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Quando Maria José Sacur Dança(r) Para Ti!

Quando Maria José Sacur Dança(r) Para Ti!

Mais uma vez, a inquestionável bailarina moçambicana, Maria José Sacur, decidiu rechaçar algumas paranóias e visões distorcidas que se alimentam sobre a dança. Para o efeito, apresenta-se na noite de hoje, no Cine Teatro África, em Maputo. Na sua gramática sobre o baile–ainda não se operou nenhum acordo ortográfico, no entanto–há novos vocábulos que podem ser vistos em palco, até amanhã.

Que fazer quando, depois de quase um ano de preparação, faltando menos de 500 horas para o fim, uma mulher (das artes) junta o seu elenco e, decide dançar para ti?

Vinte anos depois de parir a Academia Dança Para Ti, Maria José Sacur, brindou os moçambicanos e o mundo de inúmeros e memoráveis concertos de dança. Dentre tantos, o Dança para ti que perfaz o nome da sua escola impôs-se como uma tradição. Nos dias actuais–para os nostálgicos da cultura tradicional – seria uma heresia não colocá-lo em haste, em montra, em exibição para contemplação.

Por este contexto–o da sua celebridade, importância, valor… – que Sacur ocupa no “País da Marrabenta”, @Verdade ganhou fôlego para travar uma conversa amena, divertida, mas carregada de muitos anseios, receios, sonhos, memórias, angústias, nostalgias, futurismo, e, porque não, de desabafos também. A seguir, salienta os pontos sublimais.

“Eu já tenho um percurso na área da dança bastante extenso e, quando criei a Academia Dança Para Ti, em 1991, havia no país apenas a Escola Nacional de Dança. Esta formava, unicamente, profissionais para a área de dança”, começa por dizer, sem nenhuma novidade.

De tal realidade, decorria que muitas crianças que iam à Escola Nacional de Dança para fazer o teste de admissão, uma vez não admitidas, por não reunirem condições exigidas para se ser um profissional competente–em dança–para poder competir no mercado, regressavam às residências constrangidas.

Naturalmente, na altura, Maria José Sacur, uma amante da dança, ficou mexida, com pena, em relação a tais pessoas a quem se recusava um desejo, uma vontade, um sonho, dançar, pura e simplesmente porque não reuniam condições para serem (bons) profissionais. Mesmo quando se sabe que “nem todas as pessoas que gostam de dançar querem ser profissionais”, diz.

Essas circunstâncias impeliram, nos anos 90, a nossa interlocutora a fundar a Academia Dança Para Ti, que é uma instituição de ensino de dança que, diferente do que acontece na Escola Nacional, “as pessoas não são avaliadas para ingressar. Aqui, vinga a (valorização) da boa vontade das pessoas em praticar a dança”.

Ninguém quer dançar profissionalmente

Não tardou muito para Maria José Sacur levar a sua opinião ao extremo. Conta que–na realidade do país–seria “mentira quando nós dizemos que estamos a formar profissionais numa situação em que temos cargas horárias muito reduzidas, apensa duas horas em dois dias de trabalho durante a semana”.

Recordo-me que quando fiz a minha formação passava oito horas semanais na escola. Fazíamos tanto trabalho prático, muita teoria, muitas disciplinas, como por exemplo, a história política, porque na qualidade de profi ssionais que seríamos, devíamos saber tudo.

Em outras palavras, isto equivale a dizer que “formar bailarinos é uma responsabilidade muito grande, de tal sorte que, nessa altura achei–como continuo pensando–que, em Moçambique, ainda não temos gente que quer fazer dança profi ssionalmente”. Logo, à partida, “seria um fracasso fundar mais uma escola profissional de dança. Por estas e outras razões, a minha escola continua a ser destinada a quem quer/gosta de praticar o bailado”, realça.

Em 2011, o Dança Para Ti–que já tem tradição no cardápio dos eventos culturais dos últimos 20 anos em Maputo–será dividido em duas partes. Muita música africana e, sobretudo moçambicana fará os corpos rebolarem.

