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Controlo da corrupção não foi prioridade na governação de 2005 – 2013

Um dos pontos constantes no actual programa de governo (2009 – 2014) e que transitou do anterior programa (2004 – 2009), foi combater a corrupção como um dos assuntos de atenção especial na área da governação. Numa altura em que as realizações do governo, no período 2005 – 2013, são apresentadas de forma triunfalista pela imprensa, principalmente os media públicos (e alguma imprensa que, embora privada, mostra sinais de estar dominada pelo poder público), é importante analisar a prioridade que teve o desafio do combate à corrupção na agenda da governação e os resultados que foram alcançados.

Analisando as estatísticas sobre o desempenho do Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC), desde o ano de 2005, observa-se que, anualmente, o número de casos que são instruídos pelo gabinete tem vindo a conhecer uma tendência crescente, o que significa maior capacidade no tratamento dos processos de corrupção, segundo o Centro de Integridade Pública de Moçambique (CIP), na sua publicação de Novembro em curso. Contudo, numa outra vertente, indicia que ainda não se atingiu o nível de reduzir a ocorrência de casos de corrupção, atendendo que não existe diminuição significativa no número de processos a serem tramitados.

Os números indicam ainda que, as acções de prevenção da ocorrência de casos de corrupção levadas a cabo pelo GCCC e pelas procuradorias, não estão a surtir os efeitos que são de esperar, se atendermos que têm sido realizadas, anualmente, palestras de sensibilização ao nível de todo o país (principalmente nas instituições públicas), com vista a reduzir a ocorrência de casos de corrupção no sector público.

Outro dado que merece análise tem a ver com a redução dos casos denunciados ou que deram entrada no GCCC e nas procuradorias desde 2012 contrastando com a realidade factual, atendendo que têm sido reportados vários casos de corrupção pela imprensa, sobretudo no que se relaciona ao desvio de fundos públicos. No entanto, esta redução do número de casos denunciados pode estar intrinsecamente ligada à não aplicação da Lei de Protecção de Vítimas, Denunciantes, Testemunhas e Outros Sujeitos Processuais (LPVTD), no sentido de que os potenciais denunciantes sentem-se inibidos de apresentar denúncias de que tenham conhecimento por temer consequências adversas, pela não aplicação da referida lei para a sua protecção, para além de que esta falta de garantias para os denunciantes conduz ao aumento das denúncias anónimas, que muitas vezes não prosseguem por não se conhecerem as pessoas que as fizeram.

As estatísticas revelam que, entre os anos 2008 e 2013, o número de processos efectivamente tramitados e que conduziram há despachos, quer de arquivamento, para aguardar produção de melhor prova e acusados, tem tido uma média alta comparativamente aos anos anteriores, situando-se acima de mais de 100 processos anuais. Em termos do número de casos denunciados ou que deram entrada, tem-se observado uma tendência mista, mas com o maior número de processos que deram entrada a registar-se em 2008, com 430. Há que realçar que no primeiro semestre de 2013 entre processos que deram entrada e os tramitados, a média mostra-se alta em relação a todos os anos anteriormente analisados, o que indicia crescimento dos casos de corrupção e, consequentemente, maior acção do GCCC no seu tratamento. E não se observa uma redução significativa no número de processos que o GCCC tramita em cada ano. Pode-se ainda inferir que o número de processos a tramitar poderá ser bastante superior ao dos anos transactos, atendendo que já mereceram tratamento processual 114 casos de corrupção ao longo do 1° semestre, mais da metade dos números dos anos anteriores.

O mesmo deve-se dizer em relação aos processos entrados em igual período de 2013, que já se situam em 227, indiciando o seu incremento. Desvio de fundos do Estado ganha contornos alarmantes para o erário público O fenómeno do desvio de fundos do Estado foi crescente ao logo dos dois últimos mandatos e não se observa uma redução significativa no número de processos que o GCCC tramita em cada ano. Analisando os dados referentes ao primeiro semestre de 2013, pode-se inferir que o número de processos a tramitar poderá ser bastante superior ao dos anos transactos, atendendo que já mereceram tratamento processual 114 casos de corrupção ao longo do 1° semestre, mais da metade dos números dos anos anteriores. O mesmo deve-se dizer em relação aos processos entrados em igual período de 2013, que já se situam em 227, indiciando o seu incremento.

