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EDITORIAL: País bífido

As cobras, e alguns lagartos, possuem o grande sentido na língua. É através dela que detectam todos os cheiros e uma enorme quantidade de sensações. Por isso, quando caminham, estão permanentemente com aquele órgão em movimento. É a língua que transmite informações químicas ao órgão de Jacobson que fica localizado na zona do palato. Muitas destas espécies possuem uma língua bífida, o que lhes permite detectar completamente a origem dos cheiros.

Ora, por estes dias, neste país, estamos a sentir os cheiros como as cobras de língua bífida. Ao colocarmos a língua de fora, salvo seja, facilmente destrinçamos dois cheiros: um a perfume muito bem cheiroso, outro a podre.

O primeiro é aromatizado pelas delegações que chegam às catadupas para participar nos X Jogos Africanos; pelos carros de alta cilindrada que circulam a alta velocidade entre a cidade e um renovado Zimpeto que nem nas suas melhores cogitações pensou um dia ser palco de tantas honrarias; pela pomposa Vila Olímpica com as suas piscinas, também elas olímpicas, e os seus flats a estrear; pelas entidades oficiais que pretendem, à força, impingir-nos a ideia de que os Jogos são o nosso maior orgulho nacional desde aquela madrugada do dia 25 de Junho do longínquo ano de 1975; pelos caterings onde a comida e a bebida correm à farta em direcção a estômagos proeminentes; pelos discursos oficiais que exaltam a Pátria Amada e o Povo Maravilhoso que consegue realizar façanhas tão excelsas; pelas cerimónias de abertura com música, dança sincronizada, fogos de artifício e outros esplendores.

O segundo, o podre, é, por estes dias, sprayado com bombas de cheirinho agradável para incomodar menos os senhores visitantes e as delegações oficiais. Mas este, embora disfarçado, permanece no ar. Permanece nos esgotos a céu aberto do Zimpeto, do Benfica ou do Kongolote; no matope de malária do Choupal e do Maxaquene; nos micróbios que pululam nos hospitais onde tudo falta; no chapa que transporta gente como gado; na ignomínia majestosa das casas do Belo Horizonte e do Sommerschield 2; nas árvores definhadas pela acidez da urina; no prato que teima em não encher; na cesta básica que teima em não aparecer; na borracha queimada do 5 de Fevereiro e do 1 de Setembro.

A propósito: este último completou ontem o primeiro aniversário mas o cheirinho agradável dos Jogos conseguiu abafá-lo. Até quando? .

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