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Falcão: “Ainda não atingi a saturação!”

Falcão: “Ainda não atingi a saturação!”

Um total de 22 artistas plásticos moçambicanos agremiados na Associação Núcleo de Arte, em Maputo, ao abrigo do Projecto Mozambikes, dedicou o seu tempo – a partir de bicicletas – a criar igual número de obras de arte. Entre os artistas, a forma com que emprega a cor verde (entre outros signos), Falcão chamou a nossa atenção.

Como povo, os Tuaregue podem ser um signo que representa muito para a história da humanidade, em particular para os antropólogos. Os seus movimentos pastorais, agrícolas e comerciais são uma fonte de pesquisas científicas. Mas, diante da obra de Falcão com o mesmo nome, esta componente pode não ser alcançada pela mente humana de forma imediata, o que não lhe retira o mérito.

O facto é que, em parte, se a obra de Falcão é denominada Tuaregue, como o artista considera, nada nos impede de deduzir que parte da sua inspiração proveio da reflexão deste povo, e das suas lutas pela sobrevivência em espaços (muitas vezes inóspitos) como os desertos.

Seja como for, o facto é que diante do verde militar que – em Tuaregue, a obra em alusão, aparece em tonalidades leves – uma série de interpretações pode ser feita. Refira-se que a cor verde possui muitos significados, muito em particular quando se trata de um contexto de uma vida social marcada por instabilidades sociais de vária natureza. Esta realidade inquieta o artista. Caso contrário, a sua definição de artista não faria sentido.

“O artista é uma personagem social que nunca está satisfeita. A situação habitual do espaço em que se encontra lhe incomoda constantemente. Ele quer transformá-la para o melhor. Eu, por exemplo, faço o meu trabalho – de que até posso gostar –, no entanto, geralmente sinto uma necessidade natural de ter que dar o melhor de mim no meu trabalho. É em resultado disso que, na arte, a aprendizagem é contínua”.

Considerando que, para si, o mundo, o continente africano, o quotidiano dos moçambicanos, a sua condição social e humana é que lhe servem de fonte de inspiração para produzir uma arte provocadora e que propõe soluções, Falcão leva a sua posição ao extremo para considerar que “eu acho que o artista carrega os fardos com que se defronta no espaço social, os quais ele representa em forma de objectos artísticos”.

É com este sentido que o artista, de forma voluntária, participou no Projecto Mozambikes, cujos valores resultantes do leilão das obras reverterão para a redução das dificuldades das populações que enfrentam uma série de dificuldades no campo do transporte em Moçambique. Referindo-se a este tópico, não lhe faltam exemplos os quais, além de repúdio, o movem a gerar arte.

Por exemplo, “neste momento, na cidade de Maputo a falta de transporte é um grande problema. Isso preocupa- me bastante: a condição precária em que as nossas populações se fazem transportar é simplesmente penosa”.

Foi nesse sentido que, imediatamente, “eu aceitei participar no Projecto Mozambikes como forma de garantir que as populações mais carenciadas, as quais sofrem com a falta de transporte no dia-a-dia, possam-se beneficiar das transformações que a mesma iniciativa poderá operar nas suas vidas”.

De acordo com Falcão (um artista que em tempos quisera explorar o campo da produção literária) no país em que vive “há várias situações que perturbam a minha mente, como artista, de tal sorte que se eu começar a numerá- -las podemos perder 24 horas a conversar. Isso também instiga-me à criação de arte. A falta de transporte na cidade de Maputo é um problema que carece de um reparo imediato”.

É por essa razão que “eu acho que a nossa condição social e/ou humana é muito má. Sinto que na população moçambicana se verifica um fenómeno muito perigoso – o desenvolvimento contínuo dos ricos e o empobrecimento cada vez mais crescente dos pobres. A desigualdade social que se nota no país é um acontecimento pernicioso para nós, como um povo”, acrescenta.

É em função disso que “penso que a nossa condição social devia melhorar muito porque, como já é voz comum, no país, há muitos recursos. Outros ainda estão a ser descobertos. Portanto, há que se pensar na população e no cidadão comum porque ele é que trabalha mais e, ao que tudo indica, não beneficia em nada do referido trabalho”.

Agora basta

Falcão descreve a sociedade em que vive como um espaço que não oferece muita liberdade para a expressão de mensagens através da arte. Diz ele que “já ouvimos muitas histórias de pessoas que foram silenciadas sumariamente por falarem a verdade. Eu sinto que muitos artistas, e disso eu sou um exemplo, há vezes que entendem que devem emitir uma mensagem mas (em resultado da forma como a nossa sociedade se configura) ficam com medo de sofrer represálias e/ou algo além disso, por isso resolvem manterem-se no silêncio”.

Caso contrário, “para os que decidem tomar uma posição, a sua mensagem é emitida de forma camuflada. Os cidadãos que entendem possuem uma mais- -valia, ao passo que os poucos esclarecidos acerca do assunto em discussão continuam indiferentes em relação ao mesmo”. A par disso, uma pergunta pode ser elaborada: como é que Falcão lida com a situação?

“Eu tenho falado com algum receio, mas sinto que chegará um dia em que a minha apreensão irá acabar, porque em dado momento ficarei saturado e, nessa época, reinará a lei do vale tudo ou nada. Portanto, penso que ainda não cheguei no estado de saturação”.

Ou seja, é como acontece na vida, “chega uma etapa em que o homem entende que já não pode/deve suportar determinadas ostracizações na sociedade. A partir daí, já saturado, age! Então, enquanto isso não acontece, eu penso que ainda dá para aguentar!”

Parem com a guerra

Na sua obra, Tuaregue, o artista plástico moçambicano, Falcão, sublimou a cor verde-escuro que (na sua visão) simboliza as vestes de um militar. É por essa razão que uma bicicleta, em si, pode ser interpretada como um meio de transporte de um general.

Mas a obra não aparece simplesmente para possibilitar a realização desta leitura. Esta coloração que, como se disse, simboliza a farda do exército acaba, devido a isso, por ser uma chamada de atenção aos governantes (políticos) do mundo, aqueles que fazem o negócio das guerras, para a necessidade de calarem as armas, realizando um percurso regressivo em que resgatam o verde, desta vez, entendido como o meio ambiente da terra em contínua degradação ecológica!

“Eu quis render homenagem às vítimas, ao mesmo tempo que suplico aos políticos para que parem com as guerras, olhando para o mundo numa perspectiva diferente dessa que só o dilacera. Só assim, a cor verde pode resgatar o seu valor de esperança. As guerras isolam o homem, por isso em todos os cantos onde há conflitos militares a vida humana não se desenvolve naturalmente”.

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