Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

Contra uma Filosofia sem filósofos

Após a leitura da obra Os Tempos da Filosofia (2004) de Severino Ngoenha apercebi-me de que a tradição filosófica ocidental permitiu que cada época fosse marcada distintamente pelo seu modo de interpretar a realidade e conceber o mundo. Ao contrário, em África, foram as formas de lutar para conceber uma melhor sociedade que determinaram a caracterização das mesmas. Por isso, é mais fácil para uma criança entender o significado do poder da violência, ao invés de perceber a importância e o valor do silêncio.

Pois, o acontecimento e não o motivo é que está por detrás da sua percepção da realidade. O acontecimento está para o moçambicano como o pensamento está para os ocidentais. Pelo simples facto de a realidade para nós ser determinada pelo pensamento e ideias de outros, partindo de uma maquete preconcebida para posterioremente determinarmos o modo de vida da nossa sociedade. Por outro lado, quando houve uma aproximação ao modo ocidental, o despertar do pensamento bloqueou a veia de acção.

A tradição literária moçambicana pelo seu centralismo no passado, no tradicional e não na utopia reduziu a importância do pensamento e dos pensadores por se considerar que talvez fosse melhor usar parábolas e outras formas de ocultar verdades para explicar à sociedade. Perpetuou-se assim a ideia segundo a qual, “o povo” percebe melhor o mundo ao seu por por meio de anedotas, músicas e não por meio de textos argumentativos (talvez seja por isso que não tenhamos uma cultura de ensaios). O pensamento tornou-se uma mera palavra, usada para explicar algo essencial existente no consciente do homem que lhe permite ter acesso a ideias e perpetuar o modo de luta e explicar os seus anseios. O pensamento não é uma arma, e muito menos uma força. O pensamento equivale a meras palavras fanatasiosas para expressar ansiedades. É uma arma para a burla.

Neste sentido, a emergência de um pensamento filosófico na sociedade moçambicana suscita diversas questões, entre as quais a mais importante: Qual é a necessidade da Filosofia na sociedade moçambicana? Esta questão poderá ser respondida de várias formas, contudo, na maior parte das vezes a resposta mais óbvia é de que a sociedade moçambicana, não necessita de Filosofia.

Ora, essa posição anti-filosofia é válida no sentido de o percurso intelectual da nação ter sido caracterizado por posições opostas quanto ao significado do que seria “filosofia”: 1) ciência dos padres e aqueles que estudavam em seminários; 2) a ideologia marxista; 3) os princípios da vida em geral; 4) filosofia era para loucos (posição popular); Contudo, contrariamente a essas quatro posições, por volta dos anos 1990 no alvorecer da democracia em Mooçambique, a filosofia foi introduzida nas escolas com o intuito de ser um instrumento argumentativo passível de introduzir o cidadão na sociedade e fazer as suas escolhas com base em argumentos lógicos (enquanto por outro lado preparava o aluno para o ensino superior).

Todas as posições são válidas à sua maneira, cada uma depende do contexto em que estiver enquadrada, por mais que a filosofia seja para loucos. Um filosófo alemão (Friedrich Nietzsche) disse que a filosofia numa sociedade ou cura as pessoas ou torna-as mais doentes.

Na minha opinião, é o conceito de pensamento que as pessoas têm que determina a forma como elas entendem Filosofia. Se o pensamento for algo complexo, só serve para enlouquecer. E se o pensamento for simples de mais, é inútil. Portanto, a filosofia de nada servirá porque os pensamentos não são palpáveis. Por isso, da inutilidade da filosofia poucas são as pessoas que aderem a ela com o intuito de usar as ferramentas numa perspectiva puramente académica. Muitos dos que aderem aos cursos de filosofia aderem por uma questão meramente económica e prestigiosa, no sentido de possuirem um grau universitário e um estatuto social. E muitos deles depois esquecem o valor prático da própria filosofia.

Por outro lado, temos um outro grupo de filósofos na nossa sociedade, para os quais sendo a Filosofia um mero instrumento filosófico, levará muito tempo para que ela possa ser entendida na sociedade. Devendo a filosofia ser confinada nas universidades e de vez em quando sair para debates, colóquios e simpósios. A filosofia é igualada à coruja da Minerva, que levanta ao anoitecer (como defendem Hegel e Ngoenha).

Mas se a Filosofia vem tarde, ninguém necessita dela! Quem irá necessitar de um médico depois de ter morrido? Que sociedade precisa de uma ciência silenciosa? A Filosofia parece estar a separar-se dos reais problemas da sociedade, e o filósofo parece tornar-se um covarde amedrontado não sei de quê.

Da contemplação filosófica para a acção-interacção social

A covardia filosófica reside no facto de muitos filósofos defenderem que o papel do filósofo é ser o de reflectir sobre o mundo. O filósofo é por natureza um pensador, por essa razão não irá demonstrar nenhuma acção visível como a do pedreiro, a do arquicteto, a de um médico, etc. Realmente não, mas como Marx disse, não é tempo de contemplar/reflectir sobre o mundo apenas, o mais importante é “transformar” a sociedade.

Acredito que o foco na Filosofia tem desnorteado a sua verdadeira função na sociedade moçambicana, pois, as pessoas aprendem a pensar mas não aprendem a agir, não se empreendem para “transformar”, uma vez que todos os seus ídolos, Platão, Aristóteles, Hegel e Voltaire, não os ensinaram a agir, mas a sonhar. E o seu sonho não pode ser partilhado antes do anoitecer. O ideal seria estar assentado sobre uma pedra com a mão sob o queixo, como a estátua “o pensador” de Auguste Rodin.

