Na sequência do reassentamento polémico de perto de duas mil famílias que serão alvo deste processo no distrito de Palma, em Cabo Delgado, para dar lugar ao projecto de exploração de gás natural liquefeito por parte Anadarko, o Centro Terra Viva (CTV) reiniciou, em Abril passado, o aconselhamento e a assistência jurídica às comunidades abrangidas pelo empreendimento, após a sua interrupção pelo governo local, em Janeiro do ano em curso, por alegadamente influenciar negativamente as pessoas visadas e incitar ao desacato às autoridades.
Em Palma estão em curso projectos relacionados com petróleo e gás natural levados a cabo pela companhias norte-americana Anadarko e a italiana ENI, tendo a primeira descoberto gás que pretende explorar. Contudo, são necessários sete mil hectares de terra – ora ocupada pela população – perto do local de exploração para erguer e construir fábricas de transformação do produto em alusão. Com o beneplácito da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH), a Anadarko obteve, estranhamente, um Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT), o que lhe dava autonomia para iniciar a exploração do gás natural liquefeito.
Entretanto, os proprietários dos talhões abrangidos pelo projecto desta firma americana alegam que o processo de reassentamento não é claro. Nesse contexto, o CTV, preocupado com as injustiças a que as comunidades têm sido sujeitas em casos em que devem ser deslocadas para dar lugar ao empreendimento, prestaram assistência à população lesada mas o governo do distrito de Palma acusou a organização de estar a causar desordem e a criar distúrbios. Em Dezembro de 2012 o Governo central concedeu o DUAT à Rovuma Basin LNG Land, empresa pertencente à Anadarko Moçambique Área 1,Ltd. (AMA1) e à Empresa Nacional de Hidrocarbonetos, E.P. (ENH).
No mesmo mês, o ministro da Agricultura, José Pacheco, aprovou um contrato de cessão de exploração do DUAT entre a Rovuma Basin LNG Land e a Anadarko Moçambique Área 1, que concede a esta empresa o direito de desenvolver a zona do DUAT, na zona do projecto, em Afungi. A área coberta pela referida autorização é de sete mil hectares e é habitada por onze comunidades, algumas das quais terão de ser retiradas para dar lugar à instalação da fábrica de gás natural liquefeito e de outras infra-estruturas de apoio, segundo explica o CTV. Todavia, as populações das onze aldeias dizem não terem sido consultadas antes da atribuição do DUAT acima referido, conforme estabelece a Lei 19/97.
Contrapondo esta posição, o governo da província de Cabo-Delgado afirma que as comunidades foram consultadas. “Contudo, o acto não se confirma, uma vez que em nenhum momento, nenhuma entidade governamental, em Cabo-Delgado, foi capaz de mostrar as actas resultantes daquele processo, quando solicitadas pelas próprias comunidades e/ou pelas ONG’s que as apoiam na salvaguarda dos seus direitos sobre a terra e outros recursos naturais”.
A retomada das actividades do CTV em Palma resulta de um trabalho aturado de lobbying e advocacia, junto das instituições governamentais, com responsabilidades no licenciamento daquele projecto, nomeadamente os Ministérios para a Coordenação da Acção Ambiental (MICOA) e o da Agricultura (MINAG), incluindo as empresas proponentes do mesmo.
Nesta acção, a organização actuou a par de outras ONG’s que integram a Plataforma da Sociedade Civil para os Recursos Naturais e Indústria Extractiva. O diálogo entre a plataforma e as instituições acima referidas, no sentido de obter esclarecimentos das questões inerentes ao licenciamento daquele empreendimento, tidas como irregulares, iniciou-se no ano passado, explica o CTV, acrescentando que “somente a 14 de Fevereiro de 2014 é que o MICOA se pronunciou, publicamente, na capital do país, sobre as inquietações da Sociedade Civil, face aos processos de licenciamento daquele empreendimento”.
Num outro desenvolvimento, a instituição a que nos referimos assegura que “os esclarecimentos dados, na ocasião, não foram concludentes e careciam de argumentos jurídicos convincentes, tendo as ONG’s persistido para que todas as questões legais levantadas fossem, cabalmente, esclarecidas. A insistência levou à marcação de um novo encontro entre o CTV, as organizações filiadas à Plataforma e o MINAG, ainda no mês de Fevereiro”.
Em Abril último, o grupo reuniu-se com o MICOA, em presença das empresas Anadarko e Eni. Nesta última reunião, alguns participantes solicitaram ao CTV e às restantes ONG’s filiadas à Plataforma para que apresentassem propostas de solução dos problemas legais relacionados com o licenciamento da fábrica de gás natural liquefeito, identificados naquele processo. Na sequência do pronunciamento feito, o CTV e as restantes ONG’s membros da Plataforma arrolaram as principais questões tidas como irregulares no processo de licenciamento daquele empreendimento, com a indicação do que deve ser feito para a sua optimização.
Uma das medidas apontadas no documento, remetido aos MICOA, MINAG, MIREM e posteriormente apresentado ao Governador da Província de Cabo-Delgado, Abdul Razak Normahomed, é a delimitação de todas as áreas ocupadas pelas comunidades da península de Afungi, de modo a assegurar os direitos das populações ali existentes, em relação à terra e a outros recursos naturais.
O pedido daquelas comunidades fundamenta-se no disposto no Artigo 7 do anexo técnico do Regulamento da Lei de Terras, o qual estabelece que a delimitação das áreas das comunidades locais faz-se, prioritariamente, quando haja conflitos sobre o uso da terra e/ou dos recursos naturais, nas áreas das comunidades locais onde o Estado e/ou outros investidores pretendem lançar novas actividades económicas e/ou projectos e planos de desenvolvimento, ou a pedido das próprias comunidades locais.
No caso de Palma, a comunidade de Quitupo, um dos povoados abrangidos pelo projecto da fábrica de gás natural liquefeito endereçou, em Janeiro último, uma carta à Administração do Distrito, solicitando a delimitação da sua aldeia. Enquanto se aguarda pela autorização daquele procedimento, previsto na Lei de Terras, o CTV iniciou a preparação dos membros das comunidades que serão abrangidos pela medida, na Península de Afungi.
Replicando a experiência de titulação de terras comunitárias, colhida nas intervenções anteriores na província de Inhambane, uma equipa da instituição realizou, entre os dias 19 e 23 de Maio, na aldeia de Quitupo, um curso de capacitação em matérias de delimitação de terras comunitárias e do processo de diagnóstico rural participativo. Este último tema da capacitação consistiu na elaboração de mapas temáticos, pelos próprios formandos, nas suas respectivas aldeias, indicando a distribuição dos recursos existentes em seu redor.
A capacitação beneficiou trinta e cinco pessoas, entre homens e mulheres, provenientes de quatro aldeias, nomeadamente, Quiputo, Senga, Monjane e Patacua. Uma vez formados, os membros das quatro comunidades serão envolvidos no processo de zoneamento, uma das etapas da delimitação, na qual as populações identificam áreas, nas suas aldeias, para a implementação de actividades específicas, de acordo com a aptidão dos solos, da vegetação e de outros componentes ambientais.