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“Exploração mineira contribui para o aumento de casos de tuberculose em Moatize”

O @Verdade esteve no distrito de Moatize, na província de Tete, e entrevistou o coordenador da Rede de Apoio de Monitoria da Boa Governação de Moatize (RAMBOG), Manuel José Dique, que disse que a actividade mineira levada a cabo, principalmente, pelas empresas Vale e Rio Tinto tem estado por detrás do aumento de casos de tuberculose no seio da população.

Segundo o nosso interlocutor, a inalação da poeira emitida a partir das minas é uma das vias de contaminação, senão a principal. Para além desta doença, o distrito está a braços com a pandemia do VIH e SIDA. A razão disso é o facto de Moatize ser um corredor, o que de certo modo constitui um impulsionador da prostituição.

Outro dado avançado pelo nosso interlocutor tem a ver com o atendimento hospitalar. Aos doentes por vezes são exigidos 450,00 meticais para terem acesso à ambulância, enquanto às mulheres grávidas são exibidas imagens de posições de parto.

@V – O que é a RAMBOG?

MJD – A RAMBOG (Rede de Apoio de Monitoria da Boa Governação de Moatize) é uma plataforma das associações baseadas no distrito de Moatize, província de Tete, que trabalha na área da Saúde. Nós somos uma espécie de intermediário entre as unidades sanitárias e a comunidade. Trabalhamos em cinco bairros, nomeadamente Bagamoyo, 1º de Maio, Liberdade, 25 de Setembro e Chithatha.

Temos 20 activistas divididos em dois grupos de 10 pessoas. A organização foi fundada no dia 19 de Maio de 2009. No princípio, dependíamos do Núcleo Provincial e as associações trabalhavam de forma isolada. Hoje, a RAMBOG tem nove organizações, apesar de termos começado com sete. Cada organização tem cinco membros na RAMBOG.

@V – Em que consiste o vosso trabalho?

MJD – Nós procuramos saber como é que as pessoas são atendidas nas unidades sanitárias e, no caso de existirem problemas, encaminhamo-los às respectivas direcções para que estas os resolvam. Somos o elo entre as unidades sanitárias e a comunidade.

@V – E como é que é feito esse trabalho?

MJD – Nós vamos às comunidades e auscultamos as suas preocupações. Analisamo-las e encaminhamo-las às unidades sanitárias. Realizamos palestras sobre como exigir os seus direitos. Por exemplo, há pessoas que pagam dinheiro para ter um medicamento que, por regra, é gratuito ou custa menos do que lhes é exigido. Levamos a cabo campanhas de educação cívica nas quais falamos de VIH e SIDA, doenças de transmissão sexual e planeamento familiar.

@V – E o vosso trabalho tem resultado?

MJD – Sim, tem resultado. Houve mudanças sim, fruto da nossa boa relação com a administração do distrito. Antes, por exemplo, as pessoas ficavam nas filas até às 10 horas ou mais à espera de serem atendidas. Na farmácia, só havia uma atendente, hoje são dois. Houve melhorias também na área das triagens. É raro encontrar doentes na fila porque o serviço de consultas já é rápido. Não havia maternidade, nem sanitários, mas hoje já temos.

@V – Trabalham só na área da Saúde?

MJD – Até agora sim, mas já apresentámos um projecto para a área de saneamento e meio ambiente.

@V – Quais são as preocupações dos residentes de Moatize no que diz respeito à Saúde?

MJD – A principal preocupação tem a ver com a maternidade. A que existe tem sérios problemas. Quando uma gestante fosse à consulta, eram-lhe mostradas imagens de posições de parto para que ela pudesse escolher. E isso é muito constrangedor. Outro problema está ligado à maternidade. O distrito de Moatize é extenso. A maternidade do bairro Bagamoyo foi transferida para a zona da Carbomoc em Fevereiro do ano passado e lá é longe. É penoso ver uma mulher prestes a dar parto a caminhar até lá ou a ficar horas a fio na estrada À espera que uma alma caridosa lhe dê boleia.

@V – Porque a maternidade foi transferida?

MJD – Disseram que o edifício onde funcionava pertencia aos Caminhos-de- -Ferro de Moçambique e houve uma necessidade de devolvê-lo. O Ministério da Saúde teve de construir uma na sede distrital. O hospital distrital também vai ser transferido para o bairro 25 de Setembro. Já está a ser erguido.