A primeira inclui crianças com idades a partir dos três anos, adolescentes, alunas gordas, outras muito magras. Em tais alunas poder-se-á ver, muita dança, mas acima de tudo a vontade de praticar esta disciplina cultural. Por isso, “estou feliz pelo facto de poder ser útil para estas pessoas que praticam o baile por amor”.

Na segunda etapa–a mais importante–Maria José Sacur irá evoluir, revelando novas formas de dizer mensagens com a linguagem do corpo, dos movimentos, muitos dos quais se espera que sejam inéditos. Tudo de forma profissional. Será um momento de muito rigor técnico. Até porque “ninguém gosta de estar– permanente–a fazer a mesma coisa pelo resto da vida, ainda que isso nos dê algum gozo”.

O contacto com @Verdade criou oportunidade para Sacur clarificar que apesar de o Dança Para Ti não ser uma escola profissional, “nós procuramos ensinar as pessoas os passos correctos para a prática da dança. No primeiro semestre, Fevereiro a Junho, dá-se aulas técnicas sobre dança moderna, finalizando com uma aula (prática) pública”. Nos meses subsequentes a Julho, inicia-se a preparação do concerto “Dança Para Ti”, a ser hoje e amanhã no Cine Teatro África, em Maputo.

Repudiou algumas ideias adversas à dança, dizendo que as pessoas têm uma noção distorcida sobre a dança. Pensam que praticar dança é só colocar uma música e mexer o rabinho, ficando-se por aí. Ora, não é nada disso! “Nós levamos todo o ano a preparar este espectáculo e, ainda assim, precisávamos de mais tempo para fazer algo melhor, com mais excelência e qualidade”.

Não valorizam o trabalho

Segundo Sacur, os investimentos destinados à arte são sempre minúsculos. E a consequência imediata é o receio–por parte dos artistas– em conceber projectos cada vez mais ambiciosos e profissionais.

No concreto, sobre o exposto, Sacur realça: a produção de um espectáculo profissional de dança é muito onerosa. Por isso, mesmo o “Dança Para Ti”, por exemplo, que não tem muito de profissional, custa cerca de 700 Mil Meticais. Ora, nunca conseguimos dinheiro suficiente para produzir um espectáculo da maneira como gostaríamos que fosse”.

O que safa os artistas moçambicanos–sobretudo os mais conceituados– é a existência de gente com boa fé “que nos tem apoiado”. Maria José Sacur–com uma experiência curiosa faz parte deste grupo. As pessoas apoiam-me porque valorizam a mim, como pessoa, e não o trabalho que faço. Isso está errado. Porque–o trabalho e a minha pessoa–são duas coisas diferentes”.

Não obstante, a artista congratula-se com o seu ofício. Para si, mais-valia é poder contribuir para a formação da personalidade dos seus formandos. Afinal, além de pressupor a realização de exercícios de manutenção física, a dança desenvolve muitas qualidades na pessoa.

Muita nostalgia

O factor tradição de que o Dança Para Ti goza, fá-lo especial. Aliás, caminha à idade 20, o que acontecerá em 2012. Por isso, sempre tem um espaço cativo para acontecer em cada final do ano, apesar de tal tender a desaparecer. Já não se fazem longas temporadas do evento em Maputo.

Mas isso não nos impede de referir que ao longo dos anos o Dança Para Ti produziu muitas bailarinas. Algumas alunas actuais são filhas de pessoas que se iniciaram naquela academia há 20 anos. Se se tratasse de uma relação de parentesco, diríamos que se trata de netas da Maria José Sacur.

No crepúsculo de cada ano, as pessoas muito ansiosas, aguardam/ vam mais um Dança Para Ti. Quando demora/va acontecer, elas questionam as razões do facto.

“Recordo-me que nos primeiros anos apresentávamo-nos no Teatro Avenida com o apoio da Manuela Soeiro–em sentido moral e material–porque nessa altura era muito complicado trabalhar na arte”, afirma reiterando que na altura “eu percebia muito pouco o porquê daquele aconselhamento técnico, prático e, até de motivação pessoal–que a Manuela tinha para comigo–porque ela sempre confiou em mim. Mesmo quando eu duvidava que fosse capaz. Por isso, eu tenho uma dívida muito grande com a Manuela”.

