Acabou o concerto. Ali Faqui, um dos estimados génios da nossa música, o amblíope macua, arumou a guitara e foi-se embora, e nós fomos à paragem dos ‘chapas’. Queríamos tanto que Ali Faqui, com a sua guitara de mil encantos, afugentasse a nossa impaciência na longa espera pelos escassos carros naquela madrugada.
A noite nos despia as roupas e nos vestia o frio que nos percorria os rostos como as águas encapeladas escorrem pelas pedras. O sono consumia-nos os ânimos que nos foram emprestados, durante o concerto, pelo Ali Faqui, o músico cujo ritmo, voz e mensagem lhe dariam o estatuto de Salif Keita se este fosse aquele país dos sonhos do poeta-mor Craveirinha em muitos dos seus poemas. ‘Poema do futuro cidadão’ é um exemplo.
Uma jovem meiga, esbelta, na minha meia distância, passou de tremer para estremecer de tanto frio. Vestia poucas roupas. Sentia o frio atravessar-lhe a membrana da pele, percorrer-lhe as veias e os intestinos, congelando-lhe impiedosamente como faz o frigorífico ao peixe. A lindona tremia de tal maneira que os ombros batiam um no outro. Quanta compaixão senti! Pensei em passar-lhe o meu pesado casaco, o que não fiz logo por pensar que ela me entenderia com segundas intenções.
Kettle-ketle, kettle-ketle… tremia a belezura, ouviam-se os ossos que compõem o seu esqueleto batendo um no outro. Quanto mais olhava para o meu casaco, mais tremia de tanto invejar o calor que me aquecia, embora não suficiente para tanto frio.
– Não vale a pena – disse eu para mim mesmo – tenho que ajudar essa gaja. – Comcei a desabotoar lentamente o casaco. Ela olhava atentamente para mim como se me quisesse dizer para fazê-lo às pressas. Desabotoado, decidi despir o casaco e fiz um gesto à lindona para se achegar. Ao que ela abriu dois passos aproximando-se com receio do que não percebi logo.
A encantante mulherzinha de meia-idade enfiou o formoso rosto no meu casaco olhando por vezes para mim e por outras para um tipo que estava parado na outra faixa da estrada, ao que não dei total atenção.
Era chegada a minha vez de ser lambido pela língua fria do Inverno. Já sorridente, em aquecimento do meu casaco, a belezura perguntou se me podia meter nos seus braços para minimizar a impiedosa tortura do frio, ao que respondi que sim.
A lindona abraçou-me muito fortemente. Envolveu-me num abraço que sou de chamar de tentanção à fidelidade que tenho para com a minha noiva.
Naquele abraço parecia participarem três pessoas, pois era a mim que a lindona abraçava, mas olhava com alguma preocupação para o tipo que estva na outra faixa da estrada.
– Não te preocupes – disse a lindona para mim – é meu marido – concluiu.
– Hyein! – exclamei assustado.
– Sim, é meu marido – acrescentou a lindona dando acabamento ao meu medo – ele trouxe-me ao frio como castigo.
– Porquê? – Perguntei incomodado.
– Flagrou-me na hora ‘H’. E foi com um jovem muito parecido contigo.
Enquanto lutava para sair do doce abraço da jovem, ela lutava para me manter na sua quentura.
– Não sai teacher Chuquela – disse ela e acrescentou – não sai até que apareça um socorro. O meu marido, ali onde está parado, só está à espera do momento em que vais sair dos meus braços par te atacar e mutilar com a garrafa que tem na mão.
Ignorei a advertência da lindona e livrei-me do abraço. Procuva resgatar o meu casaco quando uma garrafa me chegou na cabeça, pousando violentamente no meu crânio.
– Phengueleketleee – é a garrafa e os seus estilhaços.