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Toma que te dou: estou lixado com este demente duma figa

Já o disse várias vezes, os dementes não pertencem ao nosso chão. Se fossem daqui, envaideciam-se, mas eles não se envaidecem, embevecem. Também já o afirmei, mais do que uma vez, os psiquiatras nunca conseguirão estar do lado da ala dos dementes.

A demência ultrapassa o entendimento da Ciência. A demência é uma dádiva, e há muitos malucos por aqui, que passam a vida a dizer que os dementes são malucos. Malucos são vocês, seus desgraçados! O demente tem esta capacidade de levitar, de comunicar para além desta parede, de estar por de cima de toda a folha, olhando para o chão onde tu estás, seu estúpido!

E todos os dias cruzo-me com este demente sagrado, quase sempre no mesmo lugar, e mais ou menos às mesmas horas. Traz sempre a mesma roupa, que nem é dele. Carrega o mesmo aço sujo, cheio de objectos indecifráveis que conseguiu juntar aparentemente por coincidência. E o demente nunca faz nada por coincidência. Ele obedece aos sinais, que tu nunca percebeste, seu pobre de espírito!

Pois eu cruzo-me com ele quase todos os dias, quase no mesmo lugar, e mais ou menos às mesmas horas. E nunca me espanto pelo facto de, sempre que nos cruzamos, ele olhar para mim de forma particular, dócil. Ele cumprimenta-me e chama-me pelo nome, mas eu não sei quem ele é. E nem quero saber, da mesma forma como nunca desejei ver o rosto de Deus.

Ele sempre cumprimenta-me com reverência, chamando- me pelo nome, e eu tremo por dentro, como se todas as agulhas deste chão, que eu também piso, estivessem a penetrar cada detalhe do meu coração. E isso é um júbilo.

Passei a fazer parte do roteiro deste demente, e ele também passou a fazer parte do meu roteiro. Nunca me pediu nada, o demente não esmola pela rua, embora vista a mesma roupa que nem é dele. Ele apanha os restos daqueles que têm comida para deitar ao lixo.

O Lázaro também comia, junto ao canil, as sobras do rico. E Lázaro era filho de Deus. E filho de Deus. E eu tenho a sorte de me encontrar com Lázaro esvaziado neste corpo franzino que se vai cruzar comigo quase todos os dias, quase no mesmo lugar, mais ou menos às mesmas horas. E Lázaro cumprimenta-me, chamando-me pelo nome.

E Lázaro estava banhado de lepra maligna, cheio de feridas que os cães lambiam com prazer, enquanto o filho de Deus comia, junto ao canil, as sobras do rico. Lázaro deitava um cheiro repelente, como todos os leprosos e Deus amava-o. Este meu demente também cheira horrivelmente, e eu amo-o.

Quando saio de casa, de manhã, entregando-me a estradas sem me preocupar com o que me vai acontecer, pois o meu destino está nas mãos de Deus, penso imediatamente no demente que se vai cruzar comigo.

Desce sobre mim a ansiedade de ouvir este poeta que comunica com seres invisíveis, a pronunciar com leveza o meu nome. Ele também, muito provavelmente, quando chega àquele lugar, pensa em mim. Mas eu não sei quem ele é, nem estou preocupado com isso, como nunca desejei ver o rosto de Deus.

Siyavuma!

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