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“Estamos a construir ilhas de desenvolvimento em Moçambique”

António Muagerene, secretário executivo da Plataforma da Sociedade Civil de Nampula, defende que os megaprojectos devem reflectir-se no desenvolvimento humano. Porém, o mesmo não acontece porque, ao invés de se construir ondas de desenvolvimento, aposta-se na construção de ilhas. Muagerene afirma ainda que o Governo embarca em estratégias desenhadas pelos doadores internacional, apesar de não se enquadrarem na nossa realidade e, como consequência disso, Moçambique continua a figurar na lista dos 10 países mais pobres do mundo.

@Verdade – Qual é o objectivo da Plataforma da Sociedade Civil de Nampula?

António Muagerene (AM) – A Plataforma Provincial da Sociedade Civil de Nampula é uma estrutura de coordenação das Organizações da Sociedade Civil e não-governamentais que participam e desenvolvem programas de desenvolvimento na província, sobretudo na promoção da networking e na representação da própria sociedade civil, junto das várias redes temáticas que têm actividades em Nampula, e no suporte logístico, de reflexão a estas mesmas redes para que se posicionem quando estão com outros actores do sector público e privado, com conhecimento de causa e com informação suficiente de modo que possam advogar para as comunidades as oportunidades de forma mais conveniente e efectiva.

@Verdade – Quando é que iniciaram as vossas actividades?

AM – A estrutura de consenso entre organizações da sociedade civil começa no ano de 2009, com o ponto focal no diálogo entre o Governo e as ONG’s que seja inclusivo e participativo e de conserto de vários actores e é através disso que o primeiro plano estratégico e os seguintes têm uma componente designado por Unidade de Coordenação do Desenvolvimento Integrado da Província (UCODIN).

E, para que tivéssemos como andar, as organizações da sociedade civil tiveram de criar primeiro as redes temáticas, divididas por áreas de trabalho, ligadas ao desenvolvimento da província com destaque para as redes de educação, saúde, agricultura, micro-finanças, entre outras, nas quais estão envolvidas ONG’s e associações de base que trabalham em conjunto. E elas organizam-se para ter um secretariado rotativo.

Quando falamos da plataforma, estamos a falar de uma estrutura fluida, sem chefias como tal para aquilo que é fundamental e flexível para a promoção do desenvolvimento nas várias áreas. E naturalmente temos objectivos e métodos de trabalho que permitem tornar activa a sociedade civil provincial.

@Verdade – Como secretário executivo da Plataforma da Sociedade Civil, que avaliação faz do desenvolvimento da província de Nampula?

AM – Para fazer uma avaliação dessa questão é preciso que tenhamos alguns documentos normativos de crescimento da província de Nampula, e esse indicador nós encontramos no Plano Estratégico e Social da Província.

Esse serviço de avaliação tem sido feito no Observatório de Desenvolvimento Provincial (ODP), e aí olhamos para os indicadores das actividades conjuntas feitas em todas as partes da província para entender que progresso se verificou, e então cada uma das partes tem o seu ponto de vista em relação àquilo que está a ser realizado. E há elementos que são indicadores que constam no próprio Plano Estratégico e Social de Nampula, que é o instrumento acordado de trabalho para os três sectores.

Há vários progressos em vários cantos e é preciso acreditar nisso, com destaque para os campos de construção de capital económico, social e humano, bem como da própria governação em termos de relacionamento de actores, que interagem no processo de desenvolvimento.

@Verdade – Quais são os desafios para esses campos?

AM – Por exemplo, no capital humano que é a formação dos homens e mulheres para que sejam úteis à própria sociedade, os desafios prendem-se com o facto de como conseguir formar o homem real, a dimensão das necessidades da nossa província. Quero dizer que não se pode ver pelo número das universidade que temos mas, pela qualidade dos próprios homem, formados pelas universidades e que papel ele joga, na promoção de desenvolvimento, como encontrar as respostas certas para as necessidades das nossas comunidades.

E vemos essa situação pela qualidade dos homens formados nas universidades que temos e quais são as especialidades que existem e, portanto, há desafios aí para responder às necessidades das frentes de desenvolvimento, quer dizer quando se quer pedreiros, electricistas, canalizadores, onde se vai buscar, onde formamos, como é que alinhamos as nossas instituições de formação com essas necessidades. O outro nível é referente ao capital social, que é a integração do homem naquilo que são as organizações que permitem que ele participe de forma organizada para além da família, e eventualmente no mercado.

Na componente do desafio económico, que é contra a forma de dividir os recursos que nós temos em potencialidade, úteis de desenvolvimento e o bem-estar das nossas comunidades. Repare que como sociedade civil estamos a dizer para o bem da nossa sociedade e não necessariamente como melhorarmos os indicadores macro-económicos. O desafio é como esse desenvolvimento económico se transforma em condições objectivas para o bem-estar da população e da realização psicológica das nossas comunidades, e das pessoas.

