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Chude Mondlane: “Eu não sou uma voz do povo!”

Uma mulher apaixonada pela música

Durante o tempo em que se realizou o Projecto Trânsito – encerrado no domingo, 24 de Março – a filha de Eduardo Mondlane, Chude Mondlane – a par de Chico António, Edmundo Matsielane e M´sagarra Nicolas – ofereceu aos amantes da música momentos inolvidáveis. Em pouco tempo, a iniciativa criou nostálgicos. No entanto, ainda que reconheça o nobre papel da arte, a cantora considera que “eu não sou a voz do povo”.

Em certa ocasião, nos dias em que esteve em Maputo, a filha do arquitecto da unidade nacional, Chude Mondlane – que ao lado dos músicos moçambicanos Chico António e Edmundo Matsielane e do francês M´sagarra Nicolas criou o Projecto Trânsito – escreveu na sua página do Facebook o seguinte: “faço música pelo prazer de tocar”. O texto que, para muita gente, serviu de convite para os shows da referida iniciativa, não teria sido elaborado por mero acaso. Como é tocar a música por prazer? Será que, em Maputo, já temos artistas que colocam a arte ao próprio serviço?

Talvez, estas e outras perguntas possam ter percorrido a mente dos leitores mais atentos. Chude Mondlane, falando sobre o nascimento do Projecto Trânsito – em entrevista realizada na semana passada – observa que há muitos factores que devem ser tidos em consideração quando se pretende realizar um espectáculo de música: “temos de angariar apoios materiais; temos de pagar pelos ensaios que fazemos; temos de arrendar o espaço para realizar o concerto – o que é normal, na medida em que faz parte do nosso trabalho.

O problema é que, invariavelmente, essa turbulência distrai-nos do processo criativo – algo solitário que dura meses – que é feito muito antes. Mas, aqui, fizemo-lo de forma transparente. Na inexistência de todos estes factores, só podemos fazer a música por prazer”, enfatiza. Então, a expressão de Chude é criada em resultado da necessidade de se encontrar um espaço prazeroso para dar continuidade à criação artístico-musical.

Não sou mesmo

Talvez, se, acerca do assunto, tivéssemos conversado com os demais integrantes do Projecto Trânsito – Chico António, Edmundo Matsielane e M´sagarra Nicolas – teríamos encontrado uma definição diferente. É que, primeiro, como artista, Chude Mondlane recusa-se a assumir que representa a voz do povo, sobretudo, no contexto moçambicano. E Justifica.

“Eu costumo esconder-me muito nas minhas composições. Não tenho dito muito sobre isso. Tenho a consciência de que para muitos (moçambicanos) sou outra pessoa. Por exemplo, Ou seja, o meu contacto com os mesmos é a partir dos artistas com quem trabalho, os amigos que tenho, incluindo a minha família no país”.

Ou seja, “absorvo a realidade local de uma maneira diferente na minha música, transmitindo-a de igual modo. Não posso intitular-me a voz do povo nesse aspecto. Há artistas (moçambicanos) que falam sobre as dificuldades sociais do povo de um modo muito claro, directo e incisivo. Eu retrato os aspectos que me atingem afectivamente – alguns dos quais têm peso e outras não possuem nenhum significado para determinadas pessoas”.

Espaços abstractos

Faz-se importante, aqui, perceber os cenários abstractos que abundam na sua definição do Projecto Trânsito: “uma iniciativa artística que associa novos e velhos amigos; um sítio onde as pessoas, conhecidas e desconhecidas, se encontram quando estiverem a viajar”. “Eu tive muitas experiências no trânsito na medida em que – em poucas horas que permaneci no avião, no aeroporto, ou na paragem do transporte público – mantive contacto com pessoas de diversas origens”.

O que se pretende explicar aqui é que “é nesses lugares onde nós começamos a conversa e temos a oportunidade de conhecer as pessoas. Depois disso, elas – no contexto do trânsito – retornam aos seus destinos e às suas vidas quotidianas. Não obstante, o momento do encontro mantém-se especial”.

Desse modo, enquanto uma iniciativa artístico-cultural, o Projecto Trânsito “tinha por objectivo colocar os artistas à vontade, constituindo-se como um espaço para a expressão da criatividade individual, na aplicação de instrumentos de música de maneiras diferentes, gerando, assim, possibilidades de aproximar o público a sonoridades familiares como, por exemplo, as que se estabelecem na relação mãe e filho. E isso é feito de um modo natural, sem muitas amplificações do som”.

Então, que importância tem isso? A resposta é simples: ampliam-se as plataformas para o exercício da criatividade do artista, na medida em que as obras expostas não são, necessariamente, criações acabadas que deviam ser seguidas dentro da lógica do seu autor. “Houve pouca rigidez. Nós abrimos um espaço para que outros músicos introduzissem novos instrumentos e melodias”.

