Fisicamente debilitada, Themas Daniel, 28 anos, afrouxa a marcha e reposiciona o bidão de água de 25 litros que carrega na cabeça, enquanto troca de mão outro de cinco litros. “Vendo esta água para poder sustentar a minha família e garantir saúde e educação para os meus filhos.
Esta rotina [carregar e vender água] me espera todos os dias”, disse Daniel, preparandose para sentar ao sol e esperar por clientes no único mercado local de Chitobe, sede distrital de Machaze. Viúva desde 2007, Daniel tem por criar duas filhas órfãs. O pai trabalhava nas minas na África do Sul e morreu por doenças relacionadas com o HIV/SIDA. “Ele veio em estado grave de saúde da Africa do Sul, onde trabalhava. Quase veio desprovido de dinheiro para nos sustentar. Nesta altura eu fazia trabalhos [pilar e sachar] para os vizinhos e conseguia algum dinheiro para nos mantermos.
Mas agora estou um pouco fraca para aguentar trabalhos muito pesado”, explica. A sua situação não é excepcional em Chitobe, sede do distrito de Machaze, na província central de Manica. Bem próxima à fronteira com o Zimbabwe e com poucos empregos locais, a região é tradicional provedora de mineiros para África do Sul. Daniel é uma das centenas de mulheres, na grande maioria viúvas, que vendem água buscada nalgumas vezes a 20 quilómetros de Chitobe. Algumas vão de bicicletas trazidas pelos maridos da África do Sul; outras vão e voltam a pé, carregando bidões na cabeça. Em média, conseguem vender dois bidões por dia, a dez meticais (o dólar custa cerca de 30 Meticais) cada. Os 600 Meticais mensais ganhos a cada mês correspondem a cerca de um terço do salário mínimo local.
Comportamento de risco
O Plano Estratégico Nacional de combate ao HIV/SIDA, desenvolvido pelo Conselho Nacional de Combate a Sida (CNCS) de Moçambique, coloca a pobreza como um dos factores de risco para a infecção pelo HIV. O problema piora se somar-se a isso o facto das viúvas serem esquecidas em vários aspectos relativos ao direito de sucessão, herança e transmissão de bens, além de serem menosprezadas em várias práticas socio-culturais nas suas comunidades. “A poligamia é um princípio cultural em Machaze. Há homens com até seis mulheres, que quando morrem deixam um leque de necessidades de sustento para elas. Algumas [viúvas] chegam até a prostituir para sustentar os filhos”, disse Eusébio Sixpenze, porta-voz do governo do distrito de Machaze.
Mais do que isso, a dependência a uma única fonte de receita as expõe a elevados índices de abuso sexual e reduz o poder de negociação para o uso de preservativo em relações sexuais em troca de comida ou dinheiro. “Por algumas viúvas serem jovens, há vezes que o cliente pede para carregar água para sua casa e depois lhe alicia para fazer sexo em troca de dinheiro. Há quem aceite ou negue, depende da situação. Mas a minha atenção neste momento é criar os meus filhos, por mais escassas sejam as condições que os posso oferecer”, assegurou Daniel.
Um relatório de 2008 do Instituto Nacional de Estatísticas (INE) sobre o estado civil em Moçambique concluiu que as mulheres casam-se mais cedo do que os homens, facto que pode estar aliado a existência no país de muitas viúvas jovens. O mesmo relatório indica que a união marital é mais frequente nas áreas rurais do que nas urbanas. Assim, nas zonas rurais a percentagem de casamentos é de 47 por cento, contra 35,8 por cento nas zonas urbanas. Segundo os dados do INE, em Moçambique a idade média ao casamento das mulheres é de 20,3 anos e a dos homens é de 24,9 anos. No entanto, na zona rural, os jovens se casam ainda mais novos: as mulheres aos 19,3 anos e os homens aos 23,7 anos.
“Sendo as viúvas jovens, a probabilidade de se relacionarem com outros homens é maior por se encontrarem na idade reprodutiva. Mas muitas delas nunca se submetem a testes de saúde, o que pode tornar-se uma cadeia de infecção por HIV/SIDA, ou elas se infectarem por se encontrarem em condições de vulneráveis”, explicou Sixpenze. Com 102.839 habitantes, Machaze têm uma seroprevalência de 16,7 por cento, pouco superior à média nacional 16 por cento.
Esquemas de apoio
Vista a debilidade económica dos lares sustentados por viúvas, que em muitos casos tem uma consequência nutricional entre os membros do agregado familiar, várias organizações religiosas e da sociedade civil, além de ONGs nacionais e estrangeiras, estão a dar assistência e apoio alimentar a viúvas e crianças órfãs em Machaze. “Vimos a necessidade de apoiar as viúvas, pois constituem um dos grupos vulneráveis e de risco. Elas são envolvidas em projectos de geração de rendimento, para ensiná-las a sustentarem futuramente as suas famílias”, conta Carlos Froi, presidente da Associação dos Pequenos Madeireiros e Carpinteiros (APEMACA). desenhada para incentivar o artesanato e carpintaria entre a população de Machaze, mas depois desviou a sua atenção para assistir directamente a viúvas e crianças órfãs.
“Agora algumas viúvas estão envolvidas na criação de frango, que uma parte está destinada a ajudar na questão nutricional destas e a outra para a sustentabilidade da organização”, disse Froi. Actualmente, mais de 50 viúvas tem apoio directo desta associação. Mais da metade delas estão sendo formados em matérias de gestão de negócios. Outras várias organizações como Handicap Internacional, a Aliança Internacional para a Saúde (HAI em inglês) e o Programa Mundial de Alimentação (PMA) disponibilizam um fundo destinado a iniciativas de geração de rendimentos entre viúvas e crianças órfãs em Machaze.
O programa de apoio alimentar e nutricional do PMA é multifacetado abrangendo várias componentes, uma das quais compreende o fornecimento de suplementos alimentares e nutricionais a doentes crónicos, em particular doentes de SIDA que têm dificuldade de prover às suas próprias necessidades alimentares e às das suas famílias. A ajuda é constituída por um cabaz mensal de 63 quilogramas de produtos alimentares (milho ou arroz, óleo e feijão) para famílias de cinco pessoas. Os suplementos nutricionais são farinha de milho e de soja enriquecidas com vitaminas e minerais.
Esta e outras organizações que actuam em Machaze identificam agentes implementadores (em geral associações locais ou instituições religiosas) com capacidade para organizar a logística de distribuição utilizando activistas de cuidados domiciliários (em alguns casos as próprias viúvas) para assistência aos doentes. Como estímulo pelo seu trabalho, estes activistas também recebem rações alimentares em quantidades inferiores às dos doentes.
“Há necessidade de apoiar as viúvas, mas mais do que tudo deviam ter acesso à assistência de saúde para que estejam bem informadas sobre os riscos de infectar ou de ser contaminada por HIV/ SIDA”, disse Daniel.