A outra área é a da governação, e essa discussão já é bem avançada no país que é a necessidade de, por um lado, gerir aquilo que são as necessidades de desenvolvimento actuais e que necessitam de um impacto muito forte, arranjo institucional com técnicos competentes, nas áreas temáticas específicas de desenvolvimento, que possam gerir, acompanhar e fiscalizar as actividades económicas que estão a ser realizadas, ao mesmo tempo que eles participam nos outros sectores de desenvolvimento.

@Verdade – Os cursos ministrados pelas instituições de ensino em Nampula vão de acordo com as necessidades dos empregadores?

AM – Primeiro, temos que reflectir que cursos são e qual é a utilidade, com destaque para a promoção de desenvolvimento da província de Nampula. Era importante que os cursos tivessem alinhamentos com os planos do Governo, sobretudo as iniciativas de desenvolvimento, de modo a responder aos propósitos, e as necessidades desse mesmo desenvolvimento. É preciso fazer-se o levantamento preliminar do que são as potencialidades e o que são as nossas necessidades e demandas de desenvolvimento.

@Verdade – Na sua óptica quais seriam os melhores cursos para a província de Nampula?

AM – Não existem cursos melhores, o que há são cursos necessários. Neste momento, antes de chegarmos às universidades, a coisa que deve ficar clara é que as necessidades das grandes, médias e pequenas empresas ainda não estão satisfeitas, em termos de pessoal com nível básico e médio de realização de diferentes actividades, estamos a falar de carpinteiros, pedreiros, electricistas, nós ainda precisamos desses técnicos.

A outra questão é a falta de técnicos formados em institutos médios. Sabe-se que uma província em franco desenvolvimento como Nampula precisava de técnicos do nível superior que sabem fazer, e formados em engenharia, medicina veterinária, metalurgia e agricultura de modo a responder a esta mesma demanda. Imagine que já foram formados 100 geógrafos e conseguem emprego apenas 40 e os restantes ficam a passear, porque não têm o que fazer.

@Verdade – Qual é a sua opinião em relação aos megaprojectos em Nampula?

AM – Este é outro desafio do nível económico. A questão dos mega-projectos deve-se reflectir também no capital de desenvolvimento humano. Devemos ter empreendimentos que empregam pessoas e utilizam outros recursos para a integração da economia de uma determinada região. Posso explicar melhor.

Quando se diz que Nacala- Porto é uma Zona Económica Especial, assim como os megaprojectos, à volta dos mesmos devem existir serviços geridos localmente por pessoas nativas, que criam empresas e empregos para as suas famílias, e por via disso dizemos que a economia é equilibrante. Porque, na minha óptica, o que neste momento estamos a construir são ilhas de desenvolvimento. Devíamos construir ondas de desenvolvimento, as quais todos têm alguma coisa onde possam buscar o bem-estar, individual e familiar.

@Verdade – Os megaprojectos estão a contribuir para o desenvolvimento da população?

AM – Quando falamos dos megaprojectos, estamos a falar de empreendimento de capitais intensivos. O custo de investimento é muito alto em relação ao número de empregos que são criados, é por essa razão que dissemos que à volta dos megaprojectos há um grande potencial para a criação de empregos, mas se existir liderança suficiente para alinhar as possibilidades e alternativas de desenvolvimento de pequena e média empresa, aquelas que por iniciativa empregam mais gente.

Porque para a construção de um caminho-de-ferro, nos dias que correm recorre-se à maquinaria de elevado custo. A estrada em construção que sai de rio Lúrio para Ligonha, o que mais trabalha são as máquinas e não as pessoas. Cada máquina que funciona são milhares de meticais, senão dólares.

Então, essas máquinas substituem as pessoas e o que estamos a dizer é que à volta de cada um desses centros de produção de capitais intensivos é possível alinhar outras iniciativas de produção de emprego e de criação de empresas que permitam o aproveitamento das oportunidades que existem, quer a nível do comércio, quer do fornecimento de bens para essas grandes unidades que deviam ser essas que teriam a potencialidade de empregar mais gente.

@Verdade – Quer dizer que existem muitas empresas, mas empregam pouca mão-de-obra?

AM – Efectivamente, quero dizer que os megaprojectos não empregam muita gente, para que cada um possa ganhar um pouco, porque julgamos que essas oportunidades seriam satélites de oportunidades de combate à pobreza nas famílias moçambicanas.

@Verdade – O que é que a plataforma tem feito para inverter esse cenário?

AM – A plataforma está aberta, temos dinamizado e fortalecido as redes e áreas temáticas de desenvolvimento das actividades de promoção do desenvolvimento da província de Nampula, para que elas possam interagir, quer com o sector público, quer com o privado. E temos lutado no sentido de modo que a iniciativa respeite aquilo que é a integridade das nossas comunidades, de elementos culturais, ambientais, que são fundamentais em todo o processo de desenvolvimento.

@Verdade – Fala-se dos problemas de redistribuição da riqueza em Moçambique. Qual é o seu comentário em relação a isso?

