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Corrupção no Hospital de Nacala-Porto

Corrupção no Hospital de Nacala-Porto

Uma rede de funcionários do Hospital Distrital de Nacala-Porto, na sua maioria a ocupar cargos de direcção, instalou uma espécie de clínica especial naquela unidade sanitária. Sem o controlo do Governo e em detrimento da população, os profissionais da Saúde fazem uso de material hospitalar alocado pelo Estado para o atendimento de indivíduos que pretendem garantir vagas nas empresas que operam naquela região do país. O dinheiro cobrado pelos serviços prestados no hospital público vai parar às contas bancárias pessoais dos médicos.

“Eu, solenemente, juro consagrar a minha vida ao serviço da Humanidade. (…) Praticarei a minha profissão com consciência e dignidade. A saúde dos meus pacientes será a minha primeira preocupação (…)”, lê-se a dada altura no Juramento de Hipócrates, o mais antigo que tem sido utilizado em todo mundo na solenidade de recepção aos novos médicos. Mas é também uma das promessas mais desrespeitadas – os utentes do Hospital Distrital de Nacala-Porto que o digam.

Engana-se quem pensa que na cidade portuária de Nacala a palavra médico sempre “rima” com solidariedade e respeito pela vida humana. Naquela unidade sanitária, ultimamente, o ambiente está mais para um mercado grossista, devido às enchentes causadas pela morosidade no atendimento, do que para um local de tratamento de doenças propriamente dito. O @Verdade recebeu, recentemente, denúncias de casos de corrupção, envolvendo os profissionais da Saúde.

Do rosário de ilegalidades, destacam- se as cobranças ilícitas e a existência de uma rede de funcionários, na sua maioria médicos, alguns destes a ocupar cargos de chefia, que utilizam o material hospitalar alocado pelo Estado em benefício próprio. Os equipamentos são, particularmente, usados em exames médicos para efeitos de Atestado de Saúde Ocupacional, que os cidadãos têm de apresentar no acto de recrutamento para o preenchimento de vagas de emprego, solicitado por algumas empresas que desenvolvem as suas actividades na cidade portuária de Nacala e no distrito de Nacala-a-Velha.

Na verdade, a onda de corrupção envolvendo médicos ganhou contornos alarmantes, devido às multinacionais que operam naquele ponto do país, em que, dentre outros requisitos, a admissão de trabalhadores tem sido condicionada à apresentação de Atestado de Saúde Ocupacional. A realidade em causa coloca os pacientes de baixa renda na difícil situação de permanecerem longas horas, a aguardarem pelo atendimento médico, uma vez que a prioridade é dada aos candidatos a emprego, cujo número chega, diariamente, a ultrapassar as 20 pessoas.

Uma clínica fantasma no interior do hospital

Nos princípios do mês em curso, o @Verdade deslocou- se à cidade de Nacala-Porto. No dia 02 de Dezembro, fazendo-nos passar por funcionários de uma empresa fictícia, a qual denominamos “Decorações Multiflor, Lda”, contactámos o director clínico do Hospital Distrital de Nacala-Porto, de nome Jeremias Alberto, solicitando exames médicos.

A desculpa que usámos é de que a inexistente firma, com sede na cidade de Maputo, para a qual trabalhamos, prestaria serviços a uma multinacional que opera naquele ponto do país e a mesma nos teria exigido o Atestado de Saúde Ocupacional. Primeiramente, ele mostrou-se indisponível, alegando a ausência do director e do administrador do hospital, que, segundo o médico, têm a prerrogativa de passar o recibo, tratando-se de um serviço prestado a uma empresa. Porém, após a nossa insistência, o clínico ofereceu-se a fazer o trabalho.

Jeremias Alberto explicou ao @Verdade que o Hospital Distrital de Nacala-Porto ainda não dispõe de todos os serviços necessários para a realização de exames médicos, como é o caso de espirometria (pulmões) e de audimetria (audição), recorrendo a uma clínica privada, denominada Ekumi, localizada na zona alta da cidade de Nacala, onde o especialista é o médico identificado pelo nome de Ntambwe Lamenisha Narciso, que recebe parte do valor cobrado pelas análises. No mesmo dia, fomos submetidos a uma série de exames, relacionadas com visão, urina, fezes, hemograma, electrocardiograma e raio X.

De seguida, encaminharam-nos ao Posto de Saúde Ekumi para as análises de espirometria e audimetria. Dos exames feitos a pedido de empresas, o dinheiro vai parar aos bolsos de alguns funcionários, e, para o efeito, são utilizados os equipamentos, os reagentes e consumíveis de laboratório importados dos Estados Unidos da América, que custam elevadas somas de dinheiro aos cofres do Estado moçambicano. Num prazo de 48 horas, os resultados das análises, nomeadamente os relatórios de exames médicos, do electrocardiograma, e o laudo de exames laboratoriais são entregues ao utente, acompanhados de um Atestado de Aptidão.

Os valores cobrados estão fixados em 7.500 meticais por pessoa. Importa referir que as análises só são feitas depois de se efectuar o pagamento, mas, por compreensão do clínico, nós fazemo-lo posteriormente. Regra geral, a conta bancária usada para se proceder ao emolumento é pessoal, em função do médico que estiver a realizar o trabalho. No dia 03 de Dezembro, efectuámos um depósito em numerário, no valor de 15 mil meticais (referente a duas pessoas), na conta 305-599473-100-9, titulada por Jeremias Alberto, numa agência do Standard Bank localizada na Cidade Alta.

