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Editorial – O negro não é cor do arco-íris

Na manhã da última terça-feira, à porta do tribunal de Ventersdorp, a África do Sul esqueceu o filme Invictus, o Mundial de Râguebi de 1995, Nelson Mandela, De Klerk, Desmond Tutu, Joe Slovo, Helen Suzman, Nadime Gordiner, a Comissão de Verdade e Reconciliação, a alegria do voto nas eleições de 1994 – as primeiras em que na mesma bicha coabitaram brancos, mulatos, negros e todas as outras raças – as cores da bandeira largadas no céu pelo rasto dos aviões no dia da tomada de posse do primeiro presidente negro da história do país, tudo isso, num ápice, foi esquecido por aquelas 500 pessoas que a polícia dividiu pela cor à porta do tribunal de Ventersdorp. De um lado, 300 brancos partidários do radicalismo neonazi de Terre’Blanche entoaram o Die Stem, o hino nacional do tempo do apartheid enquanto agitavam bandeiras da república bóer do Transvaal.

Do outro, os negros responderam cantando Nkosi Sikeleli Africa, o actual hino do país. Depois, quando uma mulher apoiante dos AWB, o partido radical simpatizante das teses neonazis, jogou água em direcção aos negros numa claro gesto de provocação, o ambiente esteve mesmo ao rubro e só um fortíssimo contingente policial conseguiu evitar uma luta de proporções imprevisíveis.

Por momentos o arco-íris pareceu pintar-se de uma cor que não lhe pertencia: o negro. O que assistimos na terça-feira diante daquele tribunal foi a vitória de Terre’Blanche e do seu AWB, de Julius Malema e da sua juventude radical, do apartheid e de todas as suas formas de segregação, da irracionalidade que faz com que os homens se dividam em função da cor da pele.

Em suma, foi a vitória daquilo que nada interessa à África do Sul para seguir o caminho da reconciliação, da paz, do progresso e o bem-estar. Esperemos que a brutal morte de um homem tão brutal como Terre’Blanche não deite a perder tudo o que foi construído desde 1990, com a libertação de Madiba. Porque o povo da África do Sul merece muito mais do que perder tempo com minorias ínfimas que só pretendem destabilizar o país e impedir o seu desenvolvimento.

Já é tempo de quem efectivamente manda ordenar que se calem os meninos insolentes e mal comportados que querem dar nas vistas à custa de sangue dos outros. PS: Em Maio do ano passado escrevi, neste mesmo espaço, logo após a eleição de Malan Bacai Sanhá para a presidência da Guiné-Bissau, que este país, com um parlamento e um presidente da mesma cor política, já não tinha desculpa para não encarreirar rumo ao progresso.

Os acontecimentos da semana passada – os militares sequestraram o primeiroministro e o chefe de Estado Maior General das Forças Armadas – vieram, uma vez mais, pôr a nu as fragilidades daquele país. A Guiné-Bissau arrisca-se a receber o rótulo de Estado Falhado, um epíteto que nenhum país deseja. A linguagem utilizada pelos militares – passo a citar: “se a população não sair da rua matamos o primeiro-ministro” – arrepia. A Guiné hoje é um país refém dos militares. Quatro mil almas – número de efectivos nas forças armadas – dominam e brincam com a vida de um milhão e meio. Até quando?

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