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Estupradores impunes enquanto Parlamento não revê Código Penal em Moçambique

Estupradores impunes enquanto Parlamento não revê Código Penal em Moçambique

Enquanto o Governo toma a violação sexual como um crime insignificante e cuja solução não é, aparentemente, premente e a Assembleia da República aprova uma proposta do Código Penal prenhe de preceitos infames, que consubstanciam a desprotecção das vítimas de estupro, no dia 30 de Março passado, uma adolescente de 13 anos de idade foi abusada sexualmente por um grupo de três indivíduos ainda em parte incerta, no bairro de Namutequeliua, na cidade de Nampula. Em Maputo, um jovem de 35 anos de idade manteve uma cópula forçada com a sua própria mãe, de 85 anos de idade. São mais dois casos a ilustrar a impunidade deste tipo de maldade perpetrada contra as mulheres e as crianças.

No princípio da noite daquele dia, numa zona chamada “Nasser”, a menor cujo nome omitimos por razões óbvias, regressava de um mercado sito nas proximidades da sua área residência na companhia de uma prima, dois anos mais velha. Durante o percurso, as raparigas foram interpeladas por dois indivíduos desconhecidos e instadas a escoar a água da chuva que estava estagnada nas imediações de uma linha férrea.

Volvido algum tempo, os supostos predadores sexuais pediram para que as adolescentes lhes acompanhassem até um bazar perto do local onde se encontravam para comprar uma recarga de telemóvel, tendo a menina mais velha manifestado vontade de ir mas não podia porque devia chegar cedo à casa com vista a preparar o jantar. Perante essa indisponibilidade, os criminosos sentiram-se desobedecidos. A rapariga de idade avançada pôs-se em fuga por temer o pior. Entretanto, os bandidos arrastaram a rapariga mais nova pelo braço até uma mata chamada “Demo”, onde, segundo a vítima, estava um terceiro agressor à espera dos seus comparsas.

A ofendida narrou que no sítio foi cercada, despida, apalpada e os seus choros e gritos por socorro não surtiram efeito porque os malfeitores – um de cada vez – abusaram-na sem misericórdia e abandonaram-na no local com a roupa ensanguentada. Consumado o acto, a vítima não teve socorro imediato e permaneceu no sítio do crime para recuperar as forças de modo a arrastar-se até à casa, a dois quilómetros dali. A menina disse que não conseguiu fixar o rosto dos violadores. Os parentes foram alertados pela prima da menina violada sobre o que estava acontecer. Eles mobilizaram os vizinhos para salvar a menina e se fosse possível fazer “acertar as contas” com os protagonistas de um crime hediondo como aquele.

Entretanto, quando eles chegaram ao local, os estupradores haviam desaparecido sem deixar rasto, nem a menina estava lá. Contudo, a lei, já aprovada na generalidade pelo Parlamento, em Dezembro de 2013, não penaliza os predadores sexuais; pelo contrário, favorece-lhes e dá-lhes mais vigor para continuarem a causar a desgraçar mulheres e crianças, causando traumas na sociedade. Nas condições em que a nova versão do Código Penal foi aceite pelo Parlamento, ela viola grosseiramente os direitos humanos, especialmente os dos menores.

Por exemplo, o artigo 223 do Código Penal – sobre os efeitos do casamento – estabelece que em caso de violação sexual de uma menor de 12 anos, se a pessoa acusada se casar com a sua vítima põe-se termo à acusação da parte ofendida e também à prisão preventiva do ofensor. A acção prossegue na justiça até ao julgamento final. Se houver condenação, uma vez que o agressor já está casado com a vítima, a pena fica suspensa. Depois de cinco anos de casamento, sem ter havido divórcio ou separação judicial, a pena caducará.

Para as organizações da sociedade civil a norma em alusão tem como consequência, por exemplo, o facto de as mulheres adultas terem mais força e autoridade para se recusarem a casar com os seus agressores, mesmo que a família as pressione. Mas as crianças terão menos oportunidades de evitar um casamento, se esse for do interesse das famílias. As meninas, depois do horror da violação, ainda serão obrigadas a casar-se com os seus agressores. Como serão as suas vidas? Este é o pior pesadelo para as vítimas de violação.

Mau serviço da Polícia

Na tentativa de localizar os malfeitores, os familiares da miúda estuprada recorreram à Polícia do Centro Maior de Segurança da Unidade Comunal Samora Machel para pedir auxílio, porém, os agentes da Lei e Ordem negaram “vasculhar” a mata alegadamente porque o crime não fazia parte da sua jurisdição e por falta de autorização do comandante da sua subunidade. Em Moçambique, sobretudo na zona rural, o crime de violação sexual é muito pouco denunciado em virtude de as vítimas terem vergonha ou as famílias preferirem esconder o problema.

Mas, em parte, há ainda o facto de as autoridades serem ineficientes em relação tratamento do assunto. Todavia, os parentes da ofendida, apesarem de terem solicitado o apoio da Polícia, esta desvalorizaram a situação. Agastada com isso, a tia da vítima disse ao @ Verdade que a corporação agiu de má-fé uma vez que o local do crime está sob jurisdição da quarta esquadra, onde os policiais em causa estão afectos e não precisam de nenhuma anuência do seu chefe. Os pais da adolescente retomaram as buscas por contra própria mas o esforço deles foi em vão.