@V – E qual foi o vosso posicionamento?

MJD – Tendo em conta o nosso papel, encaminhámos o problema à direcção da unidade sanitária. A médica responsável pela maternidade disse que eram apenas fotografias e que se tratava de um novo método. Com a nossa intervenção, as enfermeiras que assim procediam foram transferidas. O outro problema tem a ver com as condições em que eram feitos os partos.

Quem assistia a parturiente era o acompanhante, e não a parteira. Um dia, uma senhora chegou ao hospital às 04h00 e só foi atendida às 11h00. O mais grave é que se tratava de uma seropositiva. Depois de atendida, dirigiu-se à farmácia. Lá disseram que já não havia comprimidos e que tinha de recorrer às farmácias privadas. Ela tinha herpes.

@V – Para além da maternidade, existem outros problemas ligados à Saúde em Moatize?

MJD – Sim, a tuberculose constitui um problema sério e isso começa a ser preocupante. Nos meses de Outubro e Novembro do ano passado registámos quatro casos de BH Positivo. Trata-se de casos graves e o bacilo pode contaminar mais de 10 pessoas na comunidade. Isso é possível por meio da conversa. O pior é que os pacientes desistem do tratamento porque o medicamento é forte e é necessário que a pessoa siga os conselhos médicos religiosamente. Quando a medicação é interrompida, os comprimidos deixam de ter efeito. O que acontece aqui é que os doentes já não cumprem o tratamento ambulatório.

@V – E qual tem sido o vosso papel?

MJD – Nós temos ido atrás dos doentes que abandonam o tratamento. Já procurámos e localizámos sete deles. Agora estão a seguir o tratamento como deve ser, e já estão cientes da importância disso. Sabem que a tuberculose é uma doença contagiosa e que isso pode “acabar” com as suas famílias.

@V – Estará o aumento de casos de tuberculose ligado à actividade mineira?

MJD – Claro. O aumento de casos de tuberculose deve-se à exploração de carvão mineral. Ela é feita a céu aberto. Em tempos, quando era subterrânea, o distrito não se queixava de casos de tuberculose. As principais vítimas são os mineiros, pedreiros e as pessoas que vivem em áreas próximas das minas.

@V – Qual é a outra consequência da exploração mineira?

MJD – Há problemas de pele, parecem queimaduras, dores da caixa torácica. Isso não acontecia antes da entrada em funcionamento das empresas de exploração do carvão mineral a céu aberto. Há pessoas que já urinam sangue. Já há registo de casos de hipertensão, inclusive no seio dos jovens.

@V – Para além da tuberculose, quais são as outras doenças que constituem preocupação aqui em Moatize?

MJD – Temos o caso do VIH e SIDA. O distrito de Moatize é um dos mais assolados por ser um corredor. Há crianças órfãs de pais vítimas desta doença. Temos que ter em conta que a orfandade leva-lhes à vulnerabilidade. Há menores que sofrem de desnutrição crónica. Outro dado é que muitos casos de tuberculose estão associados ao VIH e SIDA.

@V – Qual é a relação entre o facto de Moatize ser um corredor e os casos de VIH e SIDA?

MJD – O VIH e SIDA deve-se à prostituição. Moatize é um corredor e os camionistas são dos principais transmissores desta doença. Devido a isso, o governo distrital teve de intervir. Os camionistas já não podem pernoitar aqui. Só podem ficar no máximo duas horas, e não para dormir.

@V – Quem são as principais vítimas?

MJD – São as mulheres. O distrito de Moatize tem poucos homens. Há homens casados com mais de duas mulheres. Já se pode imaginar o que acontece no caso de este marido contrair o vírus. Todas as suas esposas sofrem.

@V – Como é que tem sido a vossa relação com as estruturas do distrito, nomeadamente a Administração, o Conselho Municipal e a Direcção da Saúde?

MJD – Tem sido boa, não temos problemas. O município, assim como a administração do distrito, têm sido os nossos parceiros. Porém, há bairros cujos secretários inviabilizam o trabalho dos nossos activistas. Pedem credenciais. Expusemos o caso ao município e à administração e já foi resolvido. Agora temos credenciais que apresentamos sempre que vamos aos bairros.

