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“Falta-nos personalidade como artistas”

“Falta-nos personalidade como artistas”

Diz-se que o bom filho sempre volta à casa. Pois é. Mas ninguém vai levar a mal se, nesta nota introdutória, enfatizarmos esta verdade universal para chegarmos a duas conclusões. A primeira é que, tal como se diz na gíria popular, depois de sete anos sem novos trabalhos discográficos no mercado, a cantora moçambicana Júlia Mwito regressa aos estúdios de gravação para lançar o seu quinto CD. A segunda é que esta nova obra, a ser lançada recentemente, caso encontre rapidamente os patrocínios necessários, visa responder às inquietações dos seus admiradores.

Falar de Júlia Mwito é o mesmo que recuar no tempo e visitar as suas líricas mensagens que versam sobre o quotidiano dos jovens. Presentemente com 23 anos de carreira e com quatro álbuns, a artista já foi galardoa pelo seu profissionalismo e pela sua dedicação nos prémios do Ngoma Moçambique, do Top Feminino, de Influências e de Imprensa. Júlia nasceu na província de Cabo-Delgado e conta que sempre se inspirou nas mensagens e na pujança de Jeremias Nguenha, Mingas e Stewart Sukuma. Em conversa com o @Verdade, a cantora de “Mufana Wene” fala da sua carreira artístico-musical e da sua “inactividade” no que concerne à produção discográfica.

@Verdade: Quando e como é que começa a sua relação com a música?

Júlia Mwito: Comecei a cantar na década de 1990, motivada pelo meu irmão mais velho, Joaquim Cornelo, actualmente, padre da igreja católica. Cresci a acreditar que ele sabia, mais do que ninguém, o que era melhor para mim, talvez porque acompanhava o meu crescimento, as minhas orientações e os meus sonhos. Portanto, o mano Joaquim, na altura seminarista, levou- me à Rádio Moçambique (RM), onde me entregou às mãos da professora Liana para que esta me ensinasse a cantar.

Na época eu tinha 14 anos de idade. Na verdade, o meu irmão foi-me deixar na RM com o propósito de me lançar na vida artística-musical e, consequentemente, livrar-se do barulho que eu fazia em casa, na tentativa de imitar alguns ícones. Então, devido à amizade que eles tinham, o professor aceitou cuidar de mim, de tal sorte que nos tempos livres as atenções eram viradas para a minha aprendizagem. Durante longos e intensos dias, Liana ensinou-me a afinar as cordas vocais interpretando algumas músicas de artistas nacionais.

Volvido algum tempo, incentivou-me a compor um trabalho que fosse o resultado de toda a aprendizagem. Dito isso, não deixei a oportunidade de materializar os meus sonhos e, logo, procurei ajuda numa amiga, que infelizmente não continuou nas artes, com quem trabalhei na produção do tema “Mufana Wene”, a razão do meu sucesso. Diria, também, que a música foi um êxito, pois, após a publicação ganhou admiradores. Gravei “Mufana Wene” com apenas 17 anos de idade.

@Verdade: O que versa a música “Mufana Wene”?

Júlia Mwito: A música é uma espécie de crítica social. Nesse tema abordo assuntos relacionados com a camada juvenil (não só ela) que, como acompanhamos diariamente na nossa sociedade, troca de mulheres como se estivesse a mudar de calças. É claro que na adolescência/juventude as pessoas levam muito tempo à procura de uma namorada perfeita, mas isso não lhes dá a legitimidade de pular de ramo em ramo, como se as miúdas fossem brinquedos. Na verdade, o conteúdo da música tem a ver com a realidade dos tempos passados. Não que, actualmente, seja diferente, mas era tão profundo para mim, porque também era ingénua. Aliás, ilustro o que vivia.

@Verdade: Além desta música, Júlia tem sido interventiva e educadora, na sociedade. Quais são as outras músicas que versam sobre o quotidiano dos moçambicanos?