O apoio encontrou-nos no caminho

Na verdade, a realização do Projecto Trânsito é a metáfora certa de que querer é poder. Graças à abertura do pessoal do Teatro Avenida e do Modaskavalu (nomeadamente, Manuela Soeiro e Rui Martins) criaram-se condições para que, no mínimo, a iniciativa tivesse um espaço de acolhimento.

A par disso, Chude Mondlane não deixa de sublimar o papel de Ouri Pota – um dos mais engajados jornalistas culturais que o país possui na promoção e divulgação de eventos do ramo – na medida em que, imediatamente, se prontificou a fazer a campanha informativa a favor da realização. Com efeito, “as pessoas acompanharam o nosso trabalho e apoiaram-no, o que é muito raro.

Por exemplo, a Prodata, de forma voluntária, estabeleceu parcerias com os artistas oferecendo o cartaz para a publicidade. Ou seja, nós não fomos à procura do patrocínio. Tratou-se de um processo em que se deixou a música governar para o crescimento do Trânsito. Isso agradou- me imenso porque a música é que se impôs. Ela é que atraiu os apoios e os públicos. Infelizmente, nem sempre as pessoas lotavam o Modaskavalu. Então, isso também consolidou o princípio de fazer a música pelo prazer (pura e simplesmente) de tocar”.

A música vem do espírito humano

No Dia Internacional da Mulher, oito de Março, Chude Mondlane foi uma das cantoras convidadas para o concerto protagonizado – no Centro Cultural Franco- Moçambicano – pela banda feminina Likute. Em relação à sua experiência, Chude Mondlane engendra um comentário peculiar.

Para si, as Likute constituem uma das maiores bandas de Moçambique. O facto não se deve, apenas, ao seu empenho musical, mas também ao espírito que as aproxima da música. Elas têm como base da sua produção a música moçambicana. No entanto, apesar de tudo, incluem instrumentos modernos, associando-os aos da música tradicional africana de um modo genuíno.

Sem compromisso

Chude Mondlane recorda-se de que “a primeira vez que eu encontrei as Likute – uma banda que não conhecia – foi a partir da Internet. Não me recordo da canção que tocavam, mas, ao escutar, fiquei parva. Elas mesclam batuques, produzindo sonoridades que encantam. Por isso, a primeira coisa que fiz quando cheguei a Maputo foi procurá-las. Elas ficaram muito felizes pelo encontro. Passam dois anos desde que houve a primeira colaboração e espero que ela continue”.

De uma ou de outra forma, “o outro aspecto que me impressiona nesta colectividade artística é que as Likute não têm compromissos com ninguém. Elas são muito dedicadas ao trabalho que fazem e manifestam muito respeito pelo seu público. Exploram todas as suas experiências de mulher e de cantoras no palco. A Lídia Mate, como líder e fundadora da banda, não abandona os seus princípios”.

Uma capacidade invulgar

Segundo Chude, há alturas em que os artistas têm de “abandonar” as técnicas e permitir que a música nasça do espírito humano. É que, para si, não se deve conceber o padrão da pauta como o único para a produção e apreciação de música. Não lhe faltam argumentos: “a música vem do espírito humano que possui o seu empenho, entendido como a capacidade de interpretar os temas já concebidos e padronizados”. Isso significa que “a prática não basta na arte de cantar. O artista pode ser uma pessoa muito proficiente na técnica, mas se não conseguir exprimir os seus sentimentos fica sempre uma lacuna nos resultados”.

É nesse sentido que, em jeito de critica, a autora de Left considera que “da capacidade de associar o profissionalismo, o empenho e dedicação do músico na sua relação com um instrumento – no qual se especializou – ao espírito humano da música, resulta algo como a actuação da banda Likute”. Ou seja, “as Likute têm a habilidade de – através da sua música – levar um grupo de pessoas para outro plano. Eu sei que essas palavras são muito técnicas, mas constituem a verdade”.

Urge promover novos actores

Chude Mondlane congratula-se com o facto de que em Moçambique, o Governo e as Organizações Não-Governamentais demandam, continuamente, a contribuição de artistas para a educação cívica, apoiando a sociedade em diversos campos.

Um exemplo concreto é a necessidade de realizar actividades para a colecta de dinheiro a fim de apoiar determinadas comunidades necessitadas. No entanto, a artista rebela-se contra o facto de a actividade artística não ser tratada como as demais. “Os grandes projectos culturais, em Moçambique deveriam ser colocados na praça para que os artistas pudessem concorrer para a sua efectivação”.

O problema é que, por exemplo, “em iniciativas como o Festival Nacional de Cultura – no lugar de se criarem condições para que o seu produtor seja alguém apurado num concurso público, com qualidade adequada no que se pretende fazer – costuma-se, simplesmente, “contratar” pessoas mais conhecidas da praça.

Ou seja, não se investiga. Selecciona-se o actor mais popular e destacada no momento. Essa estratégia funciona quando se está num país desenvolvido. Em Moçambique, penso que temos de adoptar critérios diferentes para que os projectos de grande envergadura não recaiam sempre sobre as mesmas pessoas”.

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