@V – Mas a que se deve essa tentativa de inviabilização dos trabalhos da vossa organização?

MJD – É difícil responder a essa questão, só pode ser colocada a eles. Para mim, eles confundem os nossos trabalhos com política. Certa vez, organizámos uma reunião numa escola no bairro 25 de Setembro e apareceram pessoas que diziam que nós éramos do partido X. Tivemos de mostrar as nossas camisetas e explicar que os nossos trabalhos não estão ligados à política.

@V – Disse que a RAMBOG trabalha na área da Saúde mas também não deixa de intervir noutras áreas. Quais são os outros problemas com que o distrito de Moatize se debate?

MJD – Temos o caso da malnutrição devido à falta de chuva, que está ligada à baixa produção de alimentos. Há problemas de água. O Fundo de Investimento e Património de Água Potável (FIPAG) não está a conseguir responder à demanda. Há mais de seis meses que não jorra água nas nossas torneiras mas mensalmente recebemos facturas. Eles cobram uma taxa fixa de 118,00 meticais do contador.

Quem não tem contador paga 310,00 meticais. Vemos crianças que deixam de ir à escola e senhoras que não fazem certos trabalhos em casa para ir buscar água no rio Revúbuè. Fomos ter com o engenheiro do FIPAG e este disse-nos que o problema estaria resolvido até o dia 25 de Novembro do ano passado porque tinham aberto mais quatro furos e adquirido bombas para aumentar a pressão, mas até agora nada.

Outra questão tem a ver com a empresa INTERWASTE, que se dedica à recolha de resíduos sólidos e químicos, lixo industrial, limpeza de fossas e ao aluguer de casas de banho móveis. Ela deposita toda a sujidade (dejectos humanos, urina, …) num tanque e de noite descarrega-a num riacho que vai dar ao rio Revúbuè, que é onde vamos buscar água. O Revúbuè desagua no rio Zambeze.

É a empresa que presta serviços à mineradora Vale Moçambique e a muitas empresas implantadas aqui em Moatize. O proprietário é um cidadão sul-africano, e o diálogo com ele tem sido difícil. O que ela faz constitui um perigo à saúde de milhares de cidadãos. Por mais que nós não dependêssemos deste rio para ter água, esta é uma acção desumana, criminosa.

@V – Ainda em relação ao sector da Saúde, a comunidade queixa-se da falta de respeito aos doentes, morosidade no atendimento e de cobranças ilícitas no Centro de Saúde da Carbomoc.

MJD – Sim, isso acontece. Há casos de falta de respeito aos doentes por parte dos enfermeiros no Centro de Saúde da Carbomoc, morosidade no atendimento e cobranças ilícitas.

Por exemplo, para ter acesso à ambulância, o paciente ou a família tem de pagar 450,00 meticais. Estas preocupações foram apresentadas pela presidente da RAMBOG, Rita Victorino Domingos, num debate sobre o atendimento no hospital distrital, que teve lugar no Instituto Médio de Geologia e Minas de Moatize.

Aliás, todas estas preocupações foram traduzidas em documento. Mas não são só esses problemas. Há venda de medicamentos que deviam ser de distribuição gratuita protagonizados pelos enfermeiros, que também abandonam regularmente os seus postos para tratar de assuntos de índole pessoal sem ao menos dar uma satisfação.

As mulheres grávidas reclamam do atendimento. Elas acusam os enfermeiros de estarem a efectuar cobranças ilícitas. Caso não aceitem entrar nestes esquemas, são tratadas de forma desumana. Há falta de medicamentos na farmácia. Aos doentes é sempre recomendado que recorram às farmácias privadas.

@V – Qual foi a posição das estruturas do distrito face às denúncias?

MJD – Bem, a representante do governo distrital, Adelaide Mário, reconheceu os problemas. E foi mais longe ao reconhecer que o mau atendimento não se verifica apenas no sector da Saúde, daí que tenha apelado à comunidade para que denuncie os problemas de outros sectores de actividade.

Por outro lado, a representante da Direcção Distrital da Mulher e Acção Social de Moatize reconheceu a existência de problemas de comunicação no seio dos funcionários bem como dos próprios pacientes. Outro aspecto tem a ver com o abandono de doentes por parte dos seus acompanhantes.

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