 

Empresas no esquema

O Hospital Distrital de Nacala-Porto não possui uma clínica especial para o atendimento personalizado de pacientes que tenham boas condições financeiras. Porém, a direcção daquela unidade hospitalar fixou, desde o dia 30 de Março de 2012, uma tabela de preços de consultas médicas, assinada pelo respectivo director do hospital, Cachimo Mulina, no valor de 600 meticais que cobrem serviços de cirurgia, medicina, pediatria, oftalmologia, ortopedia e ginecologia/obstetrícia.

O @Verdade soube que o dinheiro cobrado, na sua maior parte a instituições, vai parar aos bolsos dos médicos que executam os serviços. Das empresas que têm recorrido aos préstimos daquela rede de médicos para a obtenção de Atestado de Saúde Ocupacional, destacam-se a ST, Kentz, a Polar Limitada, a WBHO, a CHEC e a Odebrecht.

Refira-se que esta síndrome de corrupção afectou, igualmente, os médicos estrangeiros, maioritariamente cubanos, afectos àquela unidade sanitária, contratados pelo Governo moçambicano no âmbito da cooperação bilateral com Cuba, que abandonam os pacientes no hospital público para dar prioridade a trabalhos em clínicas privadas.

Direcção Provincial da Saúde tem a palavra

O director Provincial da Saúde em Nampula, Armindo Tonela, disse, na sequência do esquema de corrupção instalado no Hospital Distrital de Nacala-Porto, que naquela unidade sanitária não existem serviços personalizados, e todos os pacientes que procuram cuidados médicos devem ser tratados em igualdade de circunstâncias, sublinhando que os preços fixados para as análises são ilegais.

“O único preço fixado pelo Ministério da Saúde é o de cinco meticais, independentemente da natureza do trabalho solicitado pelo utente”, disse, acrescentando que existe um certo parasitismo na utilização da coisa pública por um grupo de médicos afectos àquela unidade hospitalar. Tonela garantiu que tem conhecimento da onda de corrupção instalada no Hospital Distrital de Nacala-Porto e afirmou que está em curso uma investigação.

Segundo o nosso interlocutor, a utilização de bens públicos para fins pessoais constitui um crime que deve ser punido de acordo com a lei vigente no país. Por sua vez, Calisto Sambo, inspector-chefe da Saúde a nível da província de Nampula, informou-nos que o seu sector recebeu denúncias relacionadas com o uso de material hospitalar em benefício próprio, cobranças ilícitas e desvios de medicamentos, tendo uma equipa se deslocado a Nacala-Porto para aferir a veracidade dos factos.

Sambo disse ainda que o Hospital Distrital de Nacala-Porto ainda não tem autorização do ministro para a instalação de uma clínica ou serviços especiais, apesar de a direcção daquela unidade hospitalar ter manifestado interesse para o efeito. “Os colegas estão a ser muito precipitados e acredito que seja por ganância. Aquela unidade sanitária ainda não tem condições para prestar serviços do género.

Deve existir uma rede de médicos e hospitais externos que complementam os trabalhos que estes exercem e dividem o dinheiro”, sublinhou. O nosso entrevistado escusou-se a avançar os resultados do trabalho de investigação levado a cabo pelo sector que dirige, mas tudo indica que há fortes evidências de corrupção, envolvendo médicos afectos àquele hospital, que se aproveitam dos cargos de chefia que ocupam. “Os recibos ou facturas que eles passam às empresas que submetem os seus trabalhadores a testes de saúde ocupacionais são falsos, e o sector da Saúde não se responsabiliza pelas consequências que daí poderão advir”, disse.

Clínicas Especiais nos Hospitais Públicos

Nos princípios do ano de 2007, por ordens do antigo ministro da Saúde, Ivo Garrido, foram banidos todos os serviços de consultas e as clínicas especiais nos hospitais públicos do país, com o argumento de que se estava a promover um tratamento diferenciado entre os doentes. Os mesmos serviços foram reactivados no ano de 2011, pelo seu sucessor, Alexandre Manguele.

Ao ordenar a reactivação das consultas e clínicas especiais nos hospitais públicos, na altura, o actual ministro da Saúde justificava-se afirmando que estes serviços contribuem, de forma significativa, para o orçamento hospitalar, e não apenas para melhorar o atendimento às pessoas com algum poder económico. Por outro lado, os serviços especiais não servem apenas para engordar as receitas dos hospitais, mas também para o atendimento àqueles que precisam dos mesmos, como são os casos de diplomatas, estrangeiros, dirigentes, entre outros.

Em quatro meses, a média de receita que uma clínica especial obtém é de aproximadamente 50 milhões de meticais, valor que pode ser usado para o pagamento de salários dos trabalhadores contratados, bem como cobrir algumas despesas, nomeadamente a renda de casa dos médicos, subsídios, viagens e alimentação, entre outras. No caso particular do Hospital Distrital de Nacala- Porto, os serviços especiais são prestados de forma clandestina.

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