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Elogio da Imperfeição

O livro “O Homem Que Queria Salvar o Mundo”, da norte-americana Samantha Power , mostra o biografado, Sérgio Vieira de Mello, em toda a sua dimensão, ou seja, com qualidades e defeitos como todos os mortais. Uma obra que vale a pena ler. Era um homem com defeitos.

Os admiradores descreviam-no como um cruzamento de James Bond com Robert Kennedy. Não tinha deles só as coisas boas. Era tão vaidoso como o Bond e tão infiel como Bob. Mas partilhava também com eles os que os distinguia como heróis: uma coragem contagiante e uma fé indomável de que era capaz de fazer melhor. Morto em Bagdade em Agosto de 2003, vítima de um atentado a bomba, Sérgio Vieira de Mello tornara-se nos últimos cinco anos o principal ponta- -de-lança da Organização das Nações Unidas (ONU), a quem o então secretário-geral Kofi Annan chamava para chefiar missões impossíveis.

Entrar no Kosovo com os ataques ainda a acontecer, assumir do zero a reconstrução de Timor e transformá-lo num país, aterrar no Iraque para garantir o mínimo de respeito pelos direitos humanos durante a ocupação americana… “O Homem Que Queria Salvar o Mundo” é um ambicioso trabalho de Samantha Power, talentosa académica de Harvard, vencedora de um Pulitzer, que já foi jornalista e assina colunas de opinião na “New Yorker”. Power fez quatrocentas entrevistas para obter um livro que acaba por ser a radiografia, através de uma figura singular, da única organização onde estão representados todos os países do mundo.

Diplomata desde o berço (o pai era diplomata de carreira), doutorado em Filosofia pela Sorbonne, em Paris, e fluente em cinco línguas, o caminho que Sérgio Vieira de Mello percorre no livro é uma aprendizagem de mais de 30 anos, desde que entrou na ONU, em 1968, controlando o seu ímpeto anti-imperialista e moldando o seu carácter profissional para servir de forma mais eficaz os princípios da organização. Houve uma época em que caiu num excesso de pragmatismo, quando estava no Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), porque achava que assegurar a ajuda humanitária justificava fazer a corte a assassinos em massa. Foi criticado pelo silêncio público com que enfrentou os genocídios no Ruanda e na Bósnia. Chegou a percorrer as ruas de Belgrado à procura do presente ideal para Milosevic.

Mas arrependeu-se e nos últimos tempos tornou-se mais intransigente com o desrespeito pelos direitos humanos. No cerco dramático à sede da ONU em Díli pelas milícias pró-indonésias (Setembro de 1999), na iminência de uma evacuação do pessoal de campo, deixando para trás, no edifício, mais de mil timorenses, Sérgio fez ouvir a sua voz em Nova Iorque: “Ao menos uma vez, vamos deixar que os Estados do Conselho de Segurança tomem as decisões erradas, em vez de poupá-los de problemas e tomar as decisões erradas por eles.”

O relato em câmara lenta da sua morte em agonia, debaixo dos escombros do Hotel Canal, em Bagdade, ao longo de três horas, durante as quais ninguém conseguiu resgatá-lo, apensar dos seus insistentes pedidos e lamentos, é uma metáfora da ineficácia frequente da organização para a qual trabalhava em salvamento das vítimas da guerra, mesmo nas situações mais evidentes. Metáfora de um mundo incompreensível.

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