Houve quem pensou que a menina havia sido assassinada e o desespero aumentou. Nesse momento, a moça que inicialmente alertou sobre a violação e que de tanto estar abalada pela forma como a sua companheira foi arrastada para a mata não quis participar nas averiguações, telefonou para a tia a informar que a prima já estava em casa, mas debilitada.

Era o momento certo para a os agentes da Polícia acompanharem atentamente o caso e dizer o que devia ser feito uma vez que a rapariga ainda trazia as roupas do crime. Porém, a corporação foi sensível e fingiu que nada havia acontecido. Não se fez nenhuma pergunta à rapariga estuprada, apenas emitiu-se uma guia para a menina se apresentar no hospital onde seria submetida a exames médicos. À nossa Reportagem a adolescente disse que não conseguiu fixar os rostos dos estupradores e passou dois dias a sangrar em resultado da agressão.

Atendimento insatisfatório

No Hospital Central de Nampula, a adolescente permaneceu horas a fios sem ser atendida. Ela deu entrada por volta da 20h:00 mas só teve assistência médica na tarde do dia seguinte. Quando ela e a tia chegaram à unidade sanitária foram informadas, por uma servente, de que o médico ginecologista que devia cuidar da paciente estava ausente.

Devido a esta situação, minutos depois, a gente de saúde aconselhou as pacientes, que esperavam impacientemente pelo terapeuta, para que fossem para casa a fim de repousarem. Perante a relutância da senhora que acompanhava a doente em abandonar o hospital, a servente disse que havia uma alternativa: esperar pela outra médica que havia de estar em serviço no turno do dia seguinte.

A parente e a enferma esperaram até às 06h:00 da manhã, altura em que a referida terapeuta se fez à unidade sanitária mas, também, não prestou atenção ao caso da menina. “Fiquei na porta, de pé, à espera que a minha sobrinha fosse atendida. Estranhamente, às 11 horas apareceu uma menina que igualmente foi violada sexualmente mas não demorou a ser atendida. Fiquei a saber de que a tia dela trabalha no mesmo hospital”.

Nessa altura, a rapariga chorava incessantemente por não saber em que estado de saúde se encontrava. O seu maior receio era ter contraído alguma doença. Por volta das 14h:00, a rapariga estuprada foi atendida, tendo as análises indicado que, felizmente, não está infectada pelo VIH/SIDA. Após o atendimento, houve dificuldades para comprar os medicamentos prescritos pelo médico porque não existiam na farmácia daquele Hospital Central de Nampula e a família não está contente com os testes feitos.

Algumas falhas

A assistência dada à cidadã a que nos referimos foi ineficaz e, à semelhança do que aconteceu em relação a outros casos, os agressores continuarão impunes. Primeiro, na esquadra os agentes da Lei e Ordem pautaram pelo desleixo diante de um crime hediondo que tende a infestar a sociedade. É difícil entender se a Polícia agiu dessa forma por má-fé ou por desconhecimento das norma para este tipos de situações, principalmente para a necessidade de se guardar as evidências do crime.

Segundo, os técnicos do Hospital Central de Nampula negligenciarão totalmente o processo de atendimento. Os enfermeiros ou médicos não seguiram o Protocolo Médico de Assistência às Vítimas de Violência Sexual. Aqui, também, não se sabe se foi por desleixo ou algo propositado, porém, pela forma como as unidades sanitária tratam estes casos parece ser mais fácil acreditar que se tratou de incúria premeditada.

Que fazer em caso de violação sexual?

• Mantenha a calma e tente fixar o maior número de indicadores que lhe permitam descrever o agressor, cor e corte de cabelo, cor dos olhos, cicatrizes, sotaque, outras características, quer do agressor, quer do veículo, se existir, como marca, cor, matrícula, etc.;

• Não faça uma higiene profunda, a nível ginecológico, sem ser vista/o por um médico ou perito;

• Preserve todas as peças de roupa que vestia na altura da violação, sem as lavar;

• Preserve qualquer objecto que lhe pareça ser pertença do agressor, mesmo uma ponta de cigarro;

• Dirija-se à esquadra de Polícia mais próxima e o mais rapidamente possível. As peças de roupa e os objectos referidos anteriormente são para entregar na altura da apresentação da queixa;

• Na esquadra deve ser encaminhada para os serviços de urgência da unidade sanitária mais próxima, onde deve ter prioridade no atendimento;

• Na unidade sanitária devem ser colhidas evidências da violação sexual e a vítima deve ser tratada de acordo com o Protocolo de Assistência às Vítimas de Violência Sexual.

O que é o Protocolo Médico de Assistência às Vítimas de Violência Sexual?

Este Protocolo é um regulamento de aplicação obrigatória em todas as Unidades Sanitárias, e que visa garantir o bom atendimento a todas as vítimas, prevenir doenças que possam surgir em resultado da violação e fornecer provas para instruir o processo criminal, permitindo a criminalização dos agressores.