Desvio de fundos do Estado ganha contornos alarmantes para o erário

O fenómeno do desvio de fundos do Estado foi crescente ao logo dos dois últimos mandatos governativos, sendo que, amiúde, eram reportados vários casos ocorridos na função pública, envolvendo servidores públicos dos mais variados escalões. O e-SISTAFE como parte das reformas na Administração Pública inscritas na Estratégia Globalda Reforma do Sector Público (EGRSP) de que a Estratégia Anti-Corrupção – EAC (2010 – 2014) era parte integrante, mostrou-se permeável a tais desvios, com o Estado a ser largamente delapidado e os mecanismos judiciais a não conseguirem recuperar os valores fraudulentamente retirados dos cofres públicos.

Em nenhum ano, tendo em conta a informação disponível, o Estado conseguiu recuperar, pelo menos, a metade dos valores desviados pelos servidores públicos. Os valores da recuperação sempre estiverem muito aquém do desejável. Também deve-se questionar os números dos valores desviados e apresentados pelo GCCC desde 2012 que, por aquilo a que a imprensa se tem referido e pelos julgamentos que reporta, estarão muito acima do que as estatísticas indiciárias documentam.

Estratégia Anti-Corrupção apresentou resultados negativos ao longo da sua vigência

Os compromissos do poder público de combater a corrupção não tiveram progressos significativos nos 2 mandatos do actual governo. A EAC, cuja implementação efectiva iniciou em 2007, através de um Plano de Acção Nacional (PAN – 2007 – 2010), parece ter encontrado o governo mal preparado, pois este não mostrou o caminho que pretendia seguir nesta área, logo após 2010, como prioridade.

A Unidade Técnica da Reforma do Sector Público (UTRESP), que tinha por missão, dentre outras, gerir a implementação da EAC acabou por ser extinta algum tempo depois do período de vigência daquela ter terminado (foi produzido um plano transitório que não chegou a ser implementado eficazmente). Esta unidade foi criada na linha dos esforços de alguns Parceiros de Apoio Programático (PAP’s) visando auxiliar, especificamente, o combate à corrupção no sector público. O que se veio a notar é que esta unidade, quando parou de receber fundos dos doadores para o seu funcionamento foi extinta, o que demonstra que não representava uma estratégia genuína da actual governação. Foi extinta, sobretudo, porque não alcançou bons resultados e os doadores retiraram o financiamento.

Um estudo independente, produzido para o governo moçambicano pela ACS, Advocacia, Consultoria e Serviços, Lda. em 2009, um ano antes do fim da EAC, mostrou que “…atendendo que o PAN cobre um período de 3 anos, pode-se dizer que a meio do tempo previsto, está a ser implementado a um ritmo lento, com cerca de metade das actividades realizadas e em curso”. Esta situação demonstra que nunca houve uma estratégia clara, objectiva e dotada de eficácia da parte do actual Governo para combater a corrupção.

O período vacante que se seguiu ao fim da implementação da EAC em 2010 é um exemplo elucidativo, atendendo que este processo devia ter sido programado para decorrer de forma contínua e interligada. Outro aspecto que ressaltou, de forma flagrante, durante o período de vigência da EAC, tem a ver com o facto de que a mesma criava uma sectorização no combate à corrupção. Isto é, o PAN foi concebido para fazer face à corrupção apenas nos cinco sectores considerados críticos pela 1ª pesquisa nacional sobre governação e combate à corrupção, designadamente: Saúde, Educação, Ministério das Finanças, Ministério do Interior e o sector da justiça. Não houve um combate holístico da corrupção em todos os sectores da função pública, cada um com as suas especificidades próprias, mas compartimentalizado. A EAC, materializada pelo respectivo plano de acção, não tinha por detrás uma visão sistémica e integral da forma de abordar o fenómeno da corrupção para controlá-lo e foi concebida sem indicadores claros de produto e resultado para a sua monitorização e consequente avaliação.

2ª Pesquisa nacional sobre governação e corrupção mostrou a continuação de resultados negativos – será a Estratégia de Reforma e Desenvolvimento da Administração Pública – ERDAP a solução?

A 2ª pesquisa nacional sobre governação e corrupção terminada em 2012 não mostrou melhorias substanciais em relação à primeira, publicada em 2005, cujos resultados mostraram a continuação de elevados índices de prevalência da corrupção. Este facto conduziu ainda a que o Governo não fizesse a sua publicação, limitando-se a fazer apresentações internas dos resultados para os funcionários e agentes do Estado.

