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EDITORIAL: Entre Pequim e o Cairo há uma decisiva eternidade tecnológica

Esta terça-feira, ao ver um pequeno filme de três minutos no site do Youtube sobre os protestos anti-governamentais no Egipto, veio me à memória o dia 4 de Junho de 1989, dia responsável por eu ter abraçado, até hoje, já lá vão quase 22 anos, a profissão de jornalista. Esse dia teve, como todos os outros, 24 horas mas em emoção deve ter tido uns bons anos. Nesse dia, Tianamem pegou fogo após semanas de sucessivos protestos. Também nesse dia, na Polónia, pela primeira vez na história, ocorreram as primeiras eleições livres num país comunista. O resultado não deixou dúvidas: vitória esmagadora de Lech Walesa e do Solidariedade. Ainda nesse dia, no funeral do Ayatolah Khomeini, no Irão, morreram espezinhadas mais de uma centena de pessoas em histeria colectiva.

Voltando à praça da Paz Celestial, mais conhecida por Tianamen, em Pequim, as célebres imagens do jovem que regressava das compras – trazia dois sacos de plástico na mão – e que se colocou à frente de uma coluna de tanques, fazendo, por alguns instantes, parar aquela marcha destinada a reprimir sem dó nem piedade os estudantes que há semanas se manifestavam naquela praça clamando por reformas democráticas e pelo fim do monopólio do partido comunista, reacenderam-se na minha memória quando na terça-feira vi um manifestante egípcio a enfrentar um enorme veículo anti-motim, barrando a passagem do carro.

Depois, erguendo o braço, desviou com a mão o potente jacto de água destinado a reprimir a multidão. Em seu auxílio, ao contrário do jovem solitário de Tianamen, surgiram mais três jovens. E aqui é que reside provavelmente a grande diferença entre as duas situações e que concorrem para que o seu desfecho possa ser diverso: enquanto o chinês age sozinho e é desencorajado por colegas que o puxam para a berma, o egípcio tem toda a multidão a incentivá-lo, inclusivamente o apoio directo dos companheiros de luta.

Isto explica, em grande parte, porque é que os protestos de Tienamen não vingaram e porque é que os protestos egípcios poderão vingar, embora ainda seja cedo para se fazer previsões.

Ainda nesta comparação, para um possível desfecho diferente concorrem dois factores: primeiro, o exemplo de sucesso na vizinha Tunísia. Segundo, a evolução tecnológica.

Se há vinte anos os estudantes chineses se encontravam isolados do mundo – nem existia sequer Internet – e as imagens televisivas e os jornais eram altamente controlados, hoje os manifestantes egípcios, servindo-se do Facebook, do Twitter, do Youtube e quejandos podem ver-se e serem vistos, convocar e desconvocar manifestações, chatar e instigar à revolta na hora, em tempo real.

Neste aspecto nunca o mundo virtual foi tão real. E o poder acossado sabe isso melhor do que ninguém.

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