Quando “Tropa de Elite 2” passou no Festival de Berlim, em Fevereiro, José Padilha já tinha pulverizado o box office no seu país e, com ele, um recorde de 35 anos, o de “Dona Flor e os seus Dois Maridos”, até então o filme brasileiro mais visto de sempre.
Em 1976, “Dona Flor…” foi visto por 10 milhões de pessoas. “Tropa de Elite 2” chegou perto dos 11 milhões e continua a circular na Net. Qual é o motivo deste êxito? O primeiro filme dividiu as opiniões (houve quem exclamasse “genial” e “fascista”) aquecendo os ânimos – com a mesma falta de discernimento. Com o segundo episódio foi tudo mais calmo. Padilha explica porquê.Qual é a maior diferença entre os dois filmes?
José Padilha (JP) – No Brasil, este filme representa um ataque à corrupção dos políticos, que no meu país é a regra. E os brasileiros não gostam mesmo nada deles. O primeiro “tropa de Elite” tinha uma estrutura rara. O narrador, o capitão Nascimento, não possuía um passado dramático, não se alterava do início ao fim, e o espectador que se aproximava emocionalmente dele, sem se abstrair da narrativa, corria o risco de não perceber a crítica política do filme.
Porque Nascimento jamais a dava. Ele era apenas igual a si próprio. Em “Tropa de Elite 2”, o narrador, de novo Nascimento, apercebe-se desde o primeiro minuto que está a ser enganado. Descobre que é um fantoche dos políticos. Que o seu inimigo é outro. Talvez tenha sido por isso que o público aplaudia de pé durante as sessões.
Acha que a saga continua com o novo filme?
(JP) – Não sei. Acho que não, já disse tudo o que tinha a dizer sobre o assunto. Sabe, no Brasil, toda a gente pensava que “Tropa de Elite 2” era mais do mesmo. Mas o seu tema é muito mais abrangente. Eu fiz três filmes sobre violência. No documentário “Ônibus 174”, temos um miúdo de rua a ser maltratado pelo Estado, atirado para péssimas escolas que mais parecem campos de concentração.
O que eu queria dizer é que o Estado está a criar indivíduos violentos porque negligencia instituições vitais para a sociedade. Em “Tropa de Elite”, eu digo: o Estado cria polícias corruptos pois selecciona maus elementos, sem educação nem treino, paga-lhes péssimos salários e ainda os doutrina com ideias loucas sobre violência.
Ou seja, são dois filmes que falam de grupos de pessoas produzidos pelo aparato do Estado e que contribuem para a criminalidade existente. “Tropa de Elite 2”, por seu lado, pergunta: ‘Porquê?’ Podia, é verdade, ter feito o mesmo filme, talvez com outras personagens. Mas decidi aproveitar o filão comercial de “Tropa de Elite” para ir mais longe: e pus a boca no trombone.
Qual foi a reacção dos políticos brasileiros ao novo trabalho?
(JP) – As cenas no congresso da Câmara dos Deputados incomodaram muitos. Houve debates, e o presidente dessa Câmara, Michel Temer – que hoje é vice-presidente do Brasil -, discutiu o filme em praça pública. Respondi-lhe nos jornais. Sinceramente, achei que íamos ser processados. Confesso que tínhamos uma equipa de advogados preparada para a nossa defesa. Acontece que o filme estreou numa sexta-feira e na segunda- -feira seguinte já tinha feito três milhões de espectadores. Nenhum político ousou fazer nada…
Usou o sistema contra ele próprio?
(JP) – Pode dizer-se isso. Em “Tropa de Elite”, a polícia impediu-me de filmar. O Governo não dava acesso aos locais. Depois da estreia, fui 12 vezes processado por outros tantos elementos do BOPE – e a todos ganhei no tribunal. Foi tudo bastante complicado. Mas em “Tropa de Elite 2” tive acesso a tudo! A sala dos Congressos que vemos no filme é a verdadeira sala da Câmara dos Deputados.
Todas as portas se abriram porque a publicidade ao filme já há muito que andava a circular na TV – ainda ele não estava pronto. Aliás, os media fazem parte da mesma teia de corrupção, e esse aspecto é bem claro em “Tropa de Elite 2”. Eu sei que os políticos odeiam este filme. Só que não podem fazer nada.
Até que ponto foi importante o trabalho de pesquisa que efectuou?
(JP) – Sem esse trabalho não havia filme. Passei dois anos a preparar “Tropa de Elite”. Entrevistei mais de 30 polícias e acabei por convidar um deles para coescrever o argumento, juntamente com o Bráulio Mantovani. Trabalhámos juntos para termos um ponto de vista fidedigno. Para o segundo filme, passei longos dias a assistir às sessões da Câmara dos Deputados. A entrada é livre. Li documentos privados, fui às favelas, às prisões…
A minha experiência diz-me que as sociedades levam longo tempo a transformar- se. Mas às vezes, e nalguns períodos da história, mudam abruptamente. Um dia, perguntei a um antropólogo: “Você tem alguma explicação para a violência?” Ele respondeu-me: “A violência não precisa de explicação, só a paz.” Porquê? Olhe para a história da Humanidade.