Em contra-censo, a realidade moderna, marcada por pouco fervor na demanda pela arte, pode não angustiar (necessariamente) a quem viveu os tempos idos. Mas enriquece o passado de muita glória. É assim que se nos apresenta Maria José Sacur.

“Na altura nós fazíamos uma temporada–de Dança Para Ti – durante um mês, acontecendo três dias por semana. Às sextas- -feiras, aos sábados e domingos. E sempre tínhamos a casa superlotada. Fazíamos confusão porque colocávamos cadeiras nos corredores. Não imagina! Era uma coisa diferente”.

Quando aparecemos – mesmo para a Escola Nacional de Dança – tudo era diferente. O ambiente e o estilo de trabalho eram outros. Introduzimos, pela primeira vez, um espectáculo globalizado, porque a Escola de Dança só fazia balet, técnica moderna e dança moçambicana.

Penso que fui a pessoa que começou a inovar, a agregar novos elementos, novos estilos de dança, de tal forma que o “Dança Para Ti” de 1992 foi um verdadeiro estouro. Tal experiência foi singular de tal sorte que–como eu às vezes me rio quando – as pessoas reiteraram a mania de que “o que é bom não é nosso”. Para dizer que a qualidade do espectáculo se devia ao facto de “a directora ser uma chinesa”. Divertíamo-nos muito com isso.

Mais adiante apareceram as demais escolas. E, penso que, de certa forma, elas deram a continuidade a linha de trabalho que eu havia começado. É por isso que – desde o ano passado – estou a dar uma reviravolta em relação a esta maneira tradicional de trabalho. Os resultados serão vistos em palco. É assim que Maria José Sacur conta a epopeia da dança em Moçambique.

Tantos sonhos secretos

Passados tantos anos, a carreira foi se consolidando a custa de experiências acumuladas, muita disciplina e exigência. Mas também, outras esferas de representação e acção cultural foram sacrificadas e proteladas.

Por isso, “no próximo ano tenho sonhos–que espero torná-los realidade–de fazer um trabalho fora da escola. Uma coreografia rica em qualidade, inovação, uma revelação de sonhos.–Que sonhos?–Não posso falar.–Não faça isso!–Não posso falar, mas a verdade é que tenho sonhos grandíloquos”.

A academia e o Dança Para Ti acontecerão, continuamente. “Mas quero sentir o prazer de conseguir realizar aquilo que tenho estado a pensar e que, por falta de patrocínio, tem ficado na gaveta”.

Esta pretensa necessidade de auto superação não vem do acaso. Tanta vida, tanto trabalho, tanta imaginação em palco podem ter sido deixadas para trás. Afinal, “a escola permite-me trabalhar até certo limite, porque as alunas não são profissionais. Há vezes que eu exijo que façam mais do que podem. Esqueço-me de que se trata de crianças. As minhas alunas mais velhas têm 15 anos. Mas eu, às vezes, trato-as como se fossem senhoras, rogando-as muita responsabilidade!”, diz.

Todos sabem fazer tudo

Solicitada a comentar o uso que se faz da dança – a sua esfera de influência no país – Maria José Sacur mostra-se-nos reticente.

Diz-nos simplesmente que “não gosto de abordar este tipo de assunto – o estágio actual da dança no país. Sinto que, em Moçambique, estamos a viver uma época em que toda a gente sabe fazer tudo. Todos cantam, dançam, sabem fazer teatro, alguns até foram encontrados–no hospital – a fazer cirurgias. A mim, já perguntaram, inclusive, se queria gravar um disco. Curiosamente, nunca me tinha visto cantar! Para dizer que estamos numa fase em que todos sabem fazer tudo”.

Para si, uma dualidade de sentidos maniqueístas basta para adjectivar o nosso caos. Ou seja, ”estamos numa fase boa e má”. Boa, porque temos mais gente a praticar alguma actividade. Má, porque “as pessoas que pensam que sabem alguma coisa, passam a maior parte do tempo a transmitir ensinamentos errados”.

