Milhares de egípcios lotaram na terça-feira a praça Tahrir, no Cairo, para tentar reassumir os rumos da revolução de 2011, já que eles consideram que elementos do antigo regime continuam no poder.
O estopim da indignação foi a condenação, no sábado, do ex-presidente Hosni Mubarak à prisão perpétua, por causa da morte de manifestantes durante a rebelião popular que o derrubou no ano passado, além da absolvição de vários ex-funcionários de alto escalão por falta de provas.
Os manifestantes queriam a pena de morte para Mubarak, e muitos temem que ele acabe sendo absolvido em segunda instância. A convocação do protesto, quase 16 meses após a queda de Mubarak, reflete também a insatisfação dos revolucionários com o segundo turno da eleição presidencial, em 16 e 17 de junho, que irá contrapor um candidato ligado ao antigo regime, Ahmed Shafiq, a um conservador islâmico, Mohamed Mursi.
“Não a Mursi, não a Shafiq, a revolução está pela metade”, dizia um cartaz carregado por um jovem na praça Tahrir, propondo um boicote à votação. Centenas de pessoas já estavam na manhã de terça-feira na praça Tahrir, epicentro da rebelião do ano passado, e palco de várias outras manifestações na tensa transição política que se seguiu.
Grupos e partidos liberais ou centristas querem que o segundo turno seja suspenso até que o Parlamento aprove uma lei que proibiria Shafiq de concorrer, por causa da sua ligação com Mubarak. O reformista Mohamed el Baradei, que desistiu de disputar a presidência meses atrás, disse que o Egito não deveria realizar uma eleição até uma nova Constituição estar em vigor. Grupos políticos continuam travando uma acirrada discussão com as Forças Armadas a respeito de quem deveria redigir a Carta.
“Não estamos prontos para eleições. O povo está dividido”, disse El Baradei, cercado por centenas de simpatizantes no aeroporto do Cairo. “O ambiente geral que vejo hoje não permite eleições sem uma Constituição.”
A Irmandade Muçulmana, partido de Mursi, com chances de chegar ao poder após décadas sofrendo repressão por parte de Mubarak, disse que vai participar do protesto, mas não propôs o adiamento da eleição. Para esse grupo, a principal reivindicação é um novo julgamento aos acusados pela morte de manifestantes, um processo para julgar Shafiq, que foi o último primeiro ministro de Mubarak, e a rejeição de qualquer tentativa de “reproduzir o regime anterior”.
Os manifestantes são unânimes em dizer que Shafiq é um “feloul” (remanescente da era Mubarak) e que deve ser barrado na presidência, mas se dividem sobre se Mursi é ou não um candidato da revolução, como ele diz ser.
“Nem Shafiq nem Mursi são nada bons. Eles precisam se retirar da corrida presidencial. Um é do antigo regime, e o outro não tem experiência política e tem um grupo com agenda islâmica. Ambos os homens vão destruir este país”, disse o manifestante Arafa Mohamed, de 21 anos, cercado por companheiros que agitavam bandeiras. Muitos desconfiam da Irmandade por renegar sua promessa inicial de não disputar a presidência, e dizem que o grupo vem tentando abarcar mais poderes, aproveitando da ampla bancada formada na eleição parlamentar de meses atrás.
Negociações entre Mursi e dois candidatos derrotados, o esquerdista Hamdeen Sabahy e o ex-membro da Irmandade Abdel Moneim Abol Fotouh, respectivamente terceiro e quarto colocados no primeiro turno de maio, ainda não resultaram num apoio explícito a Mursi. Sabahy e Abol Fotouh, que juntos obtiveram cerca de 40 por cento dos votos, propuseram a anulação do pleito e a formação de um conselho presidencial, que provavelmente os incluiria.
A Irmandade diz que isso seria inconstitucional, mas Mursi declarou-se disposto a nomear vices de fora do seu partido. Já os partidários de Shafiq mantêm-se mais discretos. Muitos dos seus eleitores são egípcios que ficaram satisfeitos com a queda de Mubarak, mas agora estão desesperados pela retomada da ordem e por uma recuperação econômica.
Shafiq também teve votos de cristãos e liberais temerosos de que um governo islâmico cancele liberdades sociais e construa um Estado islâmico. Mursi garante que, no seu eventual governo, as pessoas terão liberdade de opinião e poderão se vestir como quiserem. Um membro da campanha de Shafiq disse que haverá uma carreta de apoio ao candidato num bairro do Cairo.