O Governo mostrou-se indeciso na forma de usar tais resultados, tendo, por fim, optado por produzir um plano de acção que foi integrado na ERDAP, aprovada pelo Conselho de Ministros em 14 de Agosto de 2012, cobrindo o período 2011 – 2014. No entanto, esta Estratégia, na componente do reforço da integridade, não irá cobrir o período em causa pois, ainda estão em produção os planos sectoriais para o início da implementação efectiva da ERDAP na componente do reforço da integridade na administração pública, onde se inclui o combate à corrupção. Quer dizer, só em 2014, ano do seu fim, é que os planos sectoriais poderão estar finalizados para iniciar a implementação. Que resultados esperar? Praticamente nenhuns, atendendo que o tempo é escasso para a preparação das acções de implementação e início propriamente dito desta.

Extinção do Fórum Nacional Anti-Corrupção não foi justificada no seu aspecto prático

Um dos organismos que foi criado com base na EAC foi o Fórum Nacional Anti-Corrupção (FNAC), como órgão de consulta e monitoria da implementação da referida estratégia, aprovada pelo Governo, em Abril de 2006.

O FNAC foi criado através do Decreto Presidencial n.º 1/2007, de 8 de Março e, antes de completar um ano de existência, foi extinto pelo Decreto Presidencial n.º 15/2007, de 28 de Dezembro. Não foram evocadas razões objectivas para o efeito, supondo-se que o Governo se teria apercebido da interposição de um recurso ao Conselho Constitucional por parte do partido Renamo para a extinção do referido fórum, por o julgar inconstitucional, uma vez que, na sua opinião, este integrava outros órgãos de soberania que se tinham que subordinar ao Governo.

Na mesma altura em que se solicitou a extinção do FNAC, a Renamo também solicitara a extinção da Autoridade Nacional da Função Pública (ANFP) por a considerar inconstitucional. Esta foi extinta,no entanto, porque o Governo considerava que as competências deste órgão eram importantes e que uma instituição similar deveria substituir a ANFP, criou como sucedâneo o Ministério da Função Pública (MFP).

O que se questiona são os motivos porque o Governo não transformou o FNAC numa instituição legal, suprindo as questões de inconstitucionalidade que o mesmo apresentava, com a mesma velocidade com que extinguiu a ANFP e criou o MFP. Está claro que não interessava ao Governo a existência de um órgão como o FNAC, que era abrangente e representativo das várias sensibilidades da sociedade, onde o mesmo podia ser aberta e livremente confrontado pela sociedade civil e pelo sector privado, acerca das suas políticas de combate à corrupção. Em termos práticos, a extinção do FNAC abrandou de forma significativa o ímpeto do Governo no combate à corrupção e a EAC ficou dissociada de um órgão que deveria fazer a sua monitoria e traçar novas formas de intervenção, sempre que se mostrasse necessário.

O Governo passou a ser o único actor neste processo, que passou a ser liderado pela Comissão Interministerial da Reforma do Sector Público (CIRESP), tendo-o delegado a outros órgãos de menor, ou quase nenhuma, expressão na matéria, como os observatórios da pobreza de nível provincial e os conselhos consultivos distritais, para a sua materialização. Na prática, tais órgãos sempre foram altamente partidarizados e a sua função principal é a de reproduzir pseudo-realizações do Governo. Mais ainda, estes órgãos nunca foram preparados, tecnicamente, para fazerem a gestão de matéria específica, como materializar e monitorizar a implementação de uma EAC.

Judiciário mostrou fraquezas no tratamento de casos de “grande corrupção”

Durante o período em análise vários foram os casos de corrupção que foram tratados pelo Judiciário. No entanto, a prevalência (principalmente pelo GCCC) sempre foi de trazer ao conhecimento do público casos da chamada “pequena corrupção”, envolvendo funcionários de menor escalão na administração pública. Facto elucidativo é o que acontece com a informação mensal das estatísticas do GCCC, iniciada no presente ano, em que os grandes casos de corrupção, envolvendo figuras de proa no aparelho político e na máquina administrativa do Estado, não são referidos.

O mesmo acontece nos informes anuais do Procurador-Geral da República, onde os casos de “grande corrupção” acontecidos no quadro da actual governação e os que transitaram da anterior, são omissos em termos de informação, concretamente sobre o seu estágio de tramitação processual.

