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Com Provedor de Justiça sem autoridade, funcionários da Administração Pública “rasgam” discurso de Filipe Nyusi, violam leis e permanecem impunes

Com um informe anual pejados de algumas boas práticas e outras que atestam que ainda há funcionários e agentes do Estado que “andam aos papéis” em relação ao discurso do Presidente da República, Filipe Nyusi, proferido a 15 de Janeiro último, no qual exigia profissionalismo e prometia ser intolerante a arbitrariedades, José Abudo, Provedor de Justiça, “abriu as goelas” no Parlamento, na quarta-feira (28), e queixou-se do desleixo e da recorrente má na actuação da Administração Pública, com os tribunais a padecerem dos problemas de costume, que consubstanciam uma “negação à justiça” aos moçambicanos, particularmente pobres.

Na sua tomada de posse, o Chefe de Estado declarou que “tomaremos, sem condescendência, medidas de responsabilização contra a má conduta” e outros actos “praticados por dirigentes, funcionários ou agentes do Estado em todos os escalões. Não aceitaremos a violação deste contrato social firmado com o nosso povo. Ninguém está acima da Lei e todos são iguais perante ela”.

Contudo, “reina o incumprimento ou a falta aos deveres” e os mentores dos abusos em questão “não são sujeitos” a nenhum “procedimento ou sanções disciplinares”, de acordo com o Juiz Conselheiro, cujo relatório contém obstáculos que contrariam as palavras do Chefe de Estado, segundo as quais “queremos uma cultura de responsabilização e prestação de contas dos dirigentes de forma que conquistem o respeito profundo do seu povo” e exige-se “maior proactividade e responsabilidade aos dirigentes, funcionários e agentes dos diferentes níveis dos órgãos locais do Estado”.

O informe do José Abudo, com actividades que se equiparam às de um inspector, sugere ainda haver boas práticas no sector em alusão, mas deixa saliente que “o mérito e o profissionalismo” apregoados por Filipe Nyusi, para nortearem “os órgãos da Administração Pública e da Justiça”, estão a ser desvirtuados e pisoteados.

Acontece que, longe dos olhos da ministra da Administração Estatal e Função Pública, Carmelita Namashilua, certos funcionários e agentes do Estado, em diferentes repartições públicas do vasto Moçambique, dos chefes aos subornados e dos contínuos aos magistrados, não respeitam os dispositivos legais (incluindo a Constituição da República), faltam aos seus deveres, não colaboram com o Provedor de Justiça e, para o desgosto de quem paga impostos e espera que a sua vida melhore, ninguém aplica nenhuma medida disciplinar nem outro tipo de castigo.

Sem nenhuns mecanismos efectivos para corrigir os atropelos e a desobediência às leis, por si constatados, o que contraprova a garantia dos direitos e protecção jurídica aos cidadãos, a defesa da legalidade e da justiça, o Provedor de Justiça deixou transparecer que certos funcionários, mormente nos distritos, já “rasgaram” e atiraram para o lixo partes da oração do Alto Magistrado da Nação.

Segundo ele, na Administração Pública “há evidências de simplificação de procedimentos, eliminação dos actos desnecessários, sobretudo os que possam dificultar a actividade do agentes económicos (…). Os órgão locais asseguram a participação dos cidadãos, das comunidades e de outras formas de associações (…)” para a defesa dos seus interesses.

Entretanto, na Função Pública “há entidades que não respondem dentro do prazo indicado” ao pedido de esclarecimento de algumas situações que inquietam ocidadão, e se o fazem é após muita insistência, o que lesa os interesses de quem é representado por José Abudo.

Na altura do debate, a Frelimo retomou, sem nenhuma recriação, a sua avaliação que tem aplicada em todas as acções do Governo ou de entidades a ela subordinadas. Disse que o informe de José Abudo reflecte a realidade constatada no terreno e o interesse público está a ser materializado. A Renamo e o MDM, iguais a si próprios, não se coibiram de apreciar negativamente o documento. Esta última formação política considerou que “o relatório não reflecte, nem de longe, nem de perto, o Estado da nossa administração Pública, nem muito menos, denota que seu autor se preocupa, minimamente, por garantira defesa da legalidade e da justiça na actuação da Administração Pública”.

Tribunais negam o acesso à justiça

À luz da Constituição da República, “o Provedor de Justiça é um órgão que tem como função a garantia dos direitos dos cidadãos, a defesa da legalidade e da justiça na actuação da Administração Pública”. Todavia, pese embora as denúncias por ele feitas, nada pode fazer por depender de terceiros para salvaguarda cos direitos dos cidadãos, na medida em que as suas competência limitam-seà apreciação dos “casos que lhe são submetidos”, e “sem poder decisório produz recomendações aos órgãos competentes para reparar ou prevenir ilegalidades ou injustiças”.

José Abudo, que não poder fazer mais do que emitir conselhos em relação às dificuldades a que se refere, vincou que se continuam a registar “graves problemas nos tribunais (…)”, pois estes não respeitam “o princípio de garantia de acesso à justiça”, atrasam a “elaboração e execução de sentença dos julgamentos que realizam” e há presos com penas expiradas há anos, factos que consubstanciam uma “denegação de justiça”.