A televisão moçambicana é apontada como que estando a despir- se do seu papel na educação da sociedade. Neste prisma, Sacur endossa um apelo àquela instituição social para que encontre um meio termo na forma como selecciona e difunde os seus produtos culturais, tendo em conta o seu valor didáctico.

“A facilidade com que as pessoas acedem-na é preocupante.” Mas o mais preocupante é que não “existe uma triagem nos programas difundidos. Falta um cuidado de avaliar a qualidade dos produtos, o seu impacto sob o ponto de vista de ensinamento na sociedade”.

Por exemplo, “tenho visto na televisão programas que falam de dança. Na maioria das vezes, noto que as pessoas que compõem o painel não sabem nada sobre o assunto. Dizem disparates de vários tamanhos, coisas arrepiantes. Mas é como lhe digo–não gosto de criticar as pessoas–acho que cada um tem o seu espaço.

Costuma-se dizer que os gostos, de facto, são relativos. Por isso, penso que as pessoas procuram associar-se onde se sentem melhor. Eu continuo com a impressão de que se trata de uma fase efémera e passageira. Há-de chegar o dia em que as pessoas que não dominam as áreas em que estão a tentar trabalhar, serão postas de lado.

O outro aspecto que se tornou objecto de lamentações“sacurianas”são as empresas moçambicanas. Quando realizam festas, as empresas “não têm sido criteriosas nas suas escolhas de produtos artísticos e de entretenimento. Contentam-se com tão poucochinho. Fazem todos a mesma coisa. Não há procura de originalidade, de trabalhos diferentes. Estamos a precisar de mais qualidade, de mais exigência, mas sobretudo de mais cuidado quando estamos a promover qualquer trabalho”.

Resolvi dançar para não falar!

Durante uma hora de conversa, Maria José Sacur absteve-se o tempo inteiro de formular uma crítica devidamente. Até porque certas denúncias por si feitas, aconteceram por lapso. Diz não gostar de criticar ninguém. Eis que @Verdae questionou o porquê de tal procedimento, sobretudo porque a crítica é construtiva, e ela–no campo da dança–tem um saber enciclopédico.

Ao que, em jeito de desabafo, nos disse “não posso fazer a crítica quando há muita promoção de mediocridade. Temos grupos com boa qualidade e, temos ainda um monte de outros que a gente não sabe de onde é que saem.

Se alguém vier ter comigo, e dizer que não sabe determinado trabalho e eu questionar o que sabe é diferente de eu promover um trabalho medíocre–de alguém que diz saber– quando na realidade não sabe.

Eu penso que isso é complicado. Teria que se fazer um debate muito calmo, sem exaltações, porque se a gente começar a exigir, muita gente ficará de lado. Mas eu também não penso que seja a pessoa mais indicada para tecer alguma crítica.”

Desviámos, então, a atenção para uma outra dualidade, que tem a ver com a experiência e responsabilidade envolvida em–Maria José Sacur–apresentar-se no espaço nacional e no estrangeiro.

Em princípio, Sacur pensa que “apresentar-me em casa exige maior responsabilidade, do que no exterior. Porque, por exemplo, se eu apresentar qualquer dança tradicional moçambicana no exterior–todo o mundo vai aplaudir. A nossa dança tem muita força. Opostamente a isso, se eu apresentar o mesmo espectáculo em Maputo e ser bem aplaudida será porque, de facto, mereci. Porque as pessoas conhecem”.

Afinal, apesar de ter a mania de pensar que dançar bem é apenas mexer o rabo, as pessoas–em Moçambique–já exigem muito mais que isso. Não sei bem, mas penso que a minha vida profissional é mais séria, no país do que no exterior”.

Em meio tempo, quando se recorda que actuar no exterior significa representar Moçambique, um país, Sacur ganha consciência do embaraço que pode estar a cometer. Logo, reconstruiu o pensamento. “Não sei como explicar melhor. Mas também escolhi dançar para não ter que falar. Falar é muito complicado”.

De uma ou de outra forma, olhando a questão sob outro prisma, talvez sejam responsabilidades diferentes. Talvez eu esteja errada, porque apresentar-me no exterior significa representar o país. Então, a responsabilidade não é menor. É igual, então a balança deve ser equilibrada!

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