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Em Nampula não há surto de cólera, a doença existe todos os dias porque não há água potável nem saneamento adequado

Em Nampula não há surto de cólera

Dulce Victor faleceu, tinha 13 anos de idade e morava com os seus progenitores no bairro de Natikiri, arredores da cidade de Nampula. Seria apenas mais um dos moçambicanos anónimos que engrossam as estatísticas das vítimas da cólera. “Nós dirigimos-nos às comunidades com o intuito de educar as pessoas sobre como devem se cuidar. Tomar banho, beber água tratada, usar bem as latrinas, mas constatamos que nessas comunidades não há abastecimento de água, o saneamento do meio é deficiente e não há retretes. Como é que essas pessoas fazem para seguir as nossas recomendações”, interroga-se a directora provincial da Saúde, Munira Abudo, que declara que a chamada doença das mãos sujas é endémica na chamada capital Norte de Moçambique.

Era manhã de sábado, 16 de Janeiro, quando a pequena Dulce começou a queixar-se de dores de barriga, os pais deram-lhe uma infusão de folhas, que a sabedoria popular recomenda, e a maleita pareceu ter ficado resolvida. Porém no domingo as dores voltaram e agora a menor já tinha diarreia forte e, durante a noite, começou a vomitar.

Victor Baptista e a sua esposa Constância Selemene decidiram que era preciso levar Dulce ao hospital, o mais próximo é o de Marrere, há cerca de cinco quilómetros. Com ajuda e companhia de um vizinho, afinal era noite, puseram a caminho enquanto o estado da criança se agravava. Começavam a vislumbrar a unidade sanitária no horizonte quando Dulce faleceu.

O jovem casal, que tem mais dois outros petizes, sabe que a cólera pode ser evitada se beberem água potável, ou tratada, e tiverem latrinas melhoradas. Porém as fontes de água provida pelo Governo distam mais de 2 quilómetros da parte mais antiga Natikiri, um bairro de pobres bem próximo ao cada vez mais opulente bairro de Marrere.

A família Baptista reside numa habitação de duas divisão com paredes feitas de blocos de adobe, assentes em estacas de bambú e coberta por capim. A casa de banho fica no exterior e resume-se a uma latrina sobre uma cova de 2,5 metros de profundidade, cercada por um oleado. A sua fonte de água é um poço artesanal existente nas imediações.

Investir pessoalmente em canalização, ou mesmo num furo ou poço protegido, está fora do alcance de Victor que é um empreendedor, na linguagem dos políticos, mas na verdade é vendedor de produtos alimentares no mercado informal de Waresta, porque não consegue um emprego fixo e digno.

Água e Saneamento são direitos humanos que o Estado deve de garantir

Ao contrário do que os políticos propalam o drama da cólera não é a doença em si mas antes as suas causas: falta de água potável e de saneamento adequado nas casas de banho. E todos os dias, na cidade de Nampula, novos pacientes surgem justamente dos bairros que onde o acesso à água potável é difícil e o saneamento é inexistente.

O direito à água e ao saneamento é um direito humano consagrado pela Organização das Nações Unidas(ONU), igual a todos os outros direitos humanos e o Estado moçambicano tem a responsabilidade primária de garantir a sua plena realização, o que não acontece nas periferias da generalidade das cidades capitais e muito menos nas zonas rurais.

A família Muatanle é outra que convive com a cólera, só nestes dois primeiros meses deste ano três, dos seus seis membros, já contraíram a doença embora residam bem próximo do centro da cidade de Nampula, no bairro de Murrapaniua.

O chefe da família, José Muatanle, é outro empreendedor, pedreiro de profissão mas desempregado, e construiu a residência onde habitam com blocos de adobe, cobria-a com um plástico só depois colocou o capim. A casa não tem água canalizada, a fonte mais próxima foi até há alguns anos um fontanário construído pelo Governo mas que entretanto parou de funcionar, a solução é abastecerem-se nos poços artesanais desprotegidos que existem na vizinhança.

“Graças à Deus melhorei e aqui estou vivo”

Contribui para a má qualidade da água destes poços o facto do lençol freático estar próximo às covas das latrinas que todos os moradores da região possuem. A latrina que José abriu em 2011, e até tem uma rede mosquiteira, está quase na sua capacidade máxima.

O primeiro a adoecer com cólera nesta família foi o adolescente Elias de 13 anos de idade que teve que ser internado nos cuidados intensivos do Centro de Saúde 25 de Setembro, durante dois dias. Depois foi o próprio chefe de família a ser acometido por diarreia forte e vómitos, José confidenciou-nos que nem se lembra como foi levado ao Centro de Saúde.

Mas sabe que daí teve de ser transferido para o Centro de Tratamento de Cólera (CTC) instalado no bairro de Mutaunha. “Assisti a mortes instantâneas, o que me deixava em pânico, mas graças à Deus melhorei e aqui estou vivo”, suspira de alívio.

Entretanto uma semana após restabelecer-se a sua filha Sarita, de 11 anos de idade, começou a apresentar os sintomas da chamada doença das mãos sujas. A família não perdeu tempo e levou-a ao CTC o mais rápido que pôde. A adolescente esteve internada durante seis dias, dois dos quais em estado de coma.

Hoje estão todos saudáveis porém, como o problema de acesso a água potável e de saneamento não passa de promessas eleitorais, em breve voltarão a adoecer.

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