AM – Eu vou responder usando as características da nossa economia. Por exemplo, em traços gerais, ela é caracterizada por um elevado crescimento da economia avaliada em 7 porcento ao ano e, ao mesmo tempo, quando colocas os indicadores dos planos de desenvolvimento por ano, são avaliados a longevidade, o nível nutricional, educacional, saúde, renda familiar, mostram claramente que Moçambique é um dos 10 países mais pobres do mundo.

Há evidências e não temos como negar que não temos conseguido fazer a redistribuição da riqueza de uma forma suficiente de modo a abranger toda a gente e que cada um possa dispor do mínimo em relação àquilo que afirmamos que está a crescer. Esse desafio é de natureza político e de falhas de políticas de desenvolvimento no que respeita ao que dispomos e redistribuímos de modo que cada um possa dispor do mínimo para desenvolver o bem-estar.

O que está a acontecer é que o país está a desenvolver, aumenta o número de exportações, mas ao mesmo tempo o país nunca distribui aquilo que consegue encaixar, aquilo que são as contribuições fiscais resultado das exportações, redistribuir de modo que possa também envolver os pobres. Nós estamos com níveis de pobreza a rondar os 40 a 45 porcento, o que significa que há um sector privilegiado e que fica com o maior bolo nacional.

O país optou por políticas do Plano de Redução da Pobreza (PARP’s), como estratégia política, no qual define uma posição ideal, e quando se olha para a realidade pode-se notar que há intenção de alívio da pobreza, mas a prática mostra claramente que há muitos desafios para que se consiga esse intento.

@Verdade – Isto significa que o Governo moçambicano não tem políticas próprias de desenvolvimento?

AM – Significa que o Governo embarca nas estratégias desenhadas pelos doadores internacional, apesar de não ter nenhum alinhamento com a realidade moçambicana. Alinhamento com aquilo que são as políticas de desenvolvimento. E esse é um outro campo da governação, que é como se faz o alinhamento das políticas para que se possa ter uma linha coerente de desenvolvimento que permite que, ao conceber uma política como a de jatropha, se realize aquilo que é a política, a estratégia e os desafios do país.

Então, ao longo dos anos, o que se observa normalmente tem sido essas políticas não articuladas com aquilo que é a exigência de desenvolvimento sectorial. E repare que quando falamos da jatropha, estamos a falar da agricultura. E a agricultura é a estratégia chave de desenvolvimento deste país.

Depois temos de ter consciência que a indústria é o par da agricultura, e deve-se reconhecer que nós temos cerca de 70 porcento da população que vive no meio rural e dedica-se à agricultura de subsistência, entretanto, sugiro à nossa elite pensante que melhore estratégias para que consiga favorecer de melhor maneira a agricultura e favorecer o desenvolvimento rural.

@Verdade – Justifica-se que num país com extensa terra arável a população passe fome e outras privações?

AM – Eu diria que em parte é pobreza estrutural, porque com o potencial e o número de terra arável que temos, a resposta é que não poderia existir pessoas a viverem com fome cíclica, ou comunidades que tenham bolsas de fome.

Como dizia antes, a agricultura é a base de desenvolvimento do nosso país, e devia-se desenhar políticas de modo a dedicar-se com maior esforço à produção agrícola e ao desenvolvimento rural, e acredito que se isso acontecesse poderíamos conseguir o mínimo para o auto-sustento das nossas comunidades.

Mas aí está o tal alinhamento com esses factores naturais. Deviam acontecer iniciativas de desenvolvimento na área de agricultura e no posicionamento do próprio produtor rural e agrário durante essas mesmas iniciativas de investimento que não acontecem.

@Verdade – Não acha que a culpa é da própria população que se deixa vencer pela preguiça?

AM – Não é verdade, a população nunca foi preguiçosa, mesmo nos locais onde não há estrada, mercados e investimentos em termos de maquinarias para a produção, as pessoas produzem e ao longo desses anos todos têm conseguido sobreviver, o que não acredito é que em Moçambique haja pessoas preguiçosas.

O que pode haver são políticas que não integram as pessoas para que elas melhorem as suas capacidades de produção. Cada família faz de tudo para manter o seu sustento, embora pouco, mas elas mantêm-se e têm técnicas rudimentares, e o desafio do Governo é aplicar técnicas e promover a extensão rural para que melhore as técnicas rudimentares para o crescimento da produção e da produtividade.

@Verdade – As ONG’s nacionais a operar em Nampula não são fantoches?

AM – A pergunta é muito forte. O que pode acontecer, não diria que haja ou não haja, mas posso acreditar que há organizações onde há pessoas politicamente fortes.

Agora se chegam a ser fantoches, não posso afirmar, por uma razão muito simples: a sociedade civil normalmente não tem estrutura hierárquica, tem as normais nas quais você se entrega a uma causa e entra nela, então pode haver alguém politicamente correcto e que não agrade a muitos e se afirma como sociedade civil com os seus fortes interesses comuns com a sociedade.

Não se pode dizer, sim senhora, está é uma sociedade civil fantoche porque tem gente honesta. Mas também quero dizer que há situações que têm a ver com a estruturação do Estado. Este país é democrático, é permitida a criação de partidos políticos, associações comunitárias e ONG’s.

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