O Protocolo inclui as seguintes medidas, se a violação ocorreu antes de terem decorrido 72 horas:

• Fazer a testagem rápida para o VIH

• Fazer a testagem da sífilis

• Fazer a colheita de secreções vaginais para avaliação médico-legal

• Providenciar quimioprofilaxia para o VIH por um mês (para evitar contrair o vírus)

• Contracepção de emergência (para evitar engravidar do violador)

Se já tiverem passado mais de 72 horas:

• Realizar a profilaxia para as ITS (infecções sexualmente transmissíveis)

• Realizar a testagem rápida para o VIH e Sífilis

O que fazer se for violado

As normas do Ministério da Saúde recomendam que, em caso de violação sexual, todas as mulheres e adolescentes com mais de 11 anos devem fazer a profilaxia da gravidez (contracepção de emergência). Todos os que forem sexualmente violentados, homens ou mulheres de todas as idades, devem fazer a profilaxia contra outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (ITS) e a Profilaxia Pós-Exposição ao VIH se forem seronegativos. Se os técnicos de saúde que atendem não oferecerem ou não fizerem a profilaxia, deve-se recorrer à direcção do hospital. Se não for possível falar com a direcção da unidade sanitária, pode-se contactar a Inspecção Geral de Saúde, através da Linha Verde.

O que diz o Código Penal?

 

ARTIGO 223 – Efeitos do casamento

Este artigo diz que em caso de violação sexual e de violação sexual de menor de 12 anos, se a pessoa acusada se casar com a sua vítima, põe-se termo à acusação da parte ofendida e também à prisão preventiva. A acção prossegue na justiça até ao julgamento final. Se houver condenação, uma vez que o agressor já está casado com a vítima, a pena fica suspensa. Depois de cinco anos de casamento, sem ter havido divórcio ou separação judicial, a pena caducará.

Quais são as consequências desta norma?

As mulheres adultas têm mais força e autoridade para se recusarem a casar com os seus agressores, mesmo que a família as pressione. Mas as crianças terão menos oportunidades de evitar um casamento, se esse for do interesse das famílias. As meninas, depois do horror da violação, ainda serão obrigadas a casar-se com os seus agressores. Como será as suas vidas? Este é o pior pesadelo para as vítimas de violação.

Em Marrocos, a lei é igual: permite que um estuprador evite a acusação e uma longa sentença ao se casar com a vítima, se ela é menor. Por este motivo, em 2012, Amina Filali, de 16 anos de idade, que foi violada, espancada e forçada a casar-se com seu violador, suicidou-se. Foi a única maneira que ela viu para escapar da armadilha. Esta tragédia está a levantar as vozes de mais de 8 centenas de milhares de pessoas no país, que protestam para que esta lei seja revista.

A quem beneficia esta norma?

Aos violadores e às famílias. Existe a ideia de que a violação de uma mulher é uma desonra e uma vergonha para a família. O bem jurídico que se pretende defender com esta norma não é a vítima, mas a honra da família. Não importa se isso destruirá a vida das vítimas que já tanta violência sofreram.

Artigo 216

A violação é a cópula ilícita com qualquer pessoa

Implica: ser contra a sua vontade, por meio de violência física, de veemente intimidação, ou de qualquer fraude

Também é violação quando a vítima está privada do uso da razão, ou dos sentidos

Quais são as consequências desta norma?

1 Quando se diz “cópula”, só se refere à penetração vaginal. Logo, ficam de fora outras formas de violação por via anal, oral, ou por introdução de objectos.

2 Ao falar em “cópula ilícita”, está-se a considerar que não existe violação no casamento. Como resultado, o marido pode violar a esposa sem que isso seja considerado crime.

3 A violação sexual é um crime particular, pelo que a vítima deve constituir advogado para acompanhar o processo, constituindo isso uma carga financeira que muitas vítimas não podem suportar.

O artigo 216 vai contra a Constituição de Moçambique

Discriminação das mulheres casadas: quando as mulheres se casam, o Estado deixa de lhes reconhecer o direito de decidirem sobre o seu corpo e a sua sexualidade. O marido aparece como o proprietário do corpo dela. Esta lei vai contra o princípio da igualdade entre mulheres e homens, garantido pela Constituição.

Desprotecção das vítimas de sexo masculino: Ao não se reconhecer como crime de violação as relações sexuais forçadas via anal, oral ou com introdução de objectos, não se está a proteger as pessoas de sexo masculino, que são vítimas de violência sexual.

Desprotecção de outras vítimas de violência sexual: Do mesmo modo, as mulheres que forem violadas por via anal, oral ou por introdução de objectos, ficam também sem protecção da lei.

Inspecção Geral de Saúde

(Linha Verde)

Contactos por província:

Maputo Cidade – 84 151

Maputo Província – 84 152

Gaza – 84 153

Inhambane – 84 154

Sofala – 84 155

Manica – 84 156

Tete – 84 157

Zambézia – 84 158

Nampula – 84 159

Niassa – 84 160

Cabo Delgado – 84 161

Em caso de dificuldade, a Inspecção Geral do MISAU pode ser contactada através do número de telefone fixo 21 305 210.

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