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Delírios através do (bom) jazz

Os bancos do auditório enchem sorrateiramente.O suor transforma-se em onda sonora de trompete e saxofone que chamam o público a momentos de delírios, emitindo uma mensagem de jazz. A percussão grita pelos contornos da África. A expectativa da plateia aumenta. O contrabaixo casa-se com o ritmo da bateria, ambos enfeitados pelas notas do piano que choram e gritam, e, às vezes, riem. A voz aclama o amor, a paz e a harmonia. As linhas da guitarra levam-nos a experimentar momentos de êxtase. E, assim, sai um bom jazz…

Não é preciso ser vidente, se realmente for ouvinte das suas nostálgicas obras e percebe o imaginário visual subjectivamente singular, para “expectativar” que um concerto dos filhos de casa, Jimmy Dludlu e Isabel Novella, nunca seria qualquer coisa de vulgar, tal como se anda- a dizer por aí, à boca grande. E assim foi, na última sexta feira (06), no Centro Cultural Universitário, em Maputo.

A nova, prometedora, estrela do Jazz em Moçambique, Isabel Novella, que começou por escolher, a dedo, os “covers” que inclui no seu primeiro álbum – com o seu nome, publicado nos meados de 2013 – é actualmente uma estrela em ascensão no panorama do jazz africano, em particular, e, se calhar, mundial, no geral.

Assumidamente cantora, ainda que acompanhe quase todas as músicas à capela, scatsinging, scatvoice e com a banda, Isabel foi quem teve a espinhosa missão de abrir o concerto.

Dona de uma voz poderosa, no “show”, Novella foi notavelmente tímida. Se calhar, o apreço do público – que se notabilizou através da adesão do mesmo ao concerto e dos aplausos aquando da sua entrada – a tenha deixado acanhada, nervosa e, incrivelmente, mais decidida, experimentando um misto de sensações.

De todas as formas, o que ela fez é, mais do que um concerto, uma experiência de dança e canto imersivos, ou uma performance artística hipnótica. Os temas sucedem-se uns aos outros de forma contínua ao longo de, quase, uma hora, com o palco ocupado, para além dela, por teclista, baterista, percussionista e guitarristas.

O preto, o verde e o vermelho são as cores predominantes, com as luzes a instituírem sempre um ambiente misterioso. É como se o imaginário que corresponde ao luto, à esperança, ao amor, respectivamente – a incrível sensualidade, o negro e vermelho, duas linhas que separam a dor do prazer –, fosse transportado para o palco através de gestos sinuosos e voz encantadora e arrepiante.

De facto, foi um espectáculo minucioso e rigoroso, mas, na verdade, estava sempre à beira do descontrolo devido à baixa qualidade do som. Quer queiramos quer não, não aconteceu nada do que muitos de nós conhece. Os problemas são os mesmos: pouca qualidade de som. E isso é quase doutrina no país da “Marrabenta”.

Embora as suas canções sejam reconhecíveis, na maior parte das vezes soam bastante diferentes do disco, talvez porque contêm alguns elementos novos, ou porque raramente são apresentadas na totalidade, interrompidas por diversos fragmentos fonéticos.

A ser verdade, a dama de “Touch Me” ainda não é uma celebridade. Ela está longe disso. Mas, no “show” da sexta-feira mostrou que o mundo é um lugar muito estranho. Por exemplo, para quem vai à procura de um concerto convencional as hipóteses de desilusão são inúmeras. Mas, há que deixar o mistério no ar. Criar um ambiente de tensão, para que o público exulte.

“A viola la Mina la Vulavula”

Diríamos, em abono da verdade, que no dicionário “dludliano”, a palavra jazz é sinónimo de liberdade. Poder. Amor. Prazer… é algo que se pensa como um somatório de ideias, um conceito, uma vida. Por essa razão, tal como mostrou aquando das suas fluentes brincadeiras com o público, a festa só é “cool” quando é celebrada em massa.

De todos os modos, apesar de ser subjectivamente particular a interpretação deste ícone, as obras de Jimmy são timbres musicais que bailam como pássaros em revoada artística e que exaltam sentimentos de júbilo, que marcam um selo de contestação e mesmo de revolta. É um jazz que comunica provocando calafrios no espectador subjugado pela força cultural e expressividade sentimental.

E este jazz acontecido no último fim-de-semana, em Maputo, é uma demostração das potencialidades artístico-musicais existentes na Pérola do Índigo. Na verdade, o que, nas suas respectivas actuações, Jimmy Dludlu e a sua homóloga Isabel Novella mostraram com suor, alegria e muito talento é fruto dessa melhoria. Daí vem “O Melhor de Moz Jazz”.

Diante da experiência que Dludlu nos propiciou começámos a mergulhar num misto de intuições, analisando desde a sua forma de ser, de tocar… até às nostálgicas vibrações. Jimmy não só surpreendeu o público, mas como fê-lo delirar. Muito mesmo! A partir daí e porque, com esta manifestação, se pretendia o mesmo, há quem em surdina diga “esse gajo é bom!”.

Realmente! O jazz aconteceu e, segundo a promessa, voltará a suceder. Ainda bem! Que seja bem depressa para de novo podermos reviver a força dessa magia.

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