Chovia. As folhas das árvores experimentavam o banho e rugiam ao ritmo do cair da chuva. As bátegas eram tão fortes de tal maneira que me ensurdeciam os tímpanos ao suicidarem-se fortemente no telhado de chapas de zinco da casa em que eu e a Nyeleti, filha da vizinha titia Mutuma, nos entreolhávamos e sorríamos quase morendo de vergonha.
Eu estava de calções, sem camisa. Naquele tempo, lá no subúrbio, biquíni para criança da minha idade era luxo. E a Nyeleti trazia capulana, só capulana. Aproximei-me dela com lentidão pronunciando algumas palavras. – Ninguém está aqui em casa, só nós. – Hooo, mentira. – Juro, mamã foi no kugweveni, foi gwevar tomate. A Nyeleti abanou positivamente a cabeça para mostrar que entendeu.
Com as minhas mãos de criança, toquei-lhe os lábios macios. Desci as mãos para o queixinho. Passei pelo pescoço longo como o do peru até que cheguei aos seios crus da menina. E dei um sorriso infantil com duas sílabas na boca. – Nkata! – Yhuuu mamã! Não sou tua mulher eu! – disse a Nyeleti cheia de vergonha. – Sinto frio. – repliquei.
A Nyeleti permitiu-me entrar na capulana com a qual a mãe, titia Mutuma, lhe escondia a nudez. Logo naquele tempo tão chato em que qualquer pedaço de trapo era um tecido de luxo e com isso podia-se procurar uma modista para produzir qualquer coisa parecida com roupa, mesmo que não seja blusa, camisa ou saia, desde que se parecesse com roupa e servisse de vistuário.
Eu e a Nyeleti íamo-nos esquecendo da nossa criancice . Resistíamos à vergonha com a força da indisciplina disfarçada com sorrisos de emoções infantis não controladas. Abraçámo-nos. Deitámo- nos calmos e silenciosos como se estivéssemos a fazer alguma coisa. Mas era tudo infantil. Era só dormirmos para depois acordarmos e chamarmo-nos marido e mulher. As chapas de zinco que faziam o telhado da casa sonoravam alto ao ritimo das bátegas e não nos deixaram ouvir os passos de quem entrou no quintal e dirigiu-se à porta da casa. Era a titia Mutuma, mãe da Nyeleti. – Dá licença.
O pedido de licença parecia ouvir-se de longe, lá noutras casas. Não nos importámos com isso. Continuámos deitados. Deitados a sério como se estivéssemos a fazer alguma coisa. Enquanto nada. Nós nada sabíamos do que se podia pensar nem do que o leitor está a pensar agora que está lendo esse texto. Mas nós pensávamos que sabíamos. A titia Mutuma repetiu: – Dá licença! Natsakama hi mpfula.
Dá licençooo… A titia Mutuma não se deixou continuar no banho involuntário de chuva. Preferiu empurrar a porta apresentando a sua preocupaçãp em forma de pergunta: – Nyeleti está aquí? Não foi preciso respondermos à pergunta da titia Mutuma. Quando erguemos as nossas cabecinhas a porta já estava aberta e ela estava a assistir à indisciplina. Eu e a Nyeleti quase desmaiámos de medo.
Quem faria entender a titia Mutuma que não estava a acontecer nada…se nós pensávamos que fazíamos algumas coisas? Coisas proibidas à crianças. Aquela boa titia mostrou-se séria nos primeiros instantes, mas depois encontrou alguma graça no drama e teceu uma expressão: – Chico, afinal é é é – gaguejou – és mukomwani!?