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Diálogo político não deve limitar-se a sessões formais

Que Moçambique vive actualmente a maior crise política dos últimos 20 anos, período em que vigorou a paz, é um facto. O que eventualmente permanece no desconhecimento da maioria dos moçambicanos são as motivações desta crise. O jornalista e activista social, Tomás Vieira Mário, falando recentemente numa conferência da sociedade civil subordinada ao tema “Contribuições da Sociedade Civil Moçambicana para o Retorno à Paz”, falou dos factores e fenómenos que, segundo entende, resultaram na tensão político-militar que se vive no país e que já ceifou muitas vidas. Ele conclui apontando para a necessidade de o poder político moçambicano ter no diálogo genuíno o seu modus vivendi.

De acordo com Tomás Vieira Mário, a actual crise político- militar no país nada mais é que o “resultado de uma paz sem reconciliação nacional” que se viveu durante os últimos 20 anos. Diz ele que um entendimento correcto dessa tensão deve ser procurado no processo político no período que se seguiu à assinatura do Acordo Geral de Paz.

Ou seja, na forma como esse AGP foi negociado e implementado, mas sobretudo no “espírito que moveu a sua implementação”. O orador argumenta que na negociação do AGP foram alcançados dois principais consensos nacionais (democracia multipartidária e o princípio da proporcionalidade) que, no entanto e com o decorrer do tempo, foram- -se tornando letra-morta, sem nenhuma relevância nas decisões políticas do dia-a-dia do país. O primeiro estabelece que as forças políticas acedem ao poder político por via de eleições livres, justas e transparentes e não por meio da violência. E o segundo determina que no final das eleições “nem quem vence fica com tudo, nem quem perde fica sem nada”.

A falha na implementação destes consensos está evidente, segundo Vieira Mário, em cada página da vida política desta nação. A realização de eleições periódicas com base numa legislação eleitoral sempre contestada pelo maior partido da oposição (a Renamo); a alteração em cada ciclo de eleições do pacote eleitoral – tornando o processo instável e tenso; a permanente contestação dos resultados eleitorais, a captura e monopolização da democracia multipartidária pelas elites nacionais, deixando de fora o povo e, por isso, afastando-o das urnas são as marcas evidentes de que “os consensos nacionais” não foram devidamente implementados.

O poder tornou-se meio de enriquecimento fácil e rápido

Mais ainda, a tão invocada democracia multipartidária foi sendo reduzida a meros actos formais de convocação do povo para ir às urnas delegar o seu poder soberano a elites que depois o usam como instrumento de enriquecimento fácil e rápido.

Para Vieira Mário, o sistema eleitoral de representação proporcional ficou igualmente reduzido a letra-morta e criou nos que perdiam as eleições a sensação de que a democracia “não lhes reserva quaisquer direitos” e, por fim, mas não menos importante, a expressão “reconciliação nacional” desapareceu por completo do discurso político nacional e com ela o espírito e a prática.

Recenseamento de Dhlakama deve ser saudado

Na opinião de Tomás Vieira Mário, a acto de inscrição do líder do maior partido da oposição, Afonso Dhlakama deve ser saudado sem reservas porque ele se reveste de “grande simbolismo”, na complexa encruzilhada política em que Moçambique se encontra.

“Este acto, insólito nas suas circunstâncias e local, tem o significado de reafirmação do compromisso, da mais importante força política da oposição em Moçambique, para e com o princípio democrático”, disse o orador.

Mesmos desafios

No entender de Tomás Vieira Mário, “no seio do povo acentuou-se o cepticismo, alimentado por um sentimento crescente de abandono por parte das classes políticas, entregues a disputas cujas motivações o povo simplesmente não entende”.

Palavras como “que comam entre eles, mas, por favor, deixem-nos em paz”, tornaram-se, no entender deste, muito frequentes no seio da população e são reveladoras de um elevado nível de insatisfação. Como tal, a situação demonstra a urgência de haver uma reconciliação entre as diferentes forças da sociedade.

Vieira Mário entende que numa situação de paz restabelecida os desafios das forças políticas nacionais continuam os mesmos de sempre: a devolução de esperança ao povo, através de programas de paz e reconciliação nacional que têm como base a política de genuíno diálogo e inclusão e a integração social e económica de todos, sem descurar os antigos combatentes. Vieira Mário alerta para o facto de que o diálogo “não deve limitar-se a sessões formais à volta de uma mesa, mas deve afirmar-se como uma cultura da classe política.

“Das próximas eleições gerais deve emergir uma nova era na política moçambicana, caracterizada por um novo discurso de renovação da democracia e da esperança; de abertura ao pluralismo de expressão política, e de inclusão. E em que o princípio da proporcionalidade impregne e atravesse todo o espectro e as práticas da vida nacional: na política, no acesso a oportunidades de emprego, de negócios, etc.”, aponta. Para o orador, a mensagem principal a ser divulgada é de “não à intolerância política”, pois ela pode até parecer marginal nas grandes cidades, mas quando se chega às zonas onde o poder do Estado é deficitário é quando se nota o quão relevante ela é.

“Hoje assiste-se à destruição de sede de partidos adversários, o que apenas ensina o povo a ser intolerante”, disse, acrescentando que é importante que se devolva a tranquilidade ao povo.

Ideias pré-concebidas minam o diálogo

Para o bispo Dinis Matsolo, os impasses que se registam no diálogo político entre o Governo e a Renamo resultam do facto de os interlocutores não acreditarem que aquele constitui a única via para se alcançar o consenso.

“Quando não há resultados no diálogo é quando não acreditamos no diálogo. Vamos com ideia pré-concebidas e fazemo-lo só para que os outros digam que tentámos, só não resultou”, disse o bispo deixando nas entrelinhas a percepção de que há falta de interesse em que estas conversações tragam resultados palpáveis. Dinis Matsolo diz não perceber como é que numa altura em que o mundo já se convenceu de que a única forma de se ultrapassar as diferenças é o diálogo, ainda apareça quem tente inventar outras vias que causam derramamento de sangue e sofrimento às comunidades.

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