Júlia Mwito: Acredite: todas as minhas músicas têm a intenção de criticar e educar as pessoas. “Naxilanga”, por exemplo, uma música cantada em maconde, versa sobre a valorização exagerada dos jovens que quando são formados, automaticamente, ignoram os conselhos dos mais velhos – pais, tios, vizinhos, etc. No entanto, ainda na mesma temática, temos “Naliwengo”. O tema defende que Deus fez o mundo com tudo o que nos rodeia, mas, incrivelmente e lamentavelmente, o homem transforma-o em campo de batalhas sangrentas.

@Verdade: Abraçou a música precocemente. Que dificuldades enfrentou para a sua afirmação no seio artístico?

Julia Mwito: Para a minha afirmação na música, eu acho que, para além do talento, contei com a sorte que tenho. Venho de uma família religiosa e com cerca de três padres. Por essa razão, quando o meu irmão me levou à Rádio, encontrei todas as portas abertas. Quero dizer que, graças a Deus, não tive dificuldades para me afirmar nas artes. Para além do mais, o acompanhamento do mano Joaquim fez com que criasse textos educativos e mais ligados a causas sociais.

Já era de se imaginar que, pela sua conduta social, se me tivesse desviado não teria o seu apoio. Mas, na verdade, o meu maior desafio, na música, não foi o de conceber mensagens pedagógicas, mas foi o de encontrar um estilo musical que me identificasse como Júlia Mwito. Queria, porém, encontrar uma identidade através da qual, mesmo de costas, as pessoas me reconhecessem. O meu desafio era o de não me igualar a outros artistas imitadores que existem por aí. Falta-nos personalidade como criadores independentes. Como artistas.

Por isso, nós (os timoneiros das artes moçambicanas) dormimos africanos e acordamos americanos. Esse é o maior desafio que todos nós devemos enfrentar e vencer. Ora vejamos no que concerne à perda ou à inversão de valores morais. Na minha opinião, essa perda de carácter é devida à abertura global, comummente conhecido por globalização.

Na verdade, essa suposta dinâmica do mundo faz com que se percam as delimitações territoriais e, consequentemente, os costumes de cada povo. E se não tivermos os pés assentes no chão e se não nos valorizarmos, descartaremos a nossa marrabenta, o nosso mapiko e passaremos a consumir kizomba. Aliás, os angolanos já estão aqui a fazer festas, com os seus estilos sem se preocuparem com os nossos ritmos tradicionais. Então, para eles, nós somos angolanos.

@Verdade: Está há sensivelmente sete anos sem lançar novos trabalhos discográficos. A que se deve essa paragem?

Júlia Mwito: Este é também o meu próximo desafio. Estava acostumada a deixar as coisas acontecerem naturalmente, mas acredito que actualmente o mercado está diferente. É preciso que se mostre trabalho para que as pessoas apostem em nós. Costumada É, realmente, um facto que estou há anos sem publicar novos trabalhos, mas sempre trabalhei em coordenação com os outros artistas. Na verdade, o que se quer é um trabalho completo da Júlia Mwito e, para satisfazer as exigências dos meus fãs, publicarei, brevemente, um disco compacto.

@Verdade: Com que música participa no Ngoma Moçambique?

Júlia Mwito: Chama-se “Malove Avenitete”, em maconde, ou “Ecos do Povo”, em português. Esta música versa sobre a valorização dos nossos costumes, desde a esfera política, passando pela social, até a cultural. Imploro para que a sociedade moçambicana comece a resolver os problemas pessoalmente, e deixar de ficar à espera de que alguém venha solucionar questões domésticos. @Verdade: Revelou-nos que o seu grande desafio foi a busca de um estilo que a identificasse. Actualmente, que género musical adopta nas suas composições? Júlia Mwito: Nas minhas músicas, sempre optei pelos estilos rumba, marrabenta e mapiko.

@Verdade: Que projectos tem por concretizar?

Julia Mwito: O único projecto que tenho do momento é o lançamento do meu disco compacto. Por enquanto está tudo feito, faltando até agora o patrocínio para a reprodução do mesmo.

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