Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

Ele é impedido de ser segurança porque é zarolho

Ele é impedido de ser segurança porque é zarolho

Angelino Jacinto, de 27 anos de idade, residente no bairro da Polana Caniço “B”, é um indivíduo amargurado e convicto de que as pessoas com deficiência não beneficiam das mesmas oportunidades de emprego que os seus semelhantes por causa das suas limitações congénitas ou adquiridas durante a vida. O jovem a que nos referimos não arranja trabalho como segurança supostamente porque um dos seus órgãos da visão já não enxerga desde a infância.

Angelino Jacinto tem como habilitações literárias a 7ª classe e já trabalhou como guarda em algumas empresas de segurança privada. Porém, desde que se desvinculou delas por diversas razões, tais como falta de remuneração e rescisão de contrato não consegue empregar-se novamente. Em todos os lugares onde tem sido submetido a entrevistas profissionais dizem-lhe o seguinte: “O senhor é deficiente e nós não admitimos pessoas com esse problema”.

O nosso entrevistado narrou que não sabe ao certo por que razão está a sofrer as consequências de não ter um dos olhos sadio mas acha-se normal e igual aos outros que vêm normalmente com os dois órgãos. Aliás, sabe-se que em Moçambique há diversos instrumentos para assegurar o cumprimento das leis de proteção à pessoa com deficiência mas a sua aplicação ainda é incipiente. À luz dos mesmos dispositivos, os deficientes são indivíduos que gozam de plenos direitos, tais como a dignidade, os direitos e o acesso a várias oportunidades sociais, económicas e políticas, independentemente do grau de anomalia física que tiverem.

Entretanto, enquanto a aplicação desses instrumentos permanecer letra-morta, certas pessoas não beneficiam na plenitude do que está consagrado constitucionalmente . É preciso ainda referir que no país certos editais para o provimento de vagas de emprego não têm indicado, com clareza, que tipo de deficiência, limitação ou grau de incapacidade os candidatos não devem ter para que possam concorrer em igualdade de circunstâncias com os demais.

Angelino Jacinto não sabe como é que contraiu a deficiência visual aos cincos anos de idade. Todavia, os seus pais contaram-lhe que um senhor se encontrava a cortar algo e na altura um objecto atingiu o seu olho direito. Nesse ano, ele vivia no distrito Chinde, na província de Zambézia. Recorreu-se a vários hospitais mas ninguém conseguiu repor a sua visão. “Acabei por ficar assim como estou e sou penalizado por isso”.

O jovem a que nos referimos contou-nos que viveu também na cidade da Beira com os tios mas não tem boas recordações do que passou durante a sua estadia e da sua trajectória até chegar a Maputo, onde presentemente mora. Ainda na Beira, ao perceber-se de que já tinha uma idade avançada e que havia estudado muito pouco, Angelino fez um curso no Serviço Nacional de Administração e Fiscalização Marítima em Sofala, mas não conseguiu colocação para trabalhar nessa área.

Em 2006, o jovem decidiu deslocar-se à capital do país à procura de melhores condições de vida. Ele concorreu a algumas vagas de emprego relacionados com a sua formação, mas sem sucesso. Desesperado, como último recurso candidatou- se para guarda numa empresa de segurança privada mas o infortúnio perseguia- lhe: “chamaram-me para uma entrevista e disseram-me que é impossível eu ser segurança com um olho deficiente”.

“Um senhor sentiu tanta pena de mim e colocou-me a trabalhar numa empresa de segurança chamada General Security, mas só fiquei dois meses porque o patronato não me pagava. O meu posto ficava na Coop, na Rua da França. Eu e alguns colegas guarnecíamos um italiano de uma organização estrangeira. Entretanto, não tínhamos salários e decidimos interromper o serviço”.

Os outros seguranças abandonaram as instalações mas Angelino permaneceu no local à espera do proprietário – que se encontrava a dormir – para lhe apresentar o problema. Por volta das 16h:00, o dono acordou e “eu informei-lhe que todos os meus colegas já não iriam trabalhar porque a empresa não nos remunerava e era impossível continuar sem vencimento. E eu só estava à espera para entregar a casa com vista a evitar problemas, caso algo desaparecesse na nossa ausência”.

Segundo o nosso interlocutor, o italiano não consentiu ter outro guarda, por isso Angelino continuou a trabalhar sem depender da empresa que havia lhe contratado para aquele lugar. “Entre 2007 e 2008 eu guarnecia a residência daquele senhor e ele pagava-me pessoalmente”.

A benevolência do italiano foi de tal sorte que quando regressou ao seu país de origem por término de contrato de trabalho na instituição onde estava afecto, o jovem não ficou desempregado: “Ele colocou-me numa outra organização holandesa que desenvolvia um projecto com o Ministério da Saúde. Por causa da sua idade, o holandês para o qual eu prestava serviços reformou-se e a sua instituição passou a funcionar noutras instalações com um espaço pequeno; por isso decidiram que já não precisavam de guarda. Indemnizaram-me e, a partir daí, fiquei em casa”.

Desde essa altura, Angelino está à procura de emprego mas sem sucesso. Para além do facto de ele, a sua mulher e os filhos estarem a experimentar dias difíceis, a sua angústia tem igualmente a ver com a discriminação a que está sujeito. Insistentemente, as empresas de segurança dizem que “eu não posso trabalhar porque sou deficiente e não aceitam esse tipo de pessoas. Mas eu não tenho problemas de visão. Vejo bem com um olho”.

O pior é que há firmas que até negam apreciar os seus documentos. Segundo a vítima, essas companhias dizem que as suas regras são diferentes das de outras empresas. O facto de alguma vez o jovem ter trabalhado como segurança não significa que a sua experiência profissional seja válida em todos os lugares. “Sinto-me mal por o meu olho estar desta maneira, pesar de que a deficiência é algo que não se pede para ter. A minha vista não dói e consigo ver até objectos que estão muito distantes de mim. Não estou doente. Não entendo o porquê de tanta discriminação”.

Na quinta-feira passada, 12 de Setembro, o nosso entrevistado esteve na G4S, a maior empresa de segurança privada em Moçambique. “O director da firma disse que não me podia aceitar porque sou deficiente”. Na companhia Dragões Segurança o jovem chegou a fazer treinos para ser incorporado. Entretanto, na altura de receber a farda para se dirigir ao seu posto, disseram- -lhe a mesma coisa que já estava cansado de ouvir: “não admitimos deficientes”.

O desespero do nosso interlocutor é ainda maior porque vive numa casa arrendada. Por não ter formação para exercer outra tarefa dedicou-se ao comércio informal mas desistiu por falta de sustentabilidade do negócio, uma vez que quase todo o dinheiro era direccionado para a compra de comida e a outras despesas domésticas. Aliás, o jovem tem um terreno algures na província de Maputo mas não está a aproveitá-lo por falta de meios.

Actualmente, Angelino e a sua família dependem da boa vontade de alguns amigos ou de biscates para sobreviverem. “Tenho pai e mãe, mas estão na província da Zambézia”, lamenta a terminar

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Related Posts

error: Content is protected !!