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Espólio Du Nascimento!

Espólio Du Nascimento!

Se fosse para caracterizar as sociedades contemporâneas à luz do Espólio, obra poética do escritor brasileiro Rubervam Du Nascimento – que muito recentemente visitou o Moçambique para um intercâmbio cultural – diríamos que “são conflituantes, ricas em homens impacientes e, sobretudo, com instituições sociais inoperantes”.

No entanto, o mais importante na escrita deste autor não é tanto a denúncia que faz em relação a este cenário, mas as soluções que engendra para cada situação.

Du Nascimento fala de uma instituição familiar que ainda que derive de uma relação amistosa, bastas vezes, vê os seus membros à beira de uma cisão sem precedentes. É que, não raramente, entre o casal, quando um dos cônjuges encontra a morte não tarda muito que os seus entes queridos abandonem o estado de enlutados para se candidatarem a “conflitos” pela repartição da fortuna do malogrado.

Eis a razão por que no seu Espólio – uma obra poética que acaba por trespassar a dimensão das escassas 75 páginas de texto – deixa claro que “ (…) os bens que possuo/ são todos meus repito meus (…) /adquiridos com o meu esforço e não herdados como é notório (…).

Portanto, ainda que “assentados em livro”, diz o autor acrescentando, “não pertencem aos filhos da mãe”. Afinal, “são todos meus agora e sempre/ depois de morto continuarão meus”.

Robervam Du Nascimento teria confidenciado a Izacil Guimarães Ferreira (seu confrade que depois de apresentar a obra descreveu-o como sendo “um poeta insólito, que chega sem pressa ao cenário do país com propostas formais e linguagem de arrojo”) que “a sua poesia nasce de observações da realidade” que o circunda.

É por essa razão que a impaciência dos jovens candidatos ao matrimónio, sobretudo os do sexo masculino, diante dos preceitos que antecedem o casamento, não lhe escapou. E mais uma vez denuncia: “marido aproveitou demora da festa/testou com indicador castidade da mulher”.

Inoperância dos tribunais

Entre outros tópicos, a obra deste autor latino- americano retrata as causas e as origens das crises sociais que abalam as sociedades modernas. No rol, há um problema que clama por uma solução premente: “a inoperância das instituições sociais”. Aliás, o caso dos tribunais, de que mais adiante se debruça, é preciso convir que é apenas uma metáfora das várias carências sociais.

Du Nascimento revela que os juízes sofrem de um “mal secular herdado na família”. Trata-se de uma espécie de “rosto manchado pela vergonha/ do comércio de sentenças sob o seu comando”. Mais grave ainda é que tal problema é um mal crónico “que produto algum de limpeza retira”. Diga-se: “a corrupção”.

A obra

Izacil Ferreira Guimarães – a quem nos referimos antes – conta que “Espólio é um livro de desolação, de perdas, de ferrugens, coisas e pessoas gastas e perdidas”. Como tal, para este poeta, no texto introdutório do referido livro lê-se que há “manuscritos salvos/ de um arquivo de areia / meu dia perdido na confusão da noite”, e que “um anjo rebelde… nos expulsou do paraíso”.

Na verdade, Espolio é o segundo livro de uma trilogia denominada “A ostra Afogada”. Sendo que o primeiro (As ostras e os dias) e o terceiro (Os carpinteiros sobreviveram apesar da chuva) serão lançados no futuro.

De qualquer modo, o autor destas obras revela- se comprometido “com um modo de ser e escrever (…) exigente e de alto risco”, os seus escritos requerem do leitor, “um alto grau de concentração, sem a qual se perderia num roldão de imagens”. Aliás, esta dificuldade é gerada pela “economia de meios, ausência de pontuação, conectivos e artigos, o que, curiosamente, obscurece a influência ganha”, realça Izacil.

Por estas e outras razões, em 2007, o livro Espólio foi “vítima” do VI Prémio Literário Asabeça para a categoria de poesia – o que imediatamente lhe valeu uma grande demanda pelo mercado brasileiro, bem como a segunda edição em 2011. Du Nascimento ofertou parte de exemplares para a Associação Cultural Kupaluxa em jeito de apoio.

Escrita, a palavra faz história

Refira-se que Rubervam Du Nascimento é mais um escritor estrangeiro que escalou Moçambique mercê aos arranjos do Centro Cultural Brasil – Moçambique, bem como da Associação Cultural Kupaluxa que, desenvolvendo actividades culturais, revitaliza continuamente a arte de “fazer e sentir a literatura”.

Aliás, para o escritor “é extraordinário o trabalho feito pela Kupaluxa”, sobretudo porque “eles estão a disseminar a literatura. Tive a oportunidade de visitar a Escola Secundária Francisco Manyanga. Nunca me vou esquecer do encontro com os estudantes locais porque é provável que tenha ficado uma semente poética plantada”.

Rubervam Du Nascimento revela que aprecia mais “a palavra escrita porque tem mais força. Uma vez escrita, ela expande-se para cantos onde a fala muitas vezes não chega – o que é fundamental porque a escrita faz a história dos povos”.

Para finalizar, o autor explica que Espólio representa um “trabalho em que se resgata algo perdido que a gente pensa que é recuperável”. Aliás, Brasil e África (Moçambique em particular) são regiões com mistérios comuns.

“Já fomos unidos há milénios de anos. Então os mistérios que existem em Brasil como em Moçambique são importantes para a unificação dos dois povos”, exemplifica finalizando.

Robervam Du Nascimento nasceu na Ilha de Upaon-Açu, Maranhão. Actualmente, vive e trabalha na cidade de Teresinha. Formou-se em ciências jurídicas e sociais pela Universidade Federal do Piauí.

Faz parte da Editora de literature da Revista Cultura Pulsar. Publicou colunas e artigos literários em revistas e jornais. É verbete da Enciclopédia de Literatura Brasileira de Escritores do Piauí. Participou de colectâneas de poesias e contos nas décadas de 70 e 80.

Livros individuas editados: A Profissão dos Peixes; Marco-Lusbel desce ao inferno, 1o lugar no 1o Concurso Nacional de Poesia da Editora Blocos; Os Cavalos de Dom Ruffato, prémio Literário “Cidade do Recife”, categoria: poesia.

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