Vários foram os casos mediatizados que aconteceram e cujo desfecho se desconhece:

“Caso BCM – Banco Comercial de Moçambique”, em que um dos envolvidos é Vicente Ramaya (também envolvido e condenado no processo do assassinato do antigo jornalista Carlos Cardoso), antigo gerente bancário de uma das dependências onde aconteceu a fraude de cerca de 144 milhões de meticais da antiga família, iniciada em 1996. Tendo sido condenado em 2004, nesse processo, a 14 anos, o réu recorreu do mesmo e

até a presente data o tribunal não decidiu o recurso. “Caso INSS – Instituto Nacional de Segurança Social”, referente a um alegado rombo financeiro ocorrido nesta instância, em alegados cerca de 1 milhão de dólares americanos e que envolve um antigo Presidente do Conselho de Administração, o empresário Inocêncio Matavel. “Caso Conselho Constitucional”, em que foi acusado de corrupção pelo Ministério Público o Juiz Conselheiro Luís Mondlane, mas que continua a julgar processos no Tribunal Supremo. “Caso Siba-Siba Macuácuá”, que foi repartido em dois processos, sendo um de má gestão e outro relacionado com o assassinato do antigo gestor do extinto Banco Austral, que vai transitando de mandato em mandato sem que se conheça o seu desfecho.

“Caso MINT – Ministério do Interior”, que envolvia o antigo Ministro do Interior nos últimos governos de Joaquim Chissano, Almerino Manhenje, e mais outros 9 generais, indiciados do desvio de cerca de 220 milhões de meticais da antiga família, que conheceu o seu desfecho (pelo menos em primeira instância). No entanto, o antigo governante foi acusado de 49 crimes pelo Ministério Público (MP) mas o tribunal reduziu os mesmos, de forma drástica, para três crimes e os valores em causa também. Esta foi uma clara situação em que ficou demonstrada a fraca capacidade de investigação das instâncias de instrução processual.

“Caso do Comando Geral da Polícia”, que corria paralelamente ao “caso MINT”, cujo desfecho ainda é desconhecido e que envolvia um antigo vice – Ministro dos Transportes e Comunicações no primeiro governo do Presidente Guebuza, Ernesto Augusto. Estes são alguns dos casos que foram tramitados pelo Judiciário durante os dois últimos mandatos, sendo que alguns transitaram de anos anteriores, mas ficam ainda por esclarecer, manchando o funcionamento do sistema de justiça e descredibilizando-o.

Ambiente de negócios caracterizado por conflitos de interesses e tráfico de influências

O último mandato da actual governação veio consolidar a ideia de que o Estado é uma plataforma ou instrumento de viabilização dos interesses económicos individuais de quem está no poder ou tem o controlo do Estado, pressuposto que foi, de certa forma, reforçado pela fraca intervenção daqueles que impunham a necessidade de maior transparência na gestão do bem público, os doadores.

A descoberta e exploração dos recursos minerais desencadeou uma corrida desenfreada por oportunidades de acumulação de riqueza por parte de uma elite política com elevados níveis de avidez em tornar-se elite económica. Nos últimos cinco anos, praticamente, todos os membros do Executivo procuraram constituir empresas cujo objecto social prioriza o exercício de actividades no sector extractivo, como também, em todos os sectores em que os mesmos, devido ao acesso à informação privilegiada, sabiam que se beneficiariam de avultados investimentos.

Esta tendência teve como efeito o agravamento da ausência de distinção entre a esfera pública e a privada nos mais altos escalões da hierarquia do Estado, consubstanciada pelo facto de termos indivíduos da elite política, membros do Governo e funcionários públicos da alta e média administração, com interesses no sector privado, o que propiciou a ocorrência de situações claras de conflito de interesses e tráfico de influências.

A aprovação da Lei nº16/2012 (Lei de Probidade Pública – LPP), que impede a ocorrência de situações de incompatibilidade e conflitos de interesse nas instituições do Estado, não foi suficiente para impedir a ocorrência de situações claras de conflitos de interesse por parte dos altos dirigentes do Estado. Vários são os casos de ministros e funcionários públicos do topo da hierarquia que constituíram empresas nos sectores por eles dirigidos.

Alguns exemplos:

Carvalho Muária, actual Ministro do Turismo, este ano constituiu a firma Salafo Investimentos, Limitada cujo objecto social prevê a realização de actividades no sector do turismo; o actual Comandante Geral da Polícia da República de Moçambique, Jorge da Costa Khalau constitui a Macro Segurança, Limitada, empresa cujas actividades estão relacionadas com a área que o visado deve fiscalizar; o Ministro da Agricultura, José Pacheco que, através da sua empresa Conjane, Limitada detém participações na empresa Romazindico, Limitada cujo objecto social é o corte e execução de madeiras e a produção agrícola.

