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Deixe de “punidisses” e vem fazer sexo comigo!

Deixe de “punidisses” e vem fazer sexo comigo!

O que esperar quando a arte devaneia o corpo de um artista? Na tentativa de dar uma resposta afirmativa a esta pergunta Elso Chirinda e Adriano Cossa, que representam Amine e Salvador, respectivamente, do grupo Gumula, subiram ao palco do Mapico, no dia 27 de Dezembro, para, através da sua nova peça intitulada “Black Out”, quebrarem os paradigmas e os tabus existentes na sociedade moçambicana e não só, no que diz respeito as relações sexuais. Por isso, em “Black Out”, uma obra que “resplandece” o erotismo, os artistas apresentaram-se totalmente pelados.

Respondendo a questão que dá o início a nossa matéria, quando a arte devaneia o corpo de uma artista, teoricamente, acontece uma coisa muito similar à simplicidade do título do nosso texto. Às vezes, ou quase sempre, tal como os curandeiros quando são domados pelo espírito (seja qual for), os artistas, perante as suas criações, também agem inconscientemente. De todos os modos, os precedentes do referido estado são muito mais complexos do que os momentos de lucidez.

Tal como narrámos, no artigo anterior sobre a mesma peça teatral, podíamos, pura e simplesmente, sancionar desfavoravelmente os actores de “Black Out” pelo facto de se exibirem à plateia totalmente nus, numa sociedade tradicionalista e, pior, na qualidade de novatos neste tipo de teatro – erótico.

O problema é que mostrar as partes íntimas do corpo humano tem sido uma das mais contestadas ideias na nossa cultura. Mas também diríamos, em abono da verdade, que não basta entrar no palco e encenar problemas sociais de forma cómica como se de uma aula teórica se tratasse. Nem basta sequer entrar em cena com roupas meio ridículas (e ou formais) e retratar assuntos que, de uma ou de outra forma, espelham a (des)graça do povo. É preciso atrevimento e, se calhar, quebrar o “protocolo”.

Na verdade, o teatro serve para apresentar a realidade, ao invés de se limitar a representá-la, para que, desta feita, se consiga, mais do que transmitir uma realidade, fazer parte dela. Por essa razão, em “Black Out”, a dor, o amor, o importuno, as vinganças coincidem em dois corpos nus que procuram, para além de espantar e/ou alegrar o público, criar uma reflexão mais profunda em torno dos prazeres sexuais.

Para tal, os actores criaram, através de uma soma de vivências, uma cena teatral capaz de espelhar a realidade social e a outra em palco. Isto é, eles recriaram no teatro a espontaneidade da vida, do ser artista sem restrições, para que a sua obra não seja apenas mais uma ideia preconcebida.

E o remédio escolhido foi, neste caso, narrar o processo da conclusão do ciclo de resposta sexual que corresponde ao momento de maior prazer. O que em detalhadas letras chamamos de orgasmo. As narrativas são feitas por actores, incorporando falas, gestos e, por vezes, demonstração dos seus aparelhos reprodutivos.

Mas, tanto o que eles trazem na obra – cuja particularidade verifica-se no uso de lanternas em substituição da luz de lâmpadas, tudo para ofuscar a precisão dos seus órgãos genitais – são factos que nos mostram que os actores de “Black Out” possuem um génio forte, típico de crianças que às vezes, senão sempre, agem inocentemente. Aliás, sem temerem represálias.

Na peça, Elso Chirinda e Adriano Cossa dizem, um de cada vez, os métodos para alcançar-se a satisfação nas relações sexuais, refazendo, com o corpo, os movimentos e a gestualidade que parecem naturalmente associados ao que se pensam, se vivem e construindo outros pensamentos ocultos para alicerçar os explicitados.

“É preciso ler o sexo e praticá-lo com sabedoria”. E, sobre a matéria, não lhe faltam argumentos: “meus amados, o amor não começa com nenhuma riqueza interior ou subjectividades espirituais, mas sim por pernas, coxas, bundas, apetrechos sexuais específicos o todo o resto do corpo. Isto é, ninguém vai ao espírito senão pela carne”.

De certa forma, estes momentos parecem de confissão perante um público cúmplice, no sentido real e metafórico. Salvador (Adriano) refaz com precisão o papel de um indivíduo potente que apoia a questão de se aprimoraram as relações sexuais, porque, segundo conta, o sexo – esse “instrumento” (in)dispensável na vida do Homem – não pode ser desperdiçado, pura e simplesmente por inocência ou, se calhar, por preservar o tradicionalismo.

Entretanto, é com esses discursos, compreendidos por alguma corrente de opinião como revolucionários, que os actores querem acabar com “punidisses”. Na verdade, o termo, criado por eles, é sinónimo de auto-punição que advém de pessoas que não aceitam a verdade por medo de sofrerem represálias na sociedade. Mas, segundo eles, para atingir-se o orgasmo “é preciso lapidar as mulheres”.

Do outro lado, Amine (Elso) repete o que vê, ouve ou imagina sobre a desejada satisfação nas relações sexuais: “entre os sexólogos, a questão do orgasmo é bem antiga, porém sempre desconhecida porque ao tentarem apurar apenas chaga-se a conclusão dos preliminares, porque a quantidade de orgasmo sentida por uma mulher heterossexual está directamente relacionada à factor histórico familiar do parceiro, auto-confiança do homem e o nível de atracção do casal”.

Apesar de que o assunto sobre o sexo é pouco discutido nas nossas comunidades, o que analisamos no dia da estreia desta obra é que para os jovens e alguns adultos a experiência dita a segurança. Facto curioso é que, entre as pessoas que viram o espectáculo, ninguém ousou ignorar a sua originalidade. O ambiente tornou-se mais discursivo e de troca de ideias relativamente ao mesmo assunto – o sexo.

A metáfora enceno sublinha, até certo ponto, a necessidade de os seres humanos distanciarem-se do tradicionalismo. “Bem que prefiro o sexo do mundo animal. Eles, sim, podem nos dar uma licção de vida, no que concerne a este assunto. Eles não se prendem à convicções moralistas, nem à conceitos pré-fabricados de pudor, mas sim fazem sexo com o único objectivo: procriar. E não importa onde e como. Os cães na rua, bem a nossa frente, os gatos em cima do nosso telhado, as moscas no pão com manteiga, a nadarem , a comerem e a voarem é só toma que te dou”.

Contudo, o que em parte se pretende explicar é que, tal como sublinha-se na peça, muitos dos nossos antepassados – mães e avós –, particularmente os do sexo feminino, pereceram sem atingirem o orgasmo. Por isso, há, ainda mais, necessidade de se quebrar os tabus e fazer com que as mulheres tenham, diga-se, os mesmos privilégios sexuais.

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