A Filosofia em Moçambique parece reflectir sobre uma sociedade ilusória, um mundo de pensamentos a que nenhum cidadão real tem acesso, pois os problemas reais e imediatos não são reflectidos, ao menos. Porque parece ser uma espécie de pecado reflectir sobre o “agora”, por ser mais cómodo relectir sobre o “ontem”. Acredito ser necessário deixar-se de esconder por detrás da coruja e enfrentar o mundo de hoje. Imaginemos então se essa coruja moçambicana de tão jovem que é perder a visão? Qual será o seu fim? Será que morrerá à fome e cega, apesar de ainda poder voar?

A real presença da Filosofia na sociedade moçambicana carece de uma mudança de perspectiva em relação àqueles que a fazem. Pois a filosofia não pode existir sem filósofos. Acredito que este é que tem sido o grande problema, a centralização sobre a Filosofia e não aqueles que fazem sentir a sua presença. Ainda não entendemos que a sociedade necessita de uma melhor percepção sobre qual é a responsabilidade do filósofo na sociedade.

Da covardia à ousadia filosófica

Enquanto o filósofo se mantiver calado ele estará a ignorar os problemas do seu país, e “estes esforços fúteis para filosofar o seu caminho em direcção à relevância política são um sintoma do que acontece quando retirasse do activismo e adopta uma abordagem espectatorial dos problemas do seu país”, como defendeu o filósofo americano Richard Rorty, em “Para Realizar a América” (1999). Pois a posição de um espectador à espera de um golo favorável para a sua equipa, em nada permite ao filósofo influenciar a sua sociedade. Acredito com isso, o deixarmos de centralizar o debate na Filosofia, mas responsabilizarmos o filosófo sobre o papel de restaurar o papel da Filosofia na sociedade ou denegri-la mais.

O pensador americano considerava que a centralização do filósofo na “teoria” o afastava da realidade, dos “reais problemas dos homens”. A grande acção filosófia seria uma focalização da actividade filisófica (seja metafísica, antropologia, política, etc.) que deixe de focalizar os problemas dos livros e enfatize os problemas da sociedade. O orgulho filosófico não deve impedir de verificar os problemas sociais, senão de outra forma vai-se plantar um árvore no meio no mar. O problema é o de se pensar que o “povo” sabe o que irá fazer e que os costumes permanecerão os mesmos. Mas o problema reside no facto de ensinar o “povo” a saber fazer as suas escolhas.

Quando Sócrates, Russel, Rousseau ou Chomsky denunciaram as suas sociedades ou quando Ngoenha tenta denunciar, não cruzaram os braços à espera das consequências das escolhas do seu “povo”, mas tentaram ajudar o “povo”a compreender melhor como é que poderia aprender a melhorar a sua sociedade. Eles pretendiam trazer mudanças significativas ao estado da sua sociedade, não meramente através do pensamento mas por meio de acção.

A sociedade moçambicana não precisa de Filosofia. Entendam Filosofia enquanto um corpo teórico de conhecimentos confinados à universidade. Ou seja, o pensamento confinado à mera contemplação e auto-satisfação, aquele aspecto complexo do saber de que apenas poucos tem acesso. Como também aquele enigma de conhecimentos de que somente os “escolhidos” têm acesso. É necessário responsabilizar o filósofo como o agente de mudança. Senão, no vão do pensamento o filósofo irá esquecer-se da questão pertinente feita por Kant: “O que posso fazer?” E não apenas “o que é posso saber?”.

Essa mudança da posição centrada na filosofia para a posição centrada no filósofo permite abandonar-se o argumento segundo o qual a Filosofia é desncessária para a sociedade. Pois, se culpamos a Filosofia é o mesmo que se acusássemos um fantasma. Mas se culpamos o filósofo, seja ele Ronguane, Ngoenha, Castiano, Muianga ou Gingir apontamos o dedo para um sujeito pensamente capaz de responder pelos seus actos. E é responsabilidade deste mesmo sujeito responder às inquietações da sua sociedade. É importante que o filósofo deixe de pensar mas comece a agir na arena social (por mais que seja por meio de pensamentos).

Ora, a minha opinião é a mesma que a do filósofo beninense Paulin Hontoundji, segundo a qual a escrita é um meio importantíssimo para a identificação do filósofo. Se não for pela escrita que seja por meio de uma acção visível para a sociedade. Que não esteja confinada a uma plateia privada específica mas que a participação seja feita de uma forma mais pública, na qual as palestras possam incluir a sociedade civil, e as ideias do filósofo partilhadas com todos.

Por outro lado, é importante ressaltar a importância da utopia porque é isso que faz com que o filósofo possa contribuir de uma forma significativa para a sua sociedade. Se o filósofo não sonha o seu mundo fica inacessível, intocável e impossível porque ninguém irá saber o que é que ele faz. Mas se ele partilhar formas viáveis de melhorar a sua sociedade ou uma das esferas, poderemos compreender o valor da sua tarefa na sociedade actual.

A ousadia filósofica reside na possibilidade de o filósofo expressar a sua liberdade, por mais que a sociedade não permita, ele terá de inventar novas maneiras de expressar o seu pensamento contra a violência, a hipocrisia e a desumanidade. É importante perceber-se que o filósofo sem ousadia é como um saco vazio. E é necessário que se perceba que a tarefa de restaurar a imagem negativizada da Filosofia está ao seu encargo.

Em resumo, a sociedade necessita de filósofos ou interessados em Filosofia que abandonem o espírito de autocontemplação e o espectatorismo distanciado para se virarem para o campo de maior intervenção na sociedade. A violência do mundo requer uma outra visão, um outro agir, uma contribuição que só o filósofo pode fazer e não a Filosofia.

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Related Posts

error: Content is protected !!