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Estatísticas que nos condenam

Termina em menos de duas semanas mais um ano em que os activistas culturais deste Moçambique – mais uma vez e de forma persistente – procuraram impor-se face os factores que ofuscam o desenvolvimento artístico-cultural do país. Como causa e efeito, alguns prémios – Camões e Neustadt, para Mia Couto, Revelação no Festlip para o Teatro Lareira Artes, no Brasil, incluindo outros para o documentário Virgem Margarida de Licínio Azevedo foram conquistados. Falamos sobre estatísticas porque neste país são glorificadas. O problema é que as nossas realizações bem-sucedidas são contáveis pelos dedos de uma mão. No entanto, as lamúrias que povoam os discursos proferidos por quem depende das artes para (sobre)viver continuam a gerar-se. Saiba as razões…

As estatísticas aqui são invocadas porque são o argumento que, vezes sem conta, o Governo moçambicano tem sublimado para sustentar o fraco apoio – quase nenhum – que direcciona ao sector das artes. Acusam-no de ser menos produtivo. No entanto, a nossa experiência mostra que agindo contra todas as limitações, de natureza técnica e material, os artistas moçambicanos continuam a gerar obras que glorificam a nação dentro e fora.

Por exemplo, sob o ponto de vista de premiação, neste ano, destacam-se os criadores Mia Couto que ganhou o prémio Camões, o mais importante na literatura de língua portuguesa, tornando-se o segundo escritor moçambicano depois do poeta-mor, José Craveirinha. Este mesmo escriba conquistou o prémio Neustadt, uma espécie de Nobel dos Estados Unidos da América.

No cinema, o documentário Virgem Margarida, que se estreou no país, no âmbito do Primeiro Festival de Cinema Africano de Maputo, outra realização notável, amealhou vários prémios em festivais realizados em países africanos e europeus. Nas artes cénicas, o Teatro Lareira Artes conquistou o prémio Revelação no Festival Internacional de Teatro de Língua Portuguesa, Festlip, realizado no Brasil, em Agosto, onde participaram grupos teatrais de Angola, Cabo Verde, Brasil, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Galiza. Realizou-se também o X Festival de Teatro de Inverno, em Maputo, que teve a participação de actores de Angola e Brasil.

Vale a pena também referir que, por causa da falta de salas de teatro, enquanto algumas continuam a funcionar como covis, perante a indiferença de quem dirige a área, os actores moçambicanos, sobretudo em Maputo, continuam pendurados em espaços alternativos, revelando que a sua luta pelo desenvolvimento artístico segue em frente, expressando uma reivindicação por um direito que lhes está a ser recusado.

Ainda neste ano, em Maputo, o Cinema Charlot foi reduzido a cinzas por um incêndio. Instalou-se um movimento interessante, em Maputo, marcado pela realização de concertos estruturados em moldes de festivais. Destacam-se o Moment of Jazz, o More Jazz Series, o Azgo Festival, o Festival Marrabenta, e o Festival Internacional Umoja, incluindo a abertura de novas casas de pasto. Essas realizações deram uma lufada de ar fresco aos artistas, bem como aos amantes das artes.

Os músicos que publicaram trabalhos discográficos – e são congratulados pelo esforço empreendido – também são quantificáveis em número muito limitado, destacando-se Carlos Gove, com o disco Masone, Isabel Novella, com a obra cujo título é o seu nome, Yolanda Chicane, com o álbum Serenata e o cantor Abel Laste com o disco Recomeçar.

No campo literário, onde os números também nos condenam, constata-se que as publicações artísticas não foram expressivas. Continuam a ser os mesmos escritores consagrados – Luís Carlos Patraquim, Mia Couto, Calane da Silva, Ungulane Ba Ka Khosa, Paulina Chiziane e Paulo Borges Coelho – a publicar obras, o que significa que há pouca aposta nos novos talentos. As editoras livrescas – as do livro de cartão quase desapareceram – não publicaram praticamente nada.

O nível de escrita baixou. Praticamente nenhum livro de crítica foi publicado. Poucos (quase nenhum) escritores moçambicanos participaram em eventos de especialidade fora do país. Também, em Moçambique, não realizámos nenhum encontro sério sobre a literatura.

Neste ano, também tivemos a morte de alguns artistas moçambicanos como, por exemplo, Alberto Mhula, José Cardoso, Lídia Mate, Alex Ferreira, entre outros que deixaram a cultura moçambicana pobre. Por outro lado, a legislação cultural do país tem-se mostrado pouco operacional (ou operacionalizada) para que os projectos dos criadores se materializem.

Em resultado disso, as reclamações inerentes à falta de apoios têm surgido de todos os cantos do país, incluindo a capital Maputo. De uma ou de outra forma, tendo-se escolhido algumas áreas de produção artístico-cultural para a construção desse retrato do cenário do sector – em que, por causa de todos os factores narrados, o nosso êxito não ultrapassa os cinco pontos – expõe-se a seguir a voz popular dos artistas.

“Não temos espaço” – Horácio Guiamba, actor

“No mundo das artes, no teatro principalmente, é muito importante que as pessoas tenham espaço de acção para expor as suas obras. Por isso, eu gostaria que um dia, em todas as capitais provinciais, os artistas tivessem uma sala disponível para fazer arte – sem terem de arrendar. Eu conheço este país. Ele tem um grande potencial nas artes. Felizmente não fui desviado porque até agora estou no teatro, mas há grupos com actores talentosos que não conseguem evoluir porque não têm espaço para o efeito”.

Kinani, evento cultural

“Utilizámos este edifício em ‘suspensão construtiva’ a fim de sensibilizar e alertar todos os agentes das artes performativas, e o público em geral, para a falta de espaços de trabalho para os artistas. Por outro lado, tem-se a intenção de apresentar soluções no uso e aproveitamento do património em deterioração. Mas também se pretende exaltar as qualidades intrínsecas de espaços abandonados a fim de servirem de acolhimento a eventos artísticos”.

Arsénio Marques, produtor musical

“Em Nampula, as actividades culturais não se desenvolvem por falta de apoio. Aqui existiam muitas bandas musicais, muitas das quais desapareceram por falta de recursos para se manterem”.

Kelvou Ernesto, músico residente em Nampula

“Em Nampula, nós, os músicos, investimos nas nossas músicas e os dirigentes da área da cultura não nos apoiam. Por causa disso, muitos de nós estão a desistir da actividade artística”.

Bernardo Júnior, produtor de musical em Napipine

“Nos últimos tempos, há uma evolução no sector das artes. As pessoas ganharam consciência sobre a necessidade da valorização da produção local. Os cantores também produzem músicas com qualidade. Em cada dia nascem novos artistas. Por isso, apesar de o Governo não apostar tanto na massificação das artes, os criadores geram obras usando meios próprios para desenvolver as suas actividades”.

Sérgio Muiambo, músico em Maputo

“O país tem um crescimento que não se reflecte na vida dos artistas e dos cidadão no geral. Falta-nos tudo, desde equipamentos, cachets adequados, espaço para ensaios até mecenato. Para mim, a cultura desenvolve-se mais pelo esforço dos artistas”.

Vilankulos Dias, estudante de Artes Visuais

“Os feitos que tornam 2013 um ano bem-sucedido são muito poucas. Estamos a lutar para a possibilidade de voltarmos a ver filmes de qualidade e salas adequadas. Os moçambicanos não valorizam a sua cultura. Em Maputo só se exibe Jazz para um público acostumado a ouvir Pandza. Infelizmente, continuamos a aceitar tudo o que se nos oferece”.

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