Na mesma senda, Filipe Nyussi, actual Ministro da Defesa, em 2005 quando ocupava o cargo de Presidente do Conselho de Administração da empresa pública Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique, constituiu, junto com um grupode sócios, a firma SOMOESTIVA – Sociedade Moçambicana de Estiva, S.A.R.L., que tem como objecto social o manuseamento de carga nacional e em trânsito internacional a bordo e fora dos navios atracados nos portos de Maputo, Inhambane, Beira, Quelimane, Macuse, Nacala e Pemba, estiva e serviços auxiliares de estiva.

Mais ainda, o actual Presidente do Conselho de Administração da empresa pública Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique, Rosário Mualeia, constitui a empresa Engerojh e Serviços, S.A., cujo objecto social prevê a prestação de serviços na área de energia eléctrica, telecomunicações, rodovias e ferro-portuárias, comercialização de material eléctrico, desenvolvimento e gestão de propriedades. Algumas destas áreas são do interesse da empresa pública em que Mualeia ocupa o cargo de Presidente do Conselho de Administração.

Os exemplos acima apresentados demonstram o quão grave se tornou a questão dos conflitos de interesse em Moçambique e, pese embora exista um enquadramento legal que os penalize, um ano após a aprovação e entrada em vigor da lei, quase nada foi feito no sentido de implementá-la.

Faltando cerca de um ano para o final do presente mandato, ainda ficou por aprovar o projecto de revisão do Código Penal, que prevê a criminalização de comportamentos ligados ao tráfico de influências. Os constantes adiamentos do debate do mesmo, em sede da Assembleia da República, revelam o grau de percepção por parte dos principais actores políticos sobre as implicações da respectiva aprovação na salvaguarda dos seus interesses privados – empresariais. Há que tomar em atenção que a elite política, os membros do Governo e alguns funcionários públicos de topo, refugiam-se no tráfico de influências como fonte de acumulação de renda.

Por via deste facto, nos últimos anos, é visível o posicionamento de empresas ligadas ao poder político, tais como a SPI- Gestão de Investimentos Limitada, Intelec Holding SA, Insitec Holding SA, Final-Financiamentos Investimentos e Agenciamentos, Limitada, Whatana Investimentos SA, Focus 21- Gestão e Desenvolvimento, Limitada, entre outras. Estas empresas operam nos principais sectores de actividade da economia moçambicana, nomeadamente: indústria extractiva, infra-estruturas, energia, turismo, sistema financeiro, imobiliário, serviços, logística e gestão do sistema ferro-portuário.

Portanto, temos vindo a observar a emergência de um padrão que apresenta duas formas distintas de actuação por parte das empresas no sector privado. Por um lado, temos empresas bem posicionadas, politicamente, que, por via disso, exercem o tráfico de influência de modo a ganharem os melhores contratos de prestação de serviço para o Estado e atracção de investidores estrangeiros. Por outro, um segundo grupo, constituído por uma variedade de pequenas e médias empresas do sector privado que, no seu dia-a-dia, na relação que estabelecem com as instituições públicas ou quando concorrem aos concursos públicos, são compelidas a entrar em esquemas de corrupção de modo a alcançarem os seus objectivos.

Avanços e recuos na aprovação do “Pacote Anti-Corrupção”

Em Outubro de 2010 o Governo submeteu ao Parlamento o que se convencionou chamar “Pacote Anti-Corrupção”. Este pacote era composto pelas seguintes propostas de leis: produção do Código de Ética do Servidor Público (depois chamado Lei de Probidade Pública – LPP) e da Lei de Protecção de Vítimas, Denunciantes, Testemunhas e Outros Sujeitos Processuais – LPVTD; revisão da Lei do Procurement; revisão da Lei Orgânica do Ministério Público e Estatuto dos Magistrados do Ministério Público; revisão do Código Penal (CP) e do Código de Processo Penal (CPP).

