Pelo menos três vezes por semana, as Super Dance, um grupo de bailarinas adolescentes, associam a escola à dança. Na sua maioria, vivem no bairro de Xipamanine, mas há, entre elas, quem vem de T3, Maxaquene, Hulene e Chamanculo. Explicam que tem sido um sacrifício deslocar-se até o Centro Cultural Ntsindya, onde ensaiam. No entanto, não desistem, afinal “quem quer (ser bemsucedido) sempre segue em frente”. Este ano preteriram a festa de 1 de Junho para realizarem um concerto no Teatro Mapiko.
O grupo infantil feminino Super Dance existe há dois anos, não obstante a sua colectividade ter mais tempo de existência. A forma como cada uma delas, em palco, se manifesta denuncia o modo como a dança molda as suas personalidades. Na sua maioria, senão todas, vivem nos bairros suburbanos de Maputo.
Conhecemo-las nos palcos do Teatro Mapiko, no Dia Internacional da Criança, 1 de Junho. No mesmo dia, as bailarinas não participaram num dos rituais impreteríveis para as pessoas da sua idade – a festa alusiva ao Dia Internacional da Criança. No entanto, seguramente, dizem que não estão constrangidas.
É como Alice, de nove anos, aluna de 5ª classe e da Escola Primária 25 de Junho e residente do bairro de Xipamanine, explica: “Não fui à festa de um de Junho porque tinha de vir à Casa Velha fazer o meu show de dança”. Esse discurso é repetido por quase todas as oito bailarinas.
Aliás, o comentário de Milena (residente do bairro T3 de 13 anos de idade) quando explica que “quem quer (alcançar os seus objectivos na vida) sempre segue em frente”, revela alguma segurança no trabalho que elas fazem.
A bailarina é aluna de 8ª classe no Centro de Formação Dom Bosco no bairro do Jardim. “Eu gosto de todas as disciplinas que tenho, com particular destaque para a de Desenho. Não fiquei triste por não ter ido à festa do Dia Internacional da Criança, porque nessa data tínhamos um show na Casa Velha”.
O que haverá na dança, a ponto de as crianças abdicarem da festividade do seu dia? “Quando nós dançamos sentimos uma coisa boa”, explica Milena.
Refira-se que esta bailarina nunca participou, mesmo como espectadora, num evento de moda. Mas a afeição que tem por essa área lhe moveu a visitar o ateliê do estilista moçambicano, Feliciano da Câmara, na cidade da Matola. Foi lá onde teve a certeza de que “quando eu acabar de estudar quero ser estilista porque gosto de desenhar vestidos”.
Ao que tudo indica, apesar de que a dança se pode tornar a actividade profissional das meninas, para elas está-se diante de um ponto de partida para outras áreas de produção humana.
Por exemplo, ao nível da moda, um sonho comum é partilhado por Milena e Chelsea que também quer ser estilista. “Quando danço sinto-me inspirada, no entanto, ainda não sei se serei bailarina quando crescer, mas o meu sonho é torna-me estilista porque gosto de coser roupa para a minha boneca”.
Num outro desenvolvimento, Chelsea afirma que, apesar de ser difícil conciliar a dança com a escola, nos dias úteis da semana, “nós conseguimos porque gostamos de dançar”.
A bailarina Aline Margarida, aluna da 5ª classe da Escola Primária Completa de Bagamoio, está-se a empenhar para dispensar este ano. Ela tem um sonho sublime. “Quero ser professora”.
Como tudo começou
O grudo infantil Super Dance existe há dois anos, mas o seu coreógrafo, Monteiro Cristiano Manhiça, tem uma relação umbilical com o bailado. Diz ele que “desde quando era criança sempre apreciei a dança. Por isso, em casa, eu competia com o meu falecido pai e as minhas irmãs. Para mim, bailar é um dom”.
Entretanto, “o meu talento só foi descoberto, há dez anos, no casamento da minha irmã. Não tínhamos um coreógrafo mas precisava-se de alguém para montar uma coreografia para o evento”.
Nessa altura, o mestre Cris – como as bailarinas o chamam – só praticava a Marrabenta, o Kwassa-Kwassa e a Valsa, mas de um maneira tímida. “Aceitei o desafio, montei a coreografia e o trabalho teve uma apreciação favorável”, recorda-se.
A partir daí, sempre que alguém casasse, solicitava uma actuação dos bailarinos de Cris. Foi nesse sentido que “descobri o meu dom na dança, tendo abraçado a carreira de coreógrafo”.
Depois surgiram os obstáculos. “Ao longo dos anos, passei por muita humilhação, desprezo, bem como conotações pejorativas mesmo por parte de alguns artistas. Felizmente, ultrapassei os obstáculos e estou a fazer um trabalho genuíno”.
O coreógrafo Monteiro Cristiano é mecânico da Empresa dos Caminhos- de-Ferro, em Maputo e trabalha por turnos. Por isso, “nas horas vagas, de madrugada, aproveito para criar as minhas obras”.
É difícil
Monteiro Cristiano trabalha com mais de 40 crianças no Centro Cultural Ntsindya, no entanto, desengane-se quem pensa que basta ter uma sala para a produção artística fluir.
“Estamos a passar por imensas dificuldades porque não temos um espaço adequado para ensaiarmos. O outro aspecto é que a direcção do Centro Cultural Ntsindya pretende ditar as regras no nosso trabalho, impelindo-nos a fazer danças tradicionais, o que não é a nossa aposta”.
As outras dificuldades são de natureza técnica. “Não temos uma aparelhagem de som, muitos menos apoios nesse sentido. Nós dependemos de pessoas de boa-fé”.
De uma ou de outra forma, “eu quero que essas crianças sejam projectadas aos mais altos patamares da dança e, por essa via, tornar-se evidente o meu talento como coreógrafo, o que poderá acontecer a partir do momento em que tivermos a possibilidade de realizar concertos fora do país”.