Era uma vez, em Dezembro do ano 2011. Um senhor – Nuno Quadros – quis realizar um evento cultural em Maputo. Então, convidou (bons) artistas oriundos de Moçambique, África do Sul, Angola e Portugal. Esqueceu-se que – mesmo na capital do país – o povo não tem muito dinheiro. Resultado? Produziu uma bela festa, debalde, ninguém foi.
Talvez o termo – ostracização – seja demasiado. Mas certas ostracizações, porque passamos na vida, advêm da pura existência e/da acção humanas. Outras ainda, por exemplo,os desastres e calamidades naturais, brotam da mãe natureza e, por qualquer razão, nos açoitam.
Se quisermos assumir que as incidências dos dias dois e três de Dezembro, em relação ao Primeiro Festival Ka Mpfumo se enquadram neste campo de “condenação”, então os protagonistas foram a apatia do povo – que sentindo-se repelido pelos elevados encargos financeiros que pressupunha o estar no Ka Mpfumo – preferiu permanecer em casa. Curtir o show na tela mágica da Tv.
De qualquer modo, ao que tudo indica tal indiferença, não foi obra do acaso. Outros factores podem ser invocados para explicá- lo. A coincidência de espectáculos musicais, todos de boa qualidade – que naquele princípio do fim do ano tomou de assalto a cidade de Maputo; a mudança brusca do estado de tempo (ameaças de precipitação), mas acima de tudo, o alto custo dos ingressos para aceder ao local concorreram para o fracasso do festival.
Nas semanas anteriores à sua efectivação, muita expectativa, havia sido criada. E, ao que tudo indicava o sucesso quase era uma certeza.
“Tecnologia industrial no sistema sonoro, um terreno extenso, por inaugurar; perto de 20 restaurantes para garantir bons manjares da gastronomia moçambicana e, não só. Uma estratificação social em regiões VIP e não, o que se verificou sobretudo, ao nível dos preços do ingresso, 500 e 1500 Meticais, respectivamente para o povo e elite; a inclusão de todos os estilos e géneros musicais, foram apontados como principais atracções.
No entanto, incompreensivelmente parece que estes factores – todos – em contra-censo contribuíram para que, no primeiro dia, quando @Verdade chegou ao quintal anexo à Estação dos Caminhos de Ferro de Maputo, onde ganhou espaço o evento em alusão, defrontasse com um cenário quase similar ao do período da realização do festim.
Era como se se excluísse alguns elementos do local – como por exemplo, as construções edificadas, o palco, os sanitários, os restaurantes, a tenda VIP, algumas pessoas, sobretudo os organizadores e artistas, etc., – não restassem dúvidas de que se estava no deserto de Ka Mpfumo.
Eram 21.00H e, Dilon Djindje (e banda) moviam-se pelo palco. Cantava os seus temas lendários, que enriquecem a canção moçambicana. Cantou, dançou, mas (quase) não encantou a ninguém. Até porque as possibilidades de tal acontecer eram diminutas. Ninguém estava lá.
Cahora Bassa Project
Não tardou muito para que a orquestra juvenil “Cahora Bassa Project” (dinamizada por jovens artistas como Xixel, Cheny Wa Gune, Zoco Dimande, entre outros) galgasse o palco. A primeira mensagem, por estes, musicalmente transmitida foi a necessidade de combater o abuso sexual de menores na sociedade.
Aliás, esta foi a única música inédita apresentada, sobretudo para quem acompanha a carreira de Cheny Wa Gune Quartet. O que mais adiante se apresentou foram melodias habituais da Timbila (do “Jindji-jindji” que é o primeiro trabalho discográfico de Cheny) associadas às guitarradas de Zoco Dimande. Dois tocadores exímios, com suas peculiaridades.
Diga-se foi lindo! A Timbila tem mistérios, segredos por descobrir e explorar. A Cahora Bassa Project salpicou-nos com alguns.
Mas enquanto o minúsculo público, que se encontrava no local, ganhava alento para candidatar-se a uma viagem sem precedentes pelo reino da Timbila, eis que a mãe natureza zangou-se e, choveu! Imediatamente, as pessoas abrigaram-se nas tendas. E o quintal solitário! Quase que ninguém desafiava a chuva, apesar de, miúda. E aqui se inclui (também) os guardas, os homens da lei e ordem, cuja missão era garantir a segurança dos demais.
Aliás, imediatamente interpretou- -se a chuva como uma bênção.
Tenda VIP
Naquela noite, @Verdade percorreu a Tenda VIP do Festival Ka Mpfumo. A ideia era descobrir quem – no caso particular – eram os “very important person” da capital. Não encontrou nenhuma figura conhecida. Não necessariamente por ignorância, como é óbvio. Mas porque também não havia muita gente, de tal sorte que só vimos alguns cidadão estrangeiros mesclados à alguns artistas.
Jimmy Dludlu
Se por razões técnicas, ou porque o plano foi elaborado neste sentido não nos foi possível apurar, o facto é que nos interstícios do abandono do palco pela Cahora Bassa Project para dar lugar a Jimmy Dludlu (que muito recentemente brindou aos amantes do jazz com Tonota, o seu disco) passaram 30 minutos. Foi uma seca. Sobretudo porque o DJ se esquecera de colocar um hit/ beat qualquer para barulhar.
“Daqui a pouco Jimmy Dludlu. Acredito que há muita gente que veio para ver esse grande ídolo”, dizia Fred Jossias, secundando por Saquina Cassamo que – aparentemente por orientação da produção para movimentar a feira gastronómica – tentou instigar os presentes para aderirem aos stands dos “comes e bebes”.
Uma outra feira, da mesma natureza, ganhava corpo e simpatizantes fora de Ka Mpfumo. “Recordem-se que há um total de 18 restaurantes no espaço, onde podem comer do bom e do melhor”, Saquina dava o seu show de marketing amador.
De qualquer modo, quando Jimmy e seu elenco safaram-se dos problemas técnicos, tudo – o palco,as pessoas,os espaços – se transformou numa cultura Jazz. Foi o ápice da festa. Ninguém obrigou as pessoas para a aproximarem- se do palco, como Xixel o fizera.
“Sincronizadas e electrizadas” – mesmo que isso não seja matemático – mas naturalmente as pessoas aproximaram-se umas das outras. Até porque nessa altura as condições estavam (melhor) restabelecidas. Durante cerca de uma hora tocou a guitarra e, em jeito de metáfora, tocou em cada um dos presentes com as suas composições mágicas.
Ao invocar o subúrbio de Maputo – com destaque para o bairro de Chamanculo – revelou que valoriza as origens, apesar de viver no exterior, mas acima de tudo, não se esqueceu da sua identidade.
Mais importante ainda, evitou com o seu estilo Jazz o jazer da cultura musical – naquele espaço – derivada da fraca afluência. Abriu espaço para outros agrupamentos. Era meia noite e, @Verdade abandonava o espaço. Às 20 horas do dia seguinte, fez uma revisita. Constatou que o cenário era o mesmo, senão pior. Organizava- se o palco para, a banda angolana, Kossundolola actuar.