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Era uma vez um punhado de homens

Separe-se a diplomacia da Justiça

 

Amanhã festeja-se o 44º aniversário do início da Luta de Libertação Nacional que, volvida mais de uma década, daria origem à independência de Moçambique. No Chai, um remoto povoado no interior de Cabo Delgado, naquela noite de 25 de Setembro de 1964, um punhado de homens semeou a gesta da independência para colhê-la onze anos mais tarde numa chuvosa noite de Junho com a subida ao mastro da bandeira do Moçambique Independente. Goste-se ou não de quem conduziu a luta, simpatize-se ou não com o partido que tem exercido o poder nestes anos, aprovese ou não a política e a ideologia seguidas, equacione-se ou não a veracidade dos factos ocorridos no Chai naquele dia, mas não se retire mérito e valor àqueles homens que perseguiram, através da sua luta e pondo em risco as suas vidas, um fim: a libertação do país do jugo colonial. Porque esse direito, o de ser livre e de poder escolher o seu destino, deve estar acima de tudo. Porque, como dizia o presidente Samora, ninguém pergunta a um escravo se quer ser livre.

Coloquemo-nos no lugar daqueles 250 homens, número com o qual a Frelimo diz ter começado a luta armada. No início, a hipótese de verem concretizado o sonho que os guiava era bem remota, tão ou mais longínqua como a distância que separa o Chai de Maputo. Para além dos combates em si – que acabaram por vitimar muitos – a desproporção de forças, de meios e de tecnologia era gigantesca. Naqueles primeiros recontros, a guerrilha só tinha a seu favor duas coisas: um melhor conhecimento do terreno e a ambição sem limites de ver concretizado o objectivo porque lutava, e esse, meus caros, parece que tudo pode. Por ele vai-se esgaravatar forças onde nunca se pensaria ir buscar. Por ele deixa-se a família, os amigos, a terra, o emprego e o conforto daquilo que se conhece. E do outro lado o que esperava esses homens? Enormes sacrifícios. A morte à espreita em cada picada, em cada árvore, em cada arbusto. Noites de vigília passadas à coca do inimigo ou mal dormidas em camas que só com muito boa vontade lhes poderemos dar esse nome. Doenças, frio, calor, mosquitos e todos os perigos inerentes ao mato. Comida e água racionadas e caminhadas, muitas caminhadas feitas de quilómetros de incertezas. Convenhamos que não é fácil, principalmente para quem está habituado aos comodismos da cidade, viver um mês nestas condições quanto mais onze anos! Onze anos é obra! Mas com as guerrilhas sempre foi assim. Sempre foi “antes quebrar que torcer”. Foi assim com os partizans de Tito na Jugoslávia durante a 2ª Guerra Mundial, com os barbudos da Sierra Maestra, com o PAIGC na Guiné, com os mudjaidines no Afeganistão contra os soviéticos, com as Falintil em Timor, etc. Grandes exércitos, inclusivamente de super-potências, foram derrotados por movimentos guerrilheiros que aparentemente, no início das hostilidades, não ofereciam qualquer perigo. Aliás, não há registos de movimentos de libertação militarmente aniquilados por exércitos convencionais.

Ultimamente, a versão oficial do que se passou naquela noite no Chai, tem sido vivamente contestada. Há mesmo quem defenda que não morreu ninguém, tendo sido disparados somente dois tiros. A versão dos sete mortos entre os colonos também parece complemente irrealista se pensarmos que no Chai viviam somente 20 indivíduos de raça branca. Sabe-se que a História é feita pelos vencedores. Dizem os entendidos que é preciso passarem pelo menos 50 anos após um acontecimento para se poder fazer História, e que esta deve ser escrita por pessoas credenciadas e não pelos intervenientes. Não é por acaso que determinados arquivos só podem ser consultados 50 anos depois de serem arquivados. também as várias versões permitem uma aproximação mais consistente à verdade. Mas a História será sempre a história que se deseja passar para a História. Este é apenas mais um caso. Porém, “partidarites” à parte, uma coisa é incontestável: o direito do povo moçambicano escolher o seu caminho na História era inalienável e inevitável.

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