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Filme turco vencedor de Cannes é obra de mestre

Winter Sleep (“Hibernação”, em tradução directa), um filme turco de 3 horas e 16 minutos, levou a Palma de Ouro do 67º Festival de Cannes. A própria presidente do júri, Jane Campion, admitiu ter ficado assustada com a duração da longa-metragem de Nuri Bilge Ceylan antes de assisti-lo. “Tive medo, achei que ia precisar de uma pausa para o banheiro, pelo menos”, disse Campion, a rir, após a cerimónia. “Mas é uma obra de mestre”, completou ela, comparando o filme aos textos do russo Anton Tchecov. Campion disse que, no fim, teria assistido com prazer “a mais duas horas de projecção”. Por pouco ela não teve o seu desejo atendido. Ceylan admitiu que o primeiro corte tinha quatro horas e meia.

Winter Sleep acompanha as perambulações de Aydin (Haluk Bilginer), um homem rico, dono de casas de aluguer e de um hotel na Capadócia — e que tem dificuldade em sentir empatia pelos outros. Aos poucos, a sua personalidade vai sendo revelada por meio dos seus relacionamentos com a sua mulher bem mais jovem, Nihal (Melissa Sözen), a irmã Necla (Demet Akbag), e o empregado Hidayet (Serhat Kiliç).

“Se eu tiver a coragem de ser tão honesto com os meus personagens como esse director, ficarei orgulhosa de mim”, disse Campion. Uma Palma de Ouro para Ceylan era esperada. O cineasta turco tinha levado o prémio de direcção e o Grande Prémio do Júri (uma espécie de segundo lugar) com os seus dois trabalhos anteriores, Três Macacos, de 2009, e Era uma Vez na Anatólia, de 2011, além de outro Grande Prémio em 2003 por Uzak.

“Posso dizer que os sentimentos, ao ganhar a Palma de Ouro, são bem diferentes de quando você ganha o Grande Prémio”, afirmou Ceylan na “conferência de Imprensa” dos premiados. Winter Sleep não é tão ousado como os anteriores, em termos narrativos e visuais, mas é a obra refinada de um director em pleno domínio dos seus meios. Ele dedicou a Palma de Ouro aos jovens que morreram nos recentes protestos no país. “Alguns sacrificaram as suas vidas pelo nosso futuro”, disse Ceylan.

Apesar de a maior parte dos filmes favoritos ter sido premiada, à excepção de Still the Water (“Água Parada”), de Naomi Kawase, houve espaço para surpresas, como o Grande Prémio do Júri para Le Meraviglie (“As Maravilhas”), da outra directora em competição, Alice Rohrwacher. Jane Campion disse que o sexo do director jamais foi tido em conta. “Achámos Le Meraviglie um filme espiritual incrível, tinha performances óptimas. Chorei no final”, afirmou o cineasta dinamarquês Nicolas Winding Refn.

A sua companheira do júri, Sofia Coppola, elogiou a poesia do filme, enquanto o director chinês Jia Zhangke brincou: “Gostei do camelo.” Foxcatcher, de Bennett Miller, foi bem recebido em Cannes, mas nem sempre se espera que uma longa-metragem americana, já alçada à condição de concorrente ao Oscar do próximo ano, ganhe um prémio no festival, ainda mais um tão importante como o de melhor director.

Mas trata-se de uma produção americana atípica, com muitos silêncios e pouco didactismo, sobre um bizarro caso real envolvendo o milionário John Du Pont (Steve Carell), que montou uma equipa de luta livre, com destaque para o campeão olímpico Mark Schultz (Channing Tatum), e, anos mais tarde, assassinou o irmão de Mark, Dave (Mark Ruffalo). Timothy Spall, por Mr. Turner (“Sr. Turner”), de Mike Leigh, e Julianne Moore, de Maps to the Stars (“Mapas para as Estrelas”), de David Cronenberg, estavam nas listas de favoritos. Spall mostrou- se bem emocionado com o prémio de melhor actor.

“Estou a sentir-me como uma garota de 16 anos agora, ou menino de 16 anos, nem sei”, brincou o inglês entre os premiados. Moore não pôde voltar a Cannes para receber o troféu. A decisão mais comentada foi a divisão do Prémio do Júri entre o franco-canadiano Xavier Dolan, o cineasta mais jovem da competição, com 25 anos, por Mommy (“Mamãe”), e o franco-suíço Jean-Luc Godard, o director mais velho, com 83 anos de idade, por Adieu au Langage (“Adeus à Linguagem”). “Foi uma decisão que todos tomámos”, disse a presidente do júri, Jane Campion.

“Amo Mommy, é muito moderno. E não estava à espera, mas, quando vi Godard, realmente fiquei chocada, achei muito moderno também. Percebi que se tratava de um homem livre. Então juntar os dois fazia sentido.” Winding Refn destacou que ambos mostram que, com a revolução tecnológica, todo o mundo pode fazer cinema. Godard já tinha anunciado que não iria a Cannes em hipótese alguma, e o produtor Alain Sarde nem tinha telefonado para avisá-lo do prémio.

“Não me atreveria, a essa hora”, disse. “Vou ligar amanhã. Tenho a certeza de que ele já sabe, mas não vai mudar a sua vida”, completou, provocando risos. Sarde disse que tinha ficado feliz porque, normalmente, era um prémio dado a cineastas jovens. Dolan também declarou ter ficado contente com o troféu.

“Acho que foi um gesto deliberado do júri para nos juntar, talvez por termos idades tão diferentes e porque ambos estamos à procura da liberdade no cinema, com abordagens diferentes.” Em geral, foi uma premiação bastante ecléctica, que consagrou desde um drama mais cerebral e exigente (Winter Sleep) a uma fantasia espiritualista (Le Meraviglie), das travessuras de um cineasta veterano (Adieu au Language) às emoções derramadas (Mommy).

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