre sempre que se banaliza uma actividade tão nobre como informar e formar uma nação, um povo, os moçambicanos.

Aliás, agora, o que está na moda no jornalismo é desinformar ou contra-informar. Se tudo continuar assim, quando eu tiver 30 anos de carreira – tempo que pode passar sem se formalizar a questão da carteira profissional – vou tornar-me um pontífice em matéria de desinformação. Ninguém me irá questionar. Na altura serei um decano. No meu país a longura de carreira é um peso que além de escudar, sustenta as merdices de alguns, em prejuízo do povo.

É que ninguém, entre os agentes da Lei e Ordem, acreditava que eu trabalhava como jornalista. Eles não me conhecem, como não conhecem os demais profissionais que – ao nível desse sector – dão o seu máximo para a evolução do país.

Eu sou magro, preto, dono de uma estatura física baixa, desprezível, mas também sou dono de um ego muito profundo que se confunde com egontíase, a doença do ego. Não sei se esta é a imagem de jornalista que se cria na semiose das pessoas sempre que se invoca o termo. Por isso, entendo a desconfiança daquele agente que insistentemente me interrogava sobre o assunto.

Mas eu também devo confessar que, se ele, o agente, não portasse uma arma e o fardamento da PRM, não iria acreditar que se tratava de um polícia. Ele, talvez porque muito mais sofrido, é fisicamente mais débil que eu. Mas ambos – com as nossas precariedades psicossociais, insuficiências materiais conhecidas –, cada um à sua maneira, queremos fazer (se é que não fazemos) o país desenvolver.

De qualquer modo, fazendo jus aos 20 anos da paz, não posso esquecer-me de que naquele dia acordei bem inspirado. Tanto que, na mesma manhã, antes de ir à Praça dos Heróis Moçambicanos trabalhar, escrevi uma mensagem para felicitar à musa da minha inspiração: “Olá mulher moçambicana, deusa dos meus dias, mulher inspiradora, que a paz e o amor se instalem nos teus dias. Bom dia!” Em resposta, recebi beijinhos e votos de um bom dia. Debalde! Acabei por ser encarcerado.

Por todas as razões que narrei, por ter entrado na rotunda da Praça dos Heróis sem crachá, passei a metade do dia da paz numa cela da 12ª esquadra da PRM. Quase morri. Mas os meus amigos, sobretudo os que sem saber do incidente teimosamente me mandavam votos de feliz dia da paz, os meus familiares, a quem agradeço pela flexibilidade manifesta, não permitiram que uma pessoa que tenta conduzir a vida de forma honesta passasse uma noite nos calabouços.

Caros amigos, se estão recordados, é só por isso que não retornei as vossas mensagens naquele dia. Por causa da falta de carteira profissional, e o consequente facto de ter entrado na rotunda da Praça dos Heróis desprovido do mesmo, o que me valeu a detenção. Não me peçam para falar da minha relação com a cela. Foi horrível! A luta continua!

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