Numa Conferência Nacional sobre a Provisão do Acesso à Justiça e ao Direito”, subordinada ao lema “40 Anos Consagrando a Assistência e Patrocínio Judiciário em Moçambique”, Pedro Nhatitima, Juiz Conselheiro do Tribunal Supremo e ex-director do Instituto do Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ), secundando uma questão levantada por Tomás Timbana, Bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique, que se indignou pelo facto de as custas judiciárias serem elevadas e defendeu a necessidade de serem modestas, disse um dos problemas que enfermam os tribunais é a sua pretensão de querer colectar dinheiro. “A mim até incomodam quando estamos nos conselhos judiciais se discute qual é o tribunal que mais produziu. Nos primeiros conselhos judiciais eu perguntava aos colegas magistrados se o tribunal é uma máquina de produzir dinheiro. A pergunta nunca tinha resposta. Mas, infelizmente, temos que dizer isto: há esta preocupação em produzir dinheiro. Fazer mais dinheiro…” para o cofre do Estado e a repercussão tem sido a perda de foco relativamente à assistência jurídica, declarou Nhatitima.

Desumanidade nas cadeias e réus julgados sem advogados

O Estabelecimento Penitenciário da Província de Maputo, com 41 cidadãos que sofrem de perturbações mentais, o que “não é novo”, continuava com 2.136 reclusos à data última visita do Provedor de Justiça, contra 800 da sua capacidade. Não obstante o esforço no sentido de contornar as dificuldades acima indicadas, as cadeias provinciais e distritais prevalecem “em estado de degradação”, algumas com deficiente arejamento, tais como as penitenciárias de Pemba, Ancuabe, da Zambézia e as celas do Comando Distrital da PRM em Mopeia.

Aliás, Paulo Sousa, director da Faculdade de Ciências Criminais do Instituto Superior de Ciências e Tecnologia Alberto Chipande (ISCTAC), disse, há dias, numa conferência realizada pelo Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, através do Instituto do Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ), que em quase todas elas as reclusões do país há dementes misturada com gente sã, porque os órgãos de administração da Justiça não dispõem de especialistas para o diagnóstico e a triagem, o que constitui uma ameaça à saúde dos detidos. Eles apelou para que as pessoas sem o gozo pleno das suas faculdades mentais sejam afastadas e internados em centros especializados, os quais também não existem, pois a saúde mental no país ainda é um assunto que “passa por alto”.

“Pode-se de dizer, de viva voz, que ainda estamos aquém de tornar as normas jurídicas eficazes (…). O tratamento jurídico na esfera de saúde mental, no ordenamento jurídico moçambicano, é patologicamente grave e necessita de uma urgente intervenção de todos nós (…)”, afirmou o dirigente do ISCTAC.

A dado momento do seu informe, refere a Abril de 2014 e Março de 2015, José Abudo declarou ser “penoso notar a falta de preocupação de quem de direito” no tratamento dos doentes que dividem as celas com reclusos aparentemente sãos. Alguns entram nas cadeias já padecendo de distúrbios mentais e outros em processo de cumprimento de penas, o que denota uma “manifesta violação da lei penal e processual”.

Porque o Estado não disponibiliza transporte, os advogados não comparecem aos julgamentos, pois eles são obrigados a usar os próprios meios. Não existe separação de detidos menores de idade dos adultos e de reclusos condenados por crimes graves dos penalizados por crimes leves. “A superlotação da população prisional e a falta de separação facilita a transmissão de doenças da pele, tuberculose e outras”, disse o Juiz Conselheiro.

De acordo com a Lei-Mãe, “se as investigações do Provedor de Justiça levarem à presunção de que a Administração Pública cometeu erros, irregularidades ou violações graves, informa à Assembleia da República, o Procurador-Geral da República e a Autoridade Central ou Local com a recomendação das medidas pertinentes”, pelo que o Provedor de Justiça endereçou 15 exortações a diversas entidades, das quais três foram “revogadas por despacho de reclamação, quatro acatadas e oito não respondidas”.

O dilema de obter bilhete de identidade

Em Ancuabe ter um bilhete de identidade é ainda um luxo, a par do que se passada em muitas zonas de Moçambique como Nampula, onde há milhares de cidadãos à espera deste tipo de passe. A morosidade na emissão deste documento sem o qual o cidadão está impossibilitado de tratar vários assuntos do seu interesse, deveu-se à ausência do director distrital de Identificação Civil, em Outubro de 2014, por acidente de viação. Mas quando o visado regressou em Dezembro do mesmo ano, não pôde dar conta do recado e a funcionária nomeada para o substituir fez das suas, faltando com frequência ao seu posto de trabalho sem justificação alguma. Nada foi feito contra a senhora em causa, mesmo sabendo-se que ela contribuiu para a interrupção de um serviço fundamental.

Faltas e professores que foge das aulas para levantar salários

No sector da educação, em Macomia e Mecúfi, província de Cabo Delgado, por exemplo, os professores deixam os alunos à sua sorte para se deslocarem a outros distritos, onde há serviços bancários, com vista a levantarem os seus salários. Em locais como Morrumbala, na Zambézia, não foi possível obter dados sobre o funcionamento da Administração Pública porque o secretário permanente e o chefe de secretaria não se encontravam nos seus postos de trabalho, o recepcionista e servente, únicos funcionários presentes, nada podiam dizer, segundo José Abudo.

O rosário das anomalias fora das capitais é de tal sorte que não há livros de ponto, onde existem as folhas não estão devidamente enumeradas e “em péssimas condições de conservação”. Não se marca falta a funcionários que não se fazem aos seus postos de trabalho e há uma facilidade para cada um rubricar o livro quando o desejar. “Na Secretaria Provincial da Zambézia” certos empregados não se apresentavam naquelas instalações “desde finais de Dezembro de 2014 a Março de 2015 sem qualquer justificação e sem que lhes tivessem marcado falta”.

Para variar, em Mopeia, Morrumbala, Namacurra, CuambaMandimba e Marrupadeterminado agentes do Estado ausentam também por três meses sem nenhum castigo e outros assinam o livro de ponto, de manhã, na parte reservado a este período e ao da tarde para depois se afastarem do trabalho para tratar assuntos particulares.

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