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EDITORIAL: Quem é que se responsabiliza?

Neste país, definitivamente, a cultura da desresponsabilização está tão ou mais enraizada do que o embondeiro na savana. Diga-se, desde já, que esta desobrigação é transversal a todos os actores da sociedade, desde a empregada doméstica até aos dignitários dos mais altos órgãos do Estado. Experimentem perguntar à vossa empregada doméstica quem partiu isto ou aquilo ou onde está isto ou aquilo. Vão ver que a resposta é sempre “não sei” ou “isso desapareceu no tempo do fulano tal…”. Quando se quer apurar responsabilidades salta tudo fora, mais depressa do que os ratos do navio, revelando-se este exercício invariavelmente infrutífero e inglório.

Mas se isto se passa ao nível da base da pirâmide socioeconómica, no topo a cultura de desobrigação é a mesma. Aqui parece haver, perdoe-me o termo, uma democratização da desresponsabilização, porque esta vai do rico ao pobre, passando por todos aqueles que estão no meio.

No exercício do cargo, assim de cabeça, não me lembro de nenhum alto responsável se demitir de moto próprio, fazendo um mea culpa público. Podem cometer-se as mais graves irregularidades, podem cometer-se as maiores negligências, podem cometer-se os erros mais grosseiros que nada acontece, como se as pessoas que ocupassem os mais altos cargos da nação fossem crianças e estas, como se sabe, devido à idade, não são responsabilizáveis.

Que saudades daquelas frases que há muito não ouço como “pode ir descansado que vai à minha responsabilidade” ou “eu responsabilizo-me.” Estas expressões há muito que caíram em desuso, constituindo hoje um arcaísmo quase tão longínquo como dizer açougue para nos referirmos ao talho ou botica para a farmácia.

Na República de Moçambique explode um paiol e, na sequência dele, “por acaso”, morrem mais de 50 pessoas mas a culpa é… do calor. Arde um ministério e a culpa é de… um curto-circuito. A criminalidade dispara em flecha e a culpa é do… crime organizado. Não aproveitamos o Mundial de futebol no país vizinho para atrair mais turistas e a culpa é… dos jornalistas que não se empenharam na divulgação das maravilhas do país.

Morre gente em manifestações de rua mas diz-se que… só havia balas de borracha. Pára o relógio do countdown dos Jogos Africanos e a culpa é… das elevadas temperaturas – depois veio-se a saber que a máquina era pirata. Parece que estamos permanentemente a ler as tabuletas daqueles parques automóveis que dizem: ‘Não nos responsabilizamos pelos objectos deixados no interior da viatura.’

É aqui que vemos o quão distantes estamos das democracias evoluídas do norte. Na Suécia, há uns anos, uma ministra demitiu-se porque pôr nas contas de uma viagem uma factura de um chocolate que ofereceu ao fi lho. Em Portugal, um ministro contou uma anedota de mau gosto e imediatamente apresentou a sua demissão.

Mais recentemente, outro fez um gesto pouco apropriado em plena Assembleia da República e foi pelo mesmo caminho. Na Alemanha um plágio de uma tese de doutoramento levou este mês à queda de um ministro. Esta é uma das grandes diferenças entre as verdadeiras democracias e as pseudo-democracias.

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