Adensou-se a expectativa do público no sentido de que estes instrumentos viriam dar outro cunho ao combate à corrupção e à promoção da integridade, assim que aprovados. No entanto, estas propostasde lei, produzidas no actual mandato que foram e são consideradas um sinal de comprometimento do Governo em combater eficazmente a corrupção, não encontram aplicação prática de alguns dos seus dispositivos e, noutros casos, outras estão ainda por aprovar, concretamente o CP e o CPP. Isto surge porque existe uma interligação de umas com as outras, daí a inaplicabilidade de tais dispositivos, acrescido ao facto de terem sido concebidas de forma conexa, umas com as outras. A não aprovação da proposta de revisão do CP conduz a que a aplicação de alguns dispositivos da Lei Orgânica do Ministério Público não se possa efectivar. Para elucidar, o GCCC não pode, ainda, acusar situações de enriquecimento ilícito, tráfico de influências, peculato na nova versão proposta, pois estes factos ainda não foram aprovados como crimes.

Temos ainda que a LPP e a LPVDT ainda não estão a ser aplicadas e regista-se um atraso no calendário proposto para que se efectivem as acções de preparação da sua implementação, que devia começar a ser efectivada no presente ano, segundo o compromisso assumido pelo Governo. Ademais, a Comissão Central de Ética Pública (CCEP) e o Gabinete de Protecção à Vítima criados pelas respectivas leis, visando a sua aplicação, não estão em funcionamento, o que impossibilita a produção de efeitos práticos por estas leis, mesmo aprovadas. A CCEP, embora possua um regulamento para o seu funcionamento, o mesmo ainda não foi aprovado, o que faz com que seja inaplicável e impossibilite o normal funcionamento do órgão.

Significa que o PAC não será implementado na íntegra no presente mandato pois, existe um atraso nas acções de preparação visando a sua efectivação, o que quer dizer que, grande parte das actividades ligadas à execução destas leis só iniciará em 2014.

Estatísticas sobre corrupção da Transparência Internacional desfavoráveis à Moçambique

A organização Transparência Internacional (TI) divulga, anualmente, um índice de percepções sobre a evolução da corrupção no mundo. Compulsando os dados deste índice, verifica-se que Moçambique não conseguiu reduzir, significativamente, a incidência da corrupção, até 2011.

Em 2012, o país melhorou o seu “score”, o que foi justificado pelo Governo como resultado de novas abordagens no combate à corrupção. No que tange a esta melhoria, o Governo reagiu com satisfação. No entanto, em anos anteriores, onde o índice atingido era baixo, havia sempre uma tendência de um discurso contrário aos resultados, não havendo concordância com os mesmos.

Pode-se dizer que Moçambique tem sido um país estacionário, com uma média de evolução que não tem sido significativa, desde 2005 – 2011. Pelo que se observa na tabela acima, a média que mais prevalece para Moçambique situa-se entre 2.7 e 2.8. Importa dizer que o índice da TI, até 2011, ia de 0 a 10, sendo que os países com menores índices de corrupção são aqueles com maior numeração e os mais corruptos com a menor. Em 2012, estametodologia foi alterada e a escala passou a ser de 0 – 100, onde os próximos de 0 significam maior percepção da corrupção e os próximos de 100, menor nível de percepção. Esta metodologia actual (e outros elementos introduzidos para a produção do índice da TI), segundo a TI, não permite que se compare os estados no que se refere às avaliações realizadas até 2011.

Daí que, é importante monitorar nos próximos anos (tendo em conta a nova metodologia da TI) o que o “score” atingido em 2012 (3.1) representa em termos de melhoria na percepção da corrupção. Há que tomar em atenção que não existem políticas públicas e legislativas nem iniciativas parlamentares consistentes de combate à corrupção. O Parlamento nunca teve uma comissão que tivesse investigado casos de suspeita de corrupção ao nível do Executivo, como acontece noutros países. Ademais, em 2012, como a tabela documenta, o último país esteve na posição 174, o que significa uma ligeira queda no número de países avaliados.

O CIP concluique: os elementos apresentados demonstram com clareza que a prioridade do actual Governo nunca foi a de combater a corrupção nas suas diversas formas de manifestação mas sim, perpetuar algumas práticas que violam princípios básicos de integridade, no sentido da defesa dos seus interesses político – empresariais e dos seus apaniguados.

Para lograrem os seus intentos, a violação da lei e a não aprovação daqueles instrumentos legais que, de alguma forma, inibiriam tal forma de agir, foram o seu modo de actuação, atendendo ao seu poder de domínio e capacidade de manipulação de outros órgãos de soberania (como o Parlamento e o Judicial) na tomada de decisões.

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