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Ferro-velho: Um negócio pesado e pouco lucrativo

É um negócio lucrativo para o revendedor final, mas regista – nos últimos tempos – uma grande adesão de jovens. Um quilograma de ferro leva aos bolsos dos recolectores seis meticais. Quanto fica com os proprietários do estaleiro é um segredo guardado a sete chaves. @Verdade sabe, contudo, que é mais do que o dobro. Um ‘bom’ dia de trabalho rende 200 meticais. Mas isso não é lucro. É receita…

Tudo começou com uma conversa entre três amigos: José, Alberto e Mula. Conhecem-se há muito e vêem-se poucas vezes. Para o que este assunto diz respeito encontraram- se a 31 de Dezembro, nas festas da despedida do ano 2008.

A data não é inócua. O que aí vinha já estava mais ou menos claro para os três, mas não o conformismo, indignação mesmo, em relação ao estado de coisas e à falta de emprego. Clima de insegurança, em suma. E a questão era: sem escolaridade por aí além e a gritante falta de oportunidades para a juventude, como é que se pode sobreviver?

O que é que se pode fazer? Vender recargas de telemóvel? Atravessar a fronteira e tentar a sorte no país vizinho? Já tentaram inúmeras vezes. Já chega. A hipótese acabou por surgir: vender ferro velho. A ideia calou fundo no consciente dos três amigos e daí decidiram passar à segunda fase: implementar e dominar as lógicas de um mercado onde os recolectores são o elo mais fraco.

Arranjaram um txova e colocaram o destino das suas vidas na capacidade de encontrar ferro velho um pouco por toda a cidade de Maputo. “Não é fácil”, diz José o mais novo dos três amigos. “Há vezes que saímos às 5horas para regressar ao lar com 50 meticais”, explica Alberto. O trabalho desgasta e o preço de venda é determinado pelos compradores. Antes era bem mais fácil porque o número de recolectores não era tão grande como nos dias que correm. “O que nos safa é a nossa experiência”, refere Mula.

“Se não sabes onde e como encontrar ferro podes morrer a empurrar o teu txova. Este negócio exige sacrifício extremo. Não pode ser desenvolvido por fracos. Tens de estar preparado para ficar um dia sem comer”. A rotina deste grupo de amigos que decidiu enveredar pelo empreendedorismo, se assim quisermos chamar, começa por volta das 5 horas quando partem do interior de Magoanine e nunca termina antes das 17horas.

Como este grupo há outros e todos oriundos da periferia da capital do país. O ferro, dizem, é comprado nas residências por seis meticais o quilograma e revendido por 7.5 aos estaleiros. A chapa de zinco custa 1 metical. As grandes superfícies comerciais revendem a mercadoria pelo triplo do valor de aquisição. O alumínio, embora seja raro, é o produto mais cobiçado pelos colectores de sucata. Um quilo rende 140 meticais.

Uma mulher de ferro

Ardalina Langa, de 54 anos de idade, e residente no bairro de Inhagoia, garante que deve a sua subsistência ao negócio de ferro-velho o qual abraçou há uma década e meia. O produto “é adquirido com muito sacrifício. Há muitos anos que pratico este negócio e as dificuldades são enormes. Porém, ao invés de passar a vida a lamentar tenho estado a batalhar para sobreviver com a minha família. Mas é difícil…”

A nossa interlocutora contou-nos ainda que teria sido obrigada a viver maritalmente com alguém muito cedo. Nesse ano, interrompeu os estudos para se dedicar ao lar. Tem uma filha e vive também com uma sobrinha. Todas dependem do que consegue arranjar. A sua vida sempre foi caracterizada por momentos difíceis e teve uma infância conturbada. Em 2002, optou por trabalhar por conta própria vendendo bananas, depois garrafas e, mais tarde, em 2006, dedicou-se à venda de sucatas.

Ardalina Langa fez saber que diariamente leva aos ombros dois a três sacos de ferro-velho por falta de um carrinho de mão para o transporte do seu material. Ao todo são 25 quilogramas. Não percorre distâncias muitos longas. Colecta entre 100 e 150 meticais por dia, valor que nas suas palavras só chega para a alimentação.

Na capital moçambicana, o ferro- velho e as sucatas são uma fonte de subsistência para muitas famílias dos bairros periféricos. O negócio, que envolve homens e mulheres, jovens e crianças, inclui, por exemplo, peças de viaturas, algumas chapas de zinco, alumínio, baterias danificadas e tende a ganhar espaço em muitas zonas suburbanas.

Quanto mais peso tiver a sucata em causa, melhor ainda porque é o peso que define o preço. Os compradores asseguraram-nos de que os artefactos metálicos fora de uso são revendidos a cidadãos de origem indiana na cidade de Maputo e à empresa Simbi, com filiais na Matola e na vila de Boane.

Algumas pessoas entrevistadas pela nossa Reportagem afirmaram que praticam este negócio para garantir um prato de comida aos seus lares e levar os seus filhos à escola. Outras disseram que rendem o suficiente para suprirem necessidades básicas e melhorarem o estado das suas habitações. Grande parte dos que se dedicam à venda do ferro-velho enfrenta enormes dificuldades financeiras e não tem nenhuma outra ocupação de geração de renda.

Diz-se que, independentemente dos entraves existentes, qualquer ofício é digno, desde que não prejudique a terceiros. Todavia, os sucateiros queixam- -se, no geral, das dificuldades que envolvem o seu trabalho. Segundo nos contaram, é uma tarefa árdua e penosa, uma vez que é preciso percorrer bairros à procura de ferro-velho ou outro tipo de sucatas vendáveis.

De acordo com eles, uma das formas de conseguir uma quantidade considerável de ferro-velho é andar de porta em porta e pedir a quem tenha o congelador ou a geleira estragada, por exemplo, e que não queira utilizar para outros fins, para negociar. É preciso também vasculhar contentores de lixo, casas abandonadas e vários outros lugares tidos como estratégicos para o efeito. A actividade está a gerar, paulatinamente, pequenos empresários e cresce de forma desenfreada.

Na Avenida de Moçambique, em Maputo, no bairro 25 de Junho, nas proximidades da farmácia Chitsungo, há um ponto de venda de ferro-velho. O @Verdade esteve lá e se deparou com quase todo o tipo de sucatas, incluindo acessórios de viaturas. Há quem diga que este é um negócio que está a fomentar o roubo de viaturas com a finalidade de serem vendidas em peças.

Aliás, vários moradores de alguns bairros queixam-se de roubos frequentes até de utensílios domésticos, como panelas de alumínio. Este negócio prejudica igualmente algumas infra-estruturas públicas na medida em que concorre para a vandalização das tampas de sarjetas e de cantoneiras, por exemplo.

Em Nampula o ferro dá dinheiro

O negócio de ferro-velho, na cidade de Nampula, transformou- -se numa actividade ‘milionária’ para aqueles que abraçaram este empreendimento em moldes industriais. Entretanto, com a descoberta deste negócio, há poucos vestígios de sucatas nas ruas e artérias daquele ponto do país, um facto que era notório e a olho nu. Actualmente, o cenário é outro: diariamente as pessoas procuram ferro e viaturas circulam com enormes quantidades dirigindo-se aos estaleiros, cujos proprietários compram este material reciclável.

Para além de se ganhar dinheiro com a venda de ferro-velho, os locais onde se exerce esta actividade, pelo menos ao nível da cidade de Nampula, transformaram- se em postos de emprego, o que até certo ponto contribui de forma significativa para a redução dos números do exército de desempregados que diariamente pulula pelas avenidas da cidade. Para além de postos fixos, a venda de sucata criou várias empresas que já começaram a disponibilizar postos de trabalho.

Esta actividade ganhou terreno em Nampula e na cidade capital em particular, a partir do ano 2000, quando um grupo de chineses decidiu investir na actividade de compra de ferro-velho. Os moçambicanos não se fizeram de rogados e tomaram o mesmo rumo.

Constantino Basílio passou de estivador a gerente dum estaleiro de venda de ferro-velho, localizado no bairro de Napipine, cidade de Nampula, por sinal um dos maiores daquele ponto do país, que emprega igualmente outros três trabalhadores efectivos e dez eventuais, para além de um número considerável de estivadores que se fazem ao local nos dias de carregamento de mercadorias no processo de evacuação. Aliás, devido à grandeza da unidade, os trabalhadores efectivos não são remunerados como estivadores, dispondo de um remuneração mensal. O montante não nos foi revelado. No entanto, @ Verdade sabe que oscila entre 4 e 5 mil meticais.

É uma actividade legalizada

Entretanto, apesar de o proprietário residir na cidade de Maputo, o estaleiro da cidade de Nampula tem toda a estrutura montada, onde, para além do local destinado ao armazenamento da mercadoria, existe um escritório com o mínimo de condições, e os trabalhadores possuem equipamento de protecção, entre luvas, capacetes, fardamento, botas, incluindo refeições que são fornecidas nos dias de muito trabalho.

Todos estão inscritos no Sistema de Segurança Social e a empresa também está a funcionar de acordo com a lei comercial em Moçambique. Basílio contou-nos ainda que o negócio de ferro-velho é pouco trabalhoso, mas que exige muita força, e confessa que pela fama que a empresa tem, atende vendedores de ferro provenientes de vários distritos da província de Nampula e outros de Cabo Delgado e Niassa, que compram semanalmente uma média de 08 a 09 toneladas de ferro-velho.

“Aqui aparecem várias pessoas, e há vezes em que o número de clientes ultrapassa as nossas capacidades de atendimento”, disse. Entretanto, os preços praticados na compra do ferro-velho naquele estaleiro dependem da quantidade que os fornecedores apresentam, porquanto variam entre três meticais quando as quantidades são inferiores a um quilograma, e cinco meticais quando as quantidades estão acima de 500.

Uma experiência amarga

Devido ao volume de dinheiro que o negócio envolve, Basílio teve uma experiência da qual se recorda com dor. “Tive um problema, houve um indivíduo que trouxe ferro-velho e recebeu dinheiro acima do que tinha direito. Eu tive de pagar pelo meu erro. Contudo, daí em diante passei a prestar mais atenção”.

Maputo é o destino preferencial da sucada

Constantino Basílio fez notar que o destino da mercadoria adquirida pelo estaleiro onde trabalha é a cidade da Matola. “Em média fornecemos 60 toneladas de ferro por mês”. Aliás, o proprietário do estaleiro vive na cidade de Maputo, onde firmou um contrato com uma fábrica localizada na cidade da Matola. A sucata é reciclada para o fabrico de varões de construção.

O material de construção de construção, no final do dia, acaba por beneficiar os residentes de Nampula, uma vez que uma parte da produção da fábrica é comercializada naquela província do país.

Está a emergir outro mercado

De acordo com Basílio, gerente do estaleiro de ferro-velho em Napipine, está em processo de construção uma nova fábrica de varões na cidade portuária de Nacala, onde os proprietários manifestaram o interesse de ver o estaleiro de Nampula a fornecer material.

“Há um grupo de empresários que está a montar uma fábrica de ferro em Nacala-Porto, contactaram-nos e acertamos alguns pormenores a breve trecho, vamos rubricar os contratos, mas isso não quer dizer que vamos deixar de fornecer à fábrica da Matola, porque ainda há muita sucata em Nampula”, explicou.

Abandono escolar

Uma consequência, ainda que indirecta, nefasta causada pelo negócio é o abandono de crianças ao ensino para se dedicaram a uma actividade que garante lucro imediato. A prática tende a aumentar sob o olhar impávido e sereno dos encarregados de educação e autoridades locais.

Devido à escassez de ferro-velho, pelo menos ao nível da cidade de Nampula, as crianças envolvidas neste processo acabam por enveredar pela escavação nos locais onde hávestígios da presença destes resíduos ou mesmo em locais onde antes existiam oficinas. Esta classe social tem alimentado os pequenos revendedores de sucata espalhados um pouco por toda a cidade de Nampula.

O sucesso de Matola

Mário Matola, residente no bairro 25 de Junho, de 27 anos de idade, trabalha num estaleiro que comercializa ferro para reciclagem, onde é simultaneamente empregador. De acordo com ele, os artefactos metálicos, fora de uso, são vendidos por pessoas de quase todas asidades. O material que adquire é refundido para ser vendido à indústria de produção de panelas, grades, etc.

Matola fez saber que o trabalho é digno como qualquer outro, mas também representa uma alternativa ao desemprego, que abrange muitos jovens. Tem 12 operários, dos quais seis afectos à recolha de sucatas e que ganham, por dia, valores que variam dos 20 aos 200 meticais. Por vezes ganham mais, mas isso depende da quantidade (quilos) que trazem da rua. Os outros seis mensalmente. Não avançou os salários. No grupo há duas mulheres cuja tarefa é garantir a limpeza do espaço onde é depositado o ferro-velho e confeccionam as refeições.

Jorge Massinga

Jorge Massinga é também patrão e emprega seis trabalhadores , que diariamente vasculham sucatas nas ruas ou residências, cuja remuneração é mensal e labutam de segunda a sábado. Compra todo o tipo de sucatas: chapas, alumínio, chumbo, bronze, dentre outras.

“Na verdade, o negócio das sucatas não rende quase nada”, disse Massinga e explicou que os preços de compra do ferro-velho variam de acordo com o tipo de metal. O ferro é comprado a seis meticais e revendido a sete meticais e cinquenta centavos o quilo, a chapa custa um metical o quilo e revendido a três meticais e cinquenta centavos, o alumínio é adquirido a 140 meticais o quilo